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Lições para o futuro: Varíola foi erradicada há 40 anos

Alexander Freund | ad
8 de maio de 2020

Foi necessária uma campanha de vacinação flexível - mas consistente - da OMS para conter e erradicar a varíola. Poderá esta história de sucesso ser um modelo na luta contra o novo coronavírus?

Foto: Getty Images

Foi uma das maiores conquistas da Organização Mundial de Saúde: a 8 de maio de 1980, a OMS declarou que o vírus da varíola tinha sido completamente erradicado. O vírus fez muitos milhões de vítimas em todo o mundo ao longo de vários séculos.

Só no século XX a varíola matou cerca de 300 milhões de pessoas. Mas, com um programa de vacinação mundial sem precedentes, a OMS conseguiu pôr fim ao vírus, que durante tanto tempo manteve a humanidade refém. 

Até então, uma infeção pela estirpe mais forte (havia duas estipes) do vírus da varíola, "Variola major", era muitas vezes uma sentença de morte, pois cerca de 60% dos doentes morriam. Mesmo os doentes que contraíam a estirpe menos agressiva, a "Variola minor", ficavam com sequelas para o resto das suas vidas.

Muitos pacientes perderam a visão ou a audição, outros ficaram paralisados. O corpo todo, incluindo o rosto, ficava coberto de cicatrizes deixadas pela pústula característica do vírus, cheia de fluidos.

Os programas de vacinação em massa nos países ricos e industrializados tinham funcionado bem para limitar a propagação da varíola. No entanto, esses programas funcionaram menos bem em nações mais pobres, como a Índia ou em países africanos, onde as infraestruturas de saúde eram fracas. Apesar das campanhas de vacinação, as epidemias localizadas de varíola continuavam a eclodir regularmente. E, a partir daí, propagavam-se frequentemente para áreas maiores.

Nova estratégia de vacinação

Em 1967, a OMS adotou uma abordagem mais flexível nos programas de vacinação. Como exemplifica a história da varíola, a nova estratégia foi tão bem sucedida que continua a ser o padrão seguido hoje em dia. Permitiu que a OMS reagisse e se adaptasse às condições locais.

Foi essa flexibilidade que fez com que o programa de vacinação contra a varíola funcionasse, mesmo nos cenários mais adversos, constatou o Dr. Donald Henderson, que dirigiu o programa global de erradicação da varíola da OMS entre 1966 e 1977.

"Nas décadas de 60 e 70, o programa foi confrontado com grandes inundações, fome, guerra civil, centenas de milhares de refugiados em várias partes de África e da Ásia, e não tínhamos telemóveis, e-mail, faxes, não tínhamos Facebook, Twitter. O telex era possível em algumas ocasiões, mas demasiado caro", disse Henderson, antes da sua morte em 2016.

"Penso que é um testemunho da habilidade e criatividade dos conselheiros internacionais de cerca de 70 países diferentes, bem como dos ministros e do pessoal do programa de saúde, que conseguiram ultrapassar todos estes desafios e alcançar o que tinha sido considerado de impossível."

Vacinas baratas, como a vacina contra a poliomielite, deveriam ser acessíveis a todosFoto: picture-alliance/dpa

A estratégia de vacinação não se ajustou apenas às condições locais. O pessoal responsável pela vacinação conseguiu atingir pacientes individuais nos seus ambientes específicos. Não era uma estratégia isenta de riscos: quanto mais os técnicos se aproximavam dos doentes infetados, maior era o risco de contágio. Mas era importante poder vacinar outras pessoas na rede social de um doente.

Tal como acontece com o atual coronavírus, a SARS-CoV-2, a varíola é classificada como uma "infeção por gotículas". É transmitida de humano para humano, por exemplo, através de tosse e espirros. Mas também pode ser transmitida através de partículas de poeira, sacudindo roupas ou lençóis de cama que tenham sido utilizados por uma pessoa infetada.

O que ajudou à erradicação

Alguns fatores ajudaram o ambicioso programa de erradicação da varíola.

Primeiro, a doença era facilmente diagnosticada. Devido às pústulas características, que se espalhavam pelo corpo inteiro dos pacientes, as infeções raramente foram negligenciadas. Não é o caso do novo coronavírus, pois algumas infeções podem ser assintomáticas.

Por outro lado, as infeções surgiam frequentemente em áreas que poderiam ser claramente contidas. Terceiro, a vacina era robusta e estável. Podia ser transportada e administrada nas regiões mais remotas. Por fim, a vacina dava às pessoas uma imunidade vitalícia.

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Assim que as infeções eram registadas, a OMS colocava rapidamente os técnicos na região específica, de forma a vacinar todas as pessoas nas proximidades da pessoa infetada.

A Dra. Margaret Chan, antiga diretora-geral da OMS, diz que se tratava de um enorme desafio logístico. 

"A liderança na OMS foi importante, mas um feito desta dimensão acabou por depender de dezenas de milhares de trabalhadores dedicados que, literalmente, cruzaram o mundo inteiro, em jipes, burros e barcos de pesca, a pé na selva e em viagens pelo deserto, desde tribos nómadas em zonas montanhosas remotas a habitantes no calor abrasador dos bairros de lata da Ásia", afirmou Chan.

Os técnicos da organização vacinaram não só as pessoas que tinham tido contacto com os doentes, como também as pessoas com quem essas pessoas tinham tido contacto. Utilizando este sistema, quase de bola de neve, as equipas conseguiram criar aquilo a que se chama "vacinação em anel", em torno da pessoa ou pessoas infetadas.

Foi um processo de eliminação, com a administração de cerca de 2,4 mil milhões de vacinações em todo o mundo. Custou 278 milhões de euros e o trabalho de 200.000 ajudantes.

Mas valeu a pena. A estratégia revelou-se muito eficaz. Desde o último caso registado em 1977, na Somália, não há registo de um regresso da varíola. 

Medo de ataques com armas biológicas

A vacina contra a varíola é, no entanto, conhecida por ter certos efeitos secundários, alguns deles bastante perigosos. Talvez por isso a vacinação obrigatória contra a varíola tenha sido suspensa em muitos locais, depois de o vírus ter sido considerado erradicado.

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Atualmente, existem apenas dois locais onde, oficialmente, são recolhidas amostras do vírus da varíola. Um deles é um laboratório de investigação russo chamado VECTOR, a sudeste de Novosibirsk, e o outro é um centro de investigação norte-americano, gerido pelo Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA, em Atlanta.

Mas é possível que outros estados estejam a armazenar, secretamente, amostras do vírus mortal.

Depois dos ataques terroristas de 2001 nos EUA, um potencial ataque com armas biológicas foi discutido em profundidade. Considerou-se que, sem a vacina outrora obrigatória, muitas pessoas não teriam qualquer proteção contra uma epidemia de varíola.

Essa é uma das razões pelas quais essas amostras, nos Estados Unidos da América e na Rússia, continuam armazenadas. Sem elas, seria impossível testar a eficácia de qualquer nova vacina.

Em resultado, muitas nações armazenaram doses da vacina contra a varíola. Os EUA, por exemplo, têm cerca de 100 milhões de doses. A Alemanha, Grã-Bretanha, Israel e a África do Sul também detêm grandes quantidades da vacina.

A OMS tem 64 milhões de doses da vacina. Mas mesmo isso não ajudaria a proteger toda uma população, se eclodisse uma epidemia grave num país em desenvolvimento. Uma nova epidemia de varíola não teria dificuldade em se alastrar rapidamente, de forma abrangente e em grande escala.

O sucesso como incentivo

A erradicação bem sucedida da varíola é um feito único na história da medicina. Mas é vista também com entusiasmo, como um incentivo à erradicação de outras doenças infeciosas.

Donald Henderson descreveu em tempos a erradicação da varíola como um marco histórico e "um dos feitos mais brilhantes da história da medicina". Mas disse também que "a erradicação da varíola não era o fim da mesma".

"Em 1974, a Assembleia [da OMS] concordou em pôr em marcha um programa alargado de imunização, cujo objetivo era assegurar que as crianças de todo o mundo fossem também protegidas contra o sarampo, a poliomielite, a difteria, a tosse convulsa e o tétano", disse Henderson. "A marca dos 80% foi atingida em 1990, e com isso, surgiu uma nova 'era' para a conquista da saúde pública através da vacinação".

No entanto, as expetativas em relação à OMS - nomeadamente, à luz da atual pandemia do novo coronavírus - aumentaram desde que Henderson pronunciou estas palavras.

A esperança é que a OMS possa adotar agora um papel semelhante para coordenar uma campanha internacional contra a SARS-CoV-2, para que uma vacina possa ser rapidamente desenvolvida e para que seja suficientemente acessível e possa ajudar toda a população mundial.

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