Lei de recuperação de ativos é "fundamental" em Moçambique
Lusa
2 de junho de 2020
Partidos da oposição consideram que aprovação de lei de recuperação de ativos é essencial para travar a dissipação de património resultante de atividades criminosas em Moçambique e para haver "ressarcimento do Estado".
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O Conselho de Ministros de Moçambique aprovou na terça-feira da última semana (26.05) a proposta de lei que estabelece o Regime Jurídico de Perda Alargada de Bens e Recuperação de Ativos.
A adoção do documento, que ainda vai ser submetido à Assembleia da República (AR), aconteceu cerca de uma semana após a Procuradora-Geral da República, Beatriz Buchili, ter voltado a defender a pertinência desse instrumento para o combate à "criminalidade organizada e transnacional, com destaque para a de natureza económico-financeira".
Em declarações à agência Lusa, Arnaldo Chalaua, porta-voz da bancada da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), principal partido da oposição, afirmou que a lei de recuperação de ativos vai reforçar os mecanismos de proteção de património conseguido através de atividades ilícitas e impedir a sua dissipação.
"Dentro da sua soberania, a plenária do Parlamento vai analisar e decidir sobre a proposta a ser submetida pelo Governo, mas não restam dúvidas de que é um documento fundamental na luta contra a corrupção", referiu Arnaldo Chalaua.
Os autores de atividades criminosas não podem continuar a beneficiar do produto da sua ação, devido à ausência de instrumentos eficazes de recuperação de ativos, prosseguiu Chalau. "Os que andam a prevaricar não podem tirar proveito de bens provenientes de ações criminosas".
"Balizas" para recuperar bens
Por seu turno, o porta-voz da bancada do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), terceiro maior partido, Fernando Bismarque, classificou como legítima a necessidade de o país ter uma lei de recuperação de ativos, para que o Estado e as vítimas de criminalidade sejam ressarcidos.
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"É legítimo que a procuradora-geral da República venha colocar, pelo terceiro ano consecutivo, esta questão, porque a lei vai determinar balizas que permitam a recuperação de bens", afirmou Fernando Bismarque.
Uma lei de recuperação de ativos também vai proteger bens de suspeitos de participação em atividades criminosas que depois são absolvidos, acrescentou Bismarque.
"Dado que não há mecanismos claros sobre como é que se deve gerir o património confiscado por suspeitas de origem criminosa, podemos ter casos em que o próprio Estado tenha de ressarcir particulares", frisou o porta-voz do MDM.
FRELIMO pronuncia-se quando proposta chegar ao Parlamento
O porta-voz da bancada da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), partido no poder e com maioria parlamentar, Feliz Sílvia, disse que a organização está à espera do depósito da proposta na AR para poder formular um juízo sobre a lei.
"Vamos aguardar pela submissão da proposta no Parlamento e depois de conhecermos os detalhes do documento, teremos uma posição mais consistente", referiu Feliz Sílvia.
A Procuradora-Geral da República disse na AR que "o acesso célere a toda a informação que permita apurar o património e os rendimentos incongruentes dos agentes do crime e terceiros a ele ligados é essencial para o êxito da investigação financeira e patrimonial".
"Não podemos ignorar que a criminalidade económico-financeira apresenta, normalmente, contornos internacionais e, por vezes, os seus proventos são transferidos para o estrangeiro e branqueados, o que dificulta a sua identificação, apreensão e confisco, para posterior reversão a favor do Estado moçambicano", declarou Beatriz Buchili.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)