Investigação do Ministério Público a dois jornalistas e respetivos órgãos de comunicação continua a gerar críticas. Jurista diz estar-se perante "um ataque à liberdade de imprensa". Jornalistas pedem revisão da lei.
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Em poucos dias, dois jornalistas e respetivos órgãos de comunicação foram constituídos arguidos pelo Ministério Público em Cabo Verde.
Hermínio Silves e o jornal online "Santiago Magazine" foram os primeiros indiciados. São acusados de crime de desobediência qualificada por, alegadamente, terem violado o segredo de justiça, com a divulgação de uma notícia sobre o processo da morte de um cidadão, em 2014, que envolve o atual Ministro da Administração Interna, Paulo Rocha, na altura dirigente da Polícia Judiciária.
Seguiu-se o jornalista Daniel Almeida e o jornal "A Nação". Foram também constituídos arguidos, sem saberem os motivos. Mas, supõe-se que seja no âmbito do mesmo processo.
Jeremias Furtado, Presidente da Associação dos Jornalistas de Cabo Verde (AJOC), aponta o dedo ao Ministério Público, dizendo que constituir jornalistas e meios de comunicação arguidos é uma estratégia para silenciar a imprensa no país.
"Ficamos com medo, porque está-se aqui a abrir um precedente para, de agora em diante, calar todos os jornalistas e jornais que se enveredam para o jornalismo investigativo. Está-se a calar um jornalista e um órgão de comunicação social, o que é grave", diz Jeremias Furtado.
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Alteração da lei
Segundo o artigo 112 do Código do Processo Penal cabo-verdiano, os jornalistas não estão vinculados ao segredo de justiça. No entanto, o artigo 113 afirma que qualquer pessoa pode ser acusada de desobediência qualificada, incluindo jornalistas, se divulgar processos em segredo de justiça.
Uma contrariedade que a AJOC quer que seja resolvida com a alteração da lei.
À DW, o Presidente da associação afirma "que é hora de ir atrás do legislador para influenciar que haja uma mudança nas leis para fazer cair o artigo 113 do Código do Processo Penal".
Isso mesmo pediu também a direção da AJOC ao Presidente José Maria Neves, esta quarta-feira (02.02), em audiência.
Em declarações aos jornalistas, também na quarta-feira, o chefe de Estado disse que está a acompanhar os casos "com muita serenidade e muita tranquilidade", que foi o que pediu também aos jornalistas, aos órgãos de comunicação social e a todos os cabo-verdianos.
"Nós somos um Estado de Direto democrático, o interesse público e a liberdade de imprensa devem, em todas as circunstâncias, prevalecer", sustentou.
A Associação dos Jornalistas de Cabo Verde já denunciou aquilo que considera ser uma perseguição aos jornalistas a vários organismos internacionais e convocou, para esta sexta-feira (04.02), uma manifestação pacífica em prol da liberdade de imprensa no país.
No final de janeiro, em comunicado, o Comité de Proteção de Jornalistas pediu o fim da investigação a Hermínio Silves.
"Ataque à liberdade de imprensa"
Também em entrevista à DW, João Santos disse ver com preocupação a atuação do Ministério Público. O jurista considera estar-se perante "um ataque à liberdade de imprensa".
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"Se tivermos em linha de conta a forma como o Ministério Público tem chamado para se pronunciarem em processos já em curso, jornalistas que, ao que parece, não são parte desses mesmos processos, e que as informações que trouxeram a público são fruto do seu labor investigativo, então o jornalista não pode estar incurso no crime de segredo de violação de justiça".
Para João Santos, o Ministério Público deveria focar-se no processo criminal que precisa ser esclarecido, ao invés de apontar as baterias para os jornalistas. "O que estamos a discutir, essencialmente, aqui, em Cabo Verde, é a morte de um indivíduo que ocorreu em circunstâncias pouco claras. E é sobre essa morte que todos nós queremos saber, as circunstâncias em que ela ocorreu", constata.
Entretanto, numa entrevista ao Jornal da Noite da Televisão de Cabo Verde (TCV), na quarta-feira, o Procurador-Geral da República, Luís José Landim, disse que o foco do descontentamento que este caso está a gerar deveria ser orientado para quem faz as leis no país e não para o Ministério Público.
"O Ministério Público e as autoridades judiciárias apenas se limitam a interpretar e a aplicar a lei que existe", afirmou Luís Landim, indicando que há dois processos diferentes neste caso, sendo um sobre a violação do segredo de justiça, em que já há arguidos constituídos.
"O jornalista aqui é apenas indiciado pelo crime de desobediência qualificada, não de violação do segredo de justiça (...). O foco não pode ser o Ministério Público, mas sim quem faz a lei", insistiu.
As visões do império colonial português
Exposição em Lisboa revela as facetas do colonialismo português com imagens que poderão ser vistas pelo público ao longo de 2021. Muitas fotos foram cuidadosamente recuperadas. Algumas estavam esquecidas e danificadas.
Foto: AHU/EGEAC
Padrão dos descobrimentos
No Padrão dos Descobrimentos, situado em Belém, à margem direita do rio Tejo, está aberta ao público uma exposição inédita, que reúne um conjunto de imagens fotográficas a retratarem momentos diversos da história colonial portuguesa nos territórios outrora dominados por Portugal. Entre elas, estão expostas imagens que também serviram para denunciar a iniquidade e a violência da colonização.
Foto: Joao Carlos/DW
Imagens que passaram de mão em mão
Esta fotografia do Sebastião Langa, feita em Lourenço Marques, Moçambique [1962, Centro de Documentação e Formação Fotográfica], abre a mostra. Na composição da exposição é possível encontrar imagens que passam de mão em mão, oficial ou clandestinamente. Muitas fotos foram esquecidas ou até mesmo destruídas. São imagens que documentam sonhos e memórias individuais e coletivas.
Foto: José Frade/EGEAC
A visão do outro diferente
A exposição pode ser visitada ao longo de 2021. Os curadores Joana Pontes e Miguel Bandeira Jerónimo [ao centro] consideram que as imagens contribuíram para uma visão do "outro" como essencialmente diferente nos seus modos de vida, costumes e mentalidade, concorrendo para estabelecer leis e práticas de discriminação política, social, económica e cultural, desenhadas ao longo de linhas raciais.
Foto: José Frade/EGEAC
Legitimar o domínio colonial
Para o Estado imperial, a “ocupação científica” das colónias foi um desígnio importante. O trabalho de campo e o alegado progresso científico ajudaram a legitimar o domínio português sobre terras e gentes dos territórios africanos reclamados por Portugal, nomeadamente em África.
Foto: IICT-MAEG Archiv
Interagir com usos e costumes
Para governar populações muito diversas, o regime colonial considerou necessário alargar o conhecimento sobre as suas "tradições, usos e costumes”, bem como as suas formas de organização e interação social. Sem esse conhecimento, de acordo com os curadores, a recolha de impostos, a obtenção de mão de obra ou a exploração das matérias-primas coloniais seriam impossíveis.
Foto: Joao Carlos/DW
Poder, ordem, lealdade e obediência
A foto documenta a viagem do ministro das Colónias à Guiné, em 1935. A imagem do Arquivo Histórico Ultramarino traduz a "projeção da autoridade e da soberania, por vezes laboriosamente encenada". Naquele contexto, a imagem foi decisiva porque contribuiu para estimular visões de poder e ordem, lealdade e obediência, além das ideias de alegada "civilização" e "progresso".
Foto: AHU/EGEAC
"Levar os indígenas a trabalhar"
Para o regime colonial português, a dificuldade era levar os indígenas a trabalhar. As autoridades portuguesas sabiam que "sem os braços africanos, a criação de novos Brasis em África era impossível". A mão de obra africana foi decisiva nas missões alegadamente "científicas”, assim como na construção de infraestruturas, na extração das matérias-primas e nas plantações.
Foto: Joao Carlos/DW
Escravatura no império colonial
A escravatura está bem documentada com imagens de trabalho forçado nas roças de cacau em São Tomé e Príncipe, onde também foi usada mão de obra infantil. A abolição do tráfico de escravos e da escravatura no império português, no século XIX, não conduziu ao fim de formas de trabalho coercivas e de condições laborais desumanas.
Foto: Joao Carlos/DW
Educar e evangelizar
Desde muito cedo, a educação e a evangelização foram proclamadas por governantes, autoridades religiosas e educativas como objetivos da chamada "missão civilizadora". A sua concretização, contudo, esteve longe de corresponder à retórica imperial, como referem no seu texto Miguel Jerónimo e José Pedro Monteiro.
Foto: Joao Carlos/DW
A batalha do desenvolvimento
A promessa de progresso e elevação material esteve intrinsecamente ligada à expansão portuguesa em África. O chamado "fomento colonial" foi sobretudo encarado como crescimento económico. Mas, a "batalha do desenvolvimento", que incluiu o uso sistemático da fotografia, foi um fator importante na resistência aos "ventos da mudança". Assim referem os organizadores da exposição.
Foto: Joao Carlos/DW
Pôr fim à guerra colonial
Portugal envolveu-se num conflito colonial em três territórios africanos a partir de 1961-1964. Foi necessário que o Movimento das Forças Armadas, em 25 de abril de 1974, tomasse o poder para que Portugal abrisse negociações com os movimentos de libertação, pondo fim à guerra para concretizar as aspirações dos povos colonizados.
Foto: Joao Carlos/DW
Visões da independência
A fotografia, de acordo com os curadores, não deixou de desempenhar um papel importante na documentação da emancipação política associada à descolonização. Esta imagem, por exemplo, mostra colonos portugueses no porto de Lourenço Marques, despachando os seus haveres para Portugal, na sequência da independência, em junho de 1975.
Foto: Joao Carlos/DW
Novas nações
Com significados e usos diversos, as imagens da parte final da exposição, forjadas nas lutas anticoloniais, marcaram o período da descolonização e continuam a condicionar as memórias do passado colonial. A descolonização abriu portas às independências. Os países que lutaram pela conquista da soberania e da autodeterminação aspiraram erguer novas nações, como representa esta instalação mista.