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MédiaZâmbia

Leis de cibersegurança na Zâmbia geram polémica

Kathy Short
8 de julho de 2025

As novas leis de cibersegurança na Zâmbia permitem a vigilância total de comunicações. O Governo defende que a legislação visa combater crimes digitais, mas críticos alertam para riscos à liberdade de expressão.

Digitalização através do smartphone
Fundação para os Media da África Ocidental denuncia aumento de leis cibernéticas restritivas que violam a liberdade de expressão e privacidade Foto: Getty Images/I.Sanogo

Já passaram quase três meses desde que o Presidente da Zâmbia, Hakainde Hichilema, promulgou as Leis de Cibersegurança e Cibercrime de 2025.

Os apoiantes de Hichilema saúdam as leis, que consideram progressistas, e afirmam que estas irão ajudar a combater crimes digitais e a melhorar a segurança nacional.

Contudo, organizações de defesa dos direitos humanos defendem que estas leis, em especial a Lei de Cibercrime, são antidemocráticas e limitam a liberdade de expressão.

As leis permitem a interceção e vigilância de todas as comunicações eletrónicas, incluindo chamadas, e-mails, mensagens e conteúdos transmitidos em direto. A Agência de Cibersegurança da Zâmbia foi transferida de uma entidade estatal independente para o gabinete do Presidente.

Violar estas leis pode ter consequências significativas: a legislação permite a extradição de zambianos no estrangeiro e prevê sanções pesadas, desde multas a penas de prisão que podem variar entre dois e 25 anos, consoante a infração cometida.

Leis intrusivas

Mulambo Haimbe, ministro dos Negócios Estrangeiros e Cooperação Internacional da Zâmbia, afirmou que a legislação visa proteger os cidadãos no espaço digital e não limitar as liberdades fundamentais. "Essa perceção de que as leis cibernéticas existem para invadir, para aceder aos seus dados pessoais de forma aleatória não é correta", disse aos jornalistas numa conferência de imprensa em Lusaca.

"É preciso enquadrar esta questão devidamente, ao contrário das alegações de que a intenção do governo é intercetar todas as suas comunicações e invadir os seus dispositivos", acrescentou.

Oliver Shalala Sepiso, consultor de comunicação do partido no poder, o Partido Unido para o Desenvolvimento Nacional (UPND), também defendeu as novas leis cibernéticas da Zâmbia, afirmando que não se tratam de mecanismos de vigilância dos cidadãos, mas apenas de proteção digital e de dados.

As leis permitem a interceção e vigilância de todas as comunicações eletrónicas, incluindo chamadas, e-mails, mensagens e conteúdos transmitidos em diretoFoto: Reuters/A. Ufumeli

Apesar de supostamente visarem proteger os zambianos contra crimes digitais e roubo de identidade, e reforçar a segurança nacional, a promulgação das leis, a 8 de abril, passou praticamente despercebida.

A cobertura mediática foi tão escassa que a maioria dos cidadãos só soube das novas regras através de um alerta da embaixada dos Estados Unidos em Lusaca, que avisava os zambianos no estrangeiro sobre o carácter intrusivo da legislação.

"A legislação cibernética é necessária para combater crimes cibernéticos, que são muito comuns, como o roubo de identidade e as fraudes online", disse à DW Richard Mulonga, diretor executivo da organização Bloggers da Zâmbia."No entanto, há disposições com potencial para restringir a liberdade de expressão, incluindo o direito de reunião e associação, bem como outros direitos digitais mais amplos", acrescentou.

O presidente da Ordem dos Advogados da Zâmbia, Lungisani Zulu, afirmou que a sua organização irá contestar a nova lei em tribunal. "Várias disposições da Lei, que já está em vigor, violam os direitos e liberdades dos cidadãos, dificultam a liberdade de imprensa e têm o potencial de minar a democracia tão valorizada no nosso país", declarou Zulu.

Liberdade de expressão em risco

As novas leis substituem a Lei de Cibersegurança e Cibercrime de 2021, promulgada pelo antigo Presidente Edgar Lungu. Ao abrigo dessas leis, a polícia zambiana prendeu Mbewe Sibajene, em abril de 2024, por divulgar memes e vídeos satíricos que ridicularizavam funcionários e instituições do governo.

A polícia alegou que os memes eram abusivos, difamatórios e tinham como objetivo incitar a desordem pública contra instituições do Estado.

Entre as disposições mais controversas estão leis que criminalizam a chamada "informação falsa", definições vagas de conteúdo indecente e a ausência de proteção para jornalistas que abordem temas nacionais sensíveis.

O Instituto de Comunicação Social da África Austral (MISA), uma organização regional de monitorização dos media que opera em oito países africanos, afirma que a nova lei já teve um impacto negativo nos jornalistas.

Os jovens zambianos mais familiarizados com a tecnologia estão divididos em relação às novas leis cibernéticasFoto: Hideki Yoshihara/AFLO/IMAGO

"Os jornalistas vivem com medo, porque agora, ao trabalharem nas suas reportagens, sentem-se obrigados a fazer autocensura, pois não sabem qual será a reação ao que estão a produzir", disse à DW Kennedy Mbulo, vice-presidente da MISA Zâmbia. "Isto também tem impacto no jornalismo de investigação. Já não se pode gravar uma pessoa, porque um dia isso pode ser usado como prova", sublinha.

Os jovens zambianos mais familiarizados com a tecnologia estão divididos em relação às novas leis cibernéticas. Kellys Mushota, utilizador frequente de redes sociais e membro jovem do Congresso dos Sindicatos da Zâmbia, notou algumas mudanças no comportamento online:

"Desde que esta lei foi aprovada, notou-se uma redução no número de casos de assédio, ou mesmo na forma como os utilizadores interagem de forma agressiva nas redes sociais. No entanto, também se verificou uma menor disposição das pessoas para falarem livremente sobre questões como a governação e a política", afirmou à DW.

Já Joshua Seke, investigador de 22 anos, residente em Kitwe, diz que os jovens estão preocupados com a possibilidade de as suas conversas privadas serem intercetadas pelas autoridades. "Se olharmos para o que os jovens dizem online, significa que agora já não posso rir com a minha namorada nas redes? Será que o governo vai realmente ler tudo o que fazemos?", questionou.

Por outro lado, Mary Ndau, de 31 anos, residente em Lusaca, declarou à DW que a legislação poderá dissuadir abusos online. "As pessoas vão passar a agir corretamente online, já não vão exibir comportamentos impróprios ou fazer bullying a outros, porque saberão que podem ser responsabilizadas perante a lei", afirmou.

Hichilema: de crítico a implementador

Enquanto líder da oposição, o Presidente Hichilema criticou repetidamente as leis cibernéticas, descrevendo-as como instrumentos de vigilância governamental. No entanto, acabou por promulgar leis de cibersegurança ainda mais restritivas.

Edrine Wanyama, da organização CIPESA (Colaboração para a Política Internacional de TIC na África Oriental e Austral), sediada em Campala, afirmou que a legislação de cibersegurança não é exclusiva da Zâmbia. Países como a África do Sul, Zimbabué, Namíbia e Maláui também implementaram leis semelhantes.

"Os países tendem a copiar práticas de outros e aplicá-las internamente", explicou à DW. "É como um vírus que continua a espalhar-se pelo continente, e essas leis têm-se revelado eficazes para os governos controlarem asliberdades de expressão, acesso à informação, reunião e associação no espaço digital."

A Fundação para os Media da África Ocidental também denunciou o aumento de leis cibernéticas restritivas que violam a liberdade de expressão e privacidade em países como a Nigéria, Camarões, Costa do Marfim, Benim e Níger.

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