Despenalização do aborto em Moçambique continua a desgradar
19 de janeiro de 2015 Com a legalização do aborto Moçambique tornou-se há um mês num dos poucos países africanos em que a interrupção voluntária da gravidez (IVG) passou a ser feita com consequências judiciais, cumprindo as novas disposições legais.
A legislação aplicável em Moçambique que considerava ilegal o aborto datava do final do século XIX, à exceção dos casos em que a vida da mãe ou a sua saúde poderiam ficar em perigo.
Organizações não-governamentais ligadas à saúde salientam que o aborto é responsável por 11% dos óbitos registados durante a maternidade em Moçambique.
"Não sou a favor do aborto sou pela prevenção da gravidez"
Maria é uma jovem de 32 anos. Funcionária pública, confessa que já praticou o aborto clandestinamente por ter sido violada, apesar de nunca ter estado de acordo com esta prática. Por outro lado afirma que ”se por acaso ver uma menina ou alguém que esteja grávida não lhe aconselho a fazer o aborto, porque não sou a favor desta prática e para que no futuro possa prevenir-se”.
Há um mês que o aborto deixou de ser crime em Moçambique. O aborto será permitido nas primeiras 12 semanas de gravidez. Em caso de violação, o período alarga-se às 16 semanas. Isto vai permitir que as mulheres o façam em segurança, com a assistência de profissionais qualificados. Maria nem quer acreditar que o aborto foi despenalizado.
“Para mim como foi aprovado o aborto agora passa a ser legal mas não concordo porque se aceitarmos esta prática estamos a mostrar um mau caminho às nossas filhas que se vão engravidar e pensar no aborto logo em seguida. Para que isso não aconteça, melhor é prevenir-se. Se a rapariga ficar grávida mesmo que não seja algo planeado, então que nasça a criança”.
Muitas moçambicanas desconhecem ainda a legalização do aborto
Antes da despenalização, muitas mulheres corriam o risco de praticarem o aborto de forma insegura, pois optavam pelo uso de medicamentos não recomendáveis. Ainda assim, um mês depois, muitas mulheres desconhecem esta lei.
Cezaltina Almeida é ativista da Cruz Vermelha de Moçambique e explica o que isto significa. “São pessoas que não sabem que existe uma proteção legal e isso significa que poderemos ficar um pouco longe daquilo que é a materialização da lei sobretudo no mundo rural. Aqui na cidade ainda há alguma informação que circula mas nas zonas rurais a situação é ainda lamentável”.
Cezaltina Almeida diz que, mais do que despenalizar o aborto, há necessidade de as mulheres continuarem a prevenir gravidezes. Mas a tarefa não é fácil. “Precisamos de trabalhar muito ao nível individual, ao nível das comunidades e ao nível da sociedade civil e do governo no geral”, destaca.A despenalização do aborto é tida como uma ferramenta legal para combater gravidezes indesejadas, abortos inseguros e clandestinos que muitas vezes terminam em mortes de mulheres.
O artigo 168 do novo código penal permite o aborto no caso de gravidez resultado de uma violação sexual, má formação do feto ou relações de incesto.
A nova lei gerou muitas críticas no seio da sociedade. Amélia Saveca, líder religiosa, afirma que nada justifica esta violência. “Não estou convencida que a lei venha solucionar a situação. mas sim vai criar mais problemas. Mesmo antes da legalização do aborto já havia problemas. Tanto mais que as moças vão saber agora que a prática é legal e não sabemos o que vai acontecer no futuro”.
Disseminar informação para preservar gravidez indesejada
Mais do que legalizar o aborto, defende Amélia Saveca, deve-se disseminar informação sobre a prevenção de uma gravidez indesejada. Mas admite que o aborto deve ser feito em casos extremos. “Não é qualquer pessoa que tem que ver que não estou bem porque tenho uma gravidez indesejada ou se ando com uma pessoa e tenho que casar com ela embora queira continuar a ir à escola e portanto devo fazer um aborto. Temos que saber não contrair uma gravidez indesejada porque as raparigas têm meios que podem e devem utilizar”.
Maioria de países africanos proíbe o aborto
A maior parte dos países africanos tem leis restritivas que proibem o aborto obrigando muitas mulheres a recorrer a clínicas clandestinas e práticas inseguras de interrupção da gravidez.
Cabo verde, África do Sul e Tunísia são os únicos países que permitem o aborto terapêutico. A Organização Mundial de Saúde calcula que uma em cada cinco das gravidezes a nível mundial termina em abortos induzidos e que cerca de 47.000 mulheres morrem devido a complicações surgidas em interrupções de gravidez feitas de forma insegura.