LAM em turbulência: O duplo cargo de Dane Kondic
30 de junho de 2025
Mais um escândalo abala a companhia aérea moçambicana: o novo gestor da LAM (Linhas Aéreas de Moçambique) passou também a exercer funções como presidente da companhia aérea do Botswana, ainda que numa posição não executiva. Em Moçambique, o caso levanta poucas dúvidas: trata-se de um grave conflito de interesses.
A LAM viu-se obrigada — após a notícia ter sido publicada pela Air Botswana e amplamente comentada nas redes sociais — a emitir um comunicado onde, entre outros pontos, sublinha que Dane Kondic deve exercer funções na companhia em"regime de exclusividade".
Uma questão impõe-se: não deveria esse ponto ter sido devidamente salvaguardado num contrato de trabalho de uma empresa experiente e séria?
O especialista em aviação Alves Gomes considera que sim e suspeita que o amadorismo tenha prevalecido neste acordo. Gomes, que aponta outros aspetos estranhos nesta ligação, também levanta a hipótese de Kondic já ter um pé fora da LAM.
DW África: Este imbróglio na LAM que envolve Dane Kondic revela um conflito de interesses?
Alves Gomes (AG): É evidente que se trata de um conflito de interesses.
Quer dizer, uma pessoa não pode estar a servir uma empresa similar em Maputo e outra no Botswana, a menos que as duas empresas tenham uma aliança ou uma parceria — o que não é o caso. Portanto, é um claro caso de conflito de interesses.
DW África: No seu comunicado, a LAM reafirmou que Kondic deve estar na empresa em regime de exclusividade. Não lhe parece estranho que um aspeto tão importante como este não tenha sido acautelado pela LAM?
AG: Eu acho estranhíssimo. Isto faz-me lembrar — embora não seja o caso — um casal em que um dos cônjuges encontra o outro na cama com um amante.
Aí ainda há a possibilidade de uma reconciliação, mas a nível empresarial isso não é possível. E acho estranho que, mesmo depois de confirmada a aceitação do senhor Kondic para o Conselho de Administração da Air Botswana, a LAM ainda tente conciliar a sua função de exclusividade. Isto quer dizer que isso não tinha sido acautelado.
Quando se assina um contrato, é preciso definir muito bem as condições. O comunicado da LAM indica que essa condição não foi acautelada.
DW África: Então estamos a falar de algum amadorismo ou de alguma intenção não muito clara?
AG: Eu inclino-me mais para a primeira hipótese: amadorismo. Eu não estou a ver um empresário contratar um gestor sem definir exatamente as suas condições, e depois esse mesmo gestor sentir-se à vontade para assumir outro cargo noutro país, ainda por cima numa empresa potencialmente concorrente.
Portanto, há aqui qualquer coisa que não está muito bem explicada. Por um lado, é muito estranho que o senhor Kondic se sinta tão à vontade para assumir um cargo noutro país, enquanto já tinha assumido — ou não — funções na LAM. É isto que está por esclarecer: qual era a sua responsabilidade, de facto, perante a LAM.
DW África: Sendo a companhia do Botswana uma potencial concorrente da LAM, como ficaria a questão do sigilo, por exemplo, com Kondic em posições de relevo nas duas companhias?
AG: É evidente que se trata de um conflito enorme — é antagónico — mesmo que a Air Botswana, que é o caso, não seja um concorrente direto da LAM. A Air Botswana só poderia concorrer com a LAM nos voos para Joanesburgo, onde a LAM também opera. Não é o caso. Mas significa que o senhor Kondic, mesmo numa posição não executiva na Air Botswana, tem acesso a informação de ambos os lados, com a qual pode jogar e favorecer um lado ou outro. Portanto, há aqui um claro conflito de interesses.
Do ponto de vista empresarial, é claro que isso é inaceitável — pelo menos dentro daquilo que conheço como função de membro da direção. Nem sequer coloco a questão de ser presidente do Conselho de Administração, ou diretor-geral, só ser um membro da direção é o suficiente para haver conflitos de interesse.
DW África: E de quem seria o ónus neste conflito de interesses? De Kondic ou da LAM?
AG: É isso que não está bem definido. Quer dizer, para o senhor Kondic ter decidido assumir essa outra pasta no Botswana, é porque se sente à vontade dentro daquilo que acordou com a LAM. Ou sente-se à vontade para o fazer, ou então há qualquer coisa que ainda não foi explicada — talvez ele não tenha nenhuma obrigação contratual com a LAM.
Aliás, fica-se na dúvida, ao ler o comunicado do conselho — também não executivo — da LAM, porque os três administradores das empresas estão a financiar a recuperação da LAM, nenhum deles é executivo, que tenham assumido a posição de tentar renegociar qual seria a função do senhor Kondic dentro da LAM.
DW África: Face a este imbróglio, acha que Kondic já está com um pé fora da LAM?
AG: Eu penso que sim.