Lúcia de Carvalho canta: "O amor continua a vencer"
25 de março de 2022Nasceu em Angola, mas aos 6 anos mudou-se com a mãe e duas irmãs para Portugal. Aos 12 instalou-se em França. Foi aí que teve o primeiro contacto com a cultura brasileira que tanto influencia as suas canções.
"Todos os países influenciam a minha música de maneira diferente. Mas o Brasil é dos países que mais influencia, foi por aí que iniciei a minha carreira. Há sempre alguma coisa que me leva para o Brasil, a percussão, até o meu sotaque, que hoje em dia é mais semelhante ao do português do Brasil. Mas as minhas raízes angolanas estão sempre presentes".
Apesar do contacto com a cultura brasileira só ter surgido quando se mudou para França, após ser adotada por uma "mãe francesa", a música apareceu na sua vida muito antes.
A mãe de Lúcia de Carvalho gostava de cantar e fazia parte de um coro, enquanto as duas irmãs participavam em programas radiofónicos, em Angola. "Na verdade, o canto e a dança sempre fizeram parte da minha vida. Mas profissionalmente, comecei aos 16 anos no 'Grupo Som Brasil', perto de Estrasburgo, em França".
Pwanga: "Celebrar a luz que está em cada um de nós"
Depois do EP "Ao Descobrir o Mundo" (2011) e dos álbuns "Kuzola" (2016) – que conta com um documentário que retrata o regresso da cantora ao seu país, 30 anos depois de o ter deixado – e "Angola: Songs, Rhythms to Dance and Lullabies" (2018), Lúcia lança "Pwanga".
O nome do novo álbum foi inspirado numa peripécia. Uma amiga da cantora que estava a visitar uma pequena aldeia no noroeste de Angola quis tirar uma foto de despedida com um grupo de agricultoras. Todas tinham um ar sério. Por isso, pediu-lhes para dizerem "Pwanga", para que respondessem com um sorriso no rosto. "Pwanga" significa "luz" em Kimbundo.
"Esse nome inspirou-me totalmente. Eu estava na busca de origens como no meu álbum 'Kuzola'. Neste álbum, trata-se mais de uma vontade e necessidade de viver a essência das coisas. 'Pwanga' é essa luz que está em cada um de nós, que precisamos de deixar brilhar e crescer."
A música e as suas mensagens
Em "Pwanga" ouvem-se várias canções em Kimbundu, algo que Lúcia faz questão de incluir por remeter às suas raízes angolanas.
Entre elas está "Phowo", que aborda o empoderamento feminino, e "Saeli", uma música que Lúcia compôs quando estava grávida, como forma de agradecimento a essa dádiva.
"'Saeli', na verdade, é o nome da minha primeira criança. Eu escrevi a letra numa noite em que não conseguia dormir e depois pedi ao poeta angolano António Marques para traduzir para Kimbundo. Ele fez uma coisa muito linda."
Na canção "Yallah" encontra-se o verso "Fizeram guerras e o amor continua a vencer". Para a cantora, a música e o amor são a chave para ajudar a resolver alguns dos maiores problemas que o mundo enfrenta.
"Até em tempo de guerra há gente feliz. Na televisão, ficamos focados na guerra, na guerra, na guerra. Mas se desviarmos o nosso olhar, olhando para o outro canto, vemos flores, crianças rindo, agricultores fazendo coisas. Então, a guerra está aí, mas a gente não pode esquecer que há coisas essenciais, a vida continua e o amor continuará a brilhar sempre."
No álbum "Kuzola" (amar, traduzido para português) e em "Pwanga", os títulos das canções têm apenas uma palavra. Isto deve-se à vontade da cantora de celebrar a unidade.
Enquanto em "Kuzola", Lúcia se focava no seu "um", isto é, em regressar às suas origens, em "Pwanga" pretende celebrar a essência das coisas, o "um" de cada um de nós e o "um" do universo.
O terceiro disco da cantora foi gravado entre Paris e Lisboa, e contou com convidados de várias partes do mundo como Chico César, Anna Tréa, Sañaelle, José Luís Nascimento, Betinho Feijá (Bonga Kwenda) e Galiano Neto.
"Uma mestiçagem cultural"
A multiculturalidade é algo que privilegia: "Marca quem eu sou, uma 'mestiçagem cultural'".
O regresso a Angola para gravar o álbum "Kuzola" foi um período marcante na vida da cantora porque lhe permitiu aceitar essa mistura de culturas. Hoje compara-se à imagem de uma flor, "de raiz angolana, caule português e flor brasileira".
Para a cantora é um privilégio e uma "alegria" poder levar a música lusófona a tantos países diferentes. Apesar de viver em França há mais de 20 anos, Lúcia de Carvalho não consegue compor em francês. Prefere escrever e cantar em português porque é a "língua que vem e que sente".