De 2016 a 2017, casos de violação da liberdade de imprensa e de expressão em Moçambique aumentaram 80%, segundo o MISA-Moçambique. Este quadro deve-se "à conjuntura político-militar que o país está a viver".
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O Instituto para a Comunicação Social da África Austral (MISA) e jornalistas moçambicanos não têm dúvidas: a liberdade de imprensa e expressão regrediu no país.
O diretor executivo do MISA-Moçambique, Ernesto Nhanale, contabiliza 21 casos de violação da liberdade de imprensa no ano passado, destacando ameaças, agressões e processos-crime.
Entre 2016 e 2017, os casos de ameaça aos profissionais de comunicação social subiram 80%. Para Nhanale, este aumento tem a ver com o contexto político do país.
"Sobretudo, a questão do conflito militar que tem vindo a agudizar-se e não só. Assistimos a outro tipo de ameaças como o uso de processos contra jornalistas para tentar silenciá-los e, ultimamente, também assistimos a agressões físicas", explica.
Respeito pelo trabalho dos jornalistas
Preocupante estado da liberdade de imprensa em Moçambique
Segundo o MISA-Moçambique, os políticos são os que mais ameaçam os jornalistas. Por isso, Ernesto Nhanale faz-lhes um pedido.
"Não pode haver atividade política sem haver liberdade de expressão. Devem respeitar o trabalho dos jornalistas - a liberdade de imprensa, como uma extensão do seu trabalho. Portanto, tem de se respeitar o trabalho dos jornalistas."
Também jornalistas de diferentes órgãos contactados pela DW África lamentam o facto de a liberdade de imprensa e de expressão em Moçambique estar a regredir.
O repórter Argunaldo Nhampossa, do semanário Savana, afirma que o país estava no bom caminho, mas, de repente, regrediu.
"Acompanhámos no ano passado os jornalistas do Magazine Independente [publicação semanal em Maputo] que foram torturados e viram confiscados os seus meios de trabalho. Alguns jornalistas que gravam as entrevistas com o Presidente da República são ameaçados porque não podem gravar com telemóveis."
Falta de contactos entre Presidente e jornalistas
Nhampossa lamenta que o Presidente da República, Filipe Nyusi, não tenha mais contacto com os jornalistas. No dia 18 de abril, Nyusi não quis receber um grupo de jornalistas que pretendia falar dos problemas da classe."Desde que tomou posse, não me recordo de o Presidente ter falado numa espécie de uma conferência de imprensa, a menos que sejam visitas presidenciais em que, no fim, faz um balanço especificamente sobre o evento."
O rapto e agressão, a 27 de março, do jornalista e comentadorEricino de Salemae a agressão, a 18 de abril, do repórter de imagem da televisão privada STV Hélder Matwassa são os destaques deste ano para o jornalista Ilódio Bata, do MediaFax.
"É um rude golpe à liberdade de expressão e quiçá de imprensa porque estamos a falar de um jurista, ativista social e jornalista que não fez mais nada do que emitir a sua opinião sobre aspetos que marcam a realidade do país e não só".
Sociedade civil deve reagir
A violação da liberdade de imprensa não pára por aqui. Em Nampula, durante as autárquicas, a Rádio Encontro sofreu uma interferência na sua frequência quando noticiava sobre as eleições.Joaquim Manhiça, da estação radiofónica KFM, lamenta a falta de reação da sociedade civil, que se limita a emitir comunicados para repudiar este e outros casos. "Eles precisam fazer muito mais do que palavras, discursos e comunicados. Temos um problema no país. A sociedade civil manifesta-se sempre quando surge uma situação."
Para o Centro de Integridade Pública (CIP), Moçambique estava a registar avanços desde 1990, mas, agora, isso mudou, diz Jorge Matineda, membro desta organização não-governamental.
"Os espaços começam a fechar-se. Isto pode ser um sinal de que dentro da cultura democrática, das instituições que deviam promover a democracia, não está a acontecer essa mudança que se pretende."
Moçambique: Assassinato de figuras incómodas é uma moda que veio para ficar
O preço de fazer valer a verdade, justiça, conhecimento ou até posições diferentes costuma ser a vida em Moçambique. A RENAMO é prova disso, no pico da tensão com o Governo da FRELIMO perdeu dezenas de membros.
Foto: BilderBox
Mahamudo Amurane: Silenciada uma voz contra corrupção e má governação
O edil da cidade de Nampula foi morto a tiros no dia 4 de outubro de 2017. Insurgia-se contra a má gestão da coisa pública e corrupção no seu Município. Foi eleito para o cargo de edil através do partido MDM. Embora mais de sessenta pessoas já estejam a ser ouvidas pela justiça não se conhecem os autores do crime.
Foto: DW/Nelson Carvalho Miguel
Jeremias Pondeca: Uma voz forte nas negociações de paz que foi emudecida
Foi alvejado mortalmente a tiro por homens desconhecidos no dia 8 de setembro de 2016 em Maputo quando fazia os seus exercícios matinais. O assassinato aconteceu numa altura delicada das negociações de paz. Pondeca era membro da Comissão Mista do diálogo de paz, membro do Conselho de Estado, membro sénior da RENAMO e antigo parlamentar. Até hoje a polícia não encontrou os autores do crime.
Foto: DW/L. Matias
Manuel Bissopo: O homem da RENAMO que escapou por um triz
No dia 4 de janeiro de 2016 foi baleado depois de uma conferência de imprensa do seu partido na Beira. Bissopo tinha acabado de denunciar alegados raptos e assassinatos de membros do seu partido e preparava-se para se deslocar para uma reunião da força de oposição quando foi baleado. A polícia moçambicana até hoje não encontrou os atiradores.
Foto: Nelson Carvalho
José Manuel: Uma das caras da ala militar da RENAMO que se apagou
Em abril de 2016 este membro do Conselho Nacional de Defesa e Segurança em representação da RENAMO e membro da ala militar do principal partido da oposição foi morto a tiro por desconhecidos à saída do aeroporto internacional da Beira. A questão militar é um dos pontos sensíveis nas negociações de paz. Os assassinos continuam a monte.
Foto: DW/J. Beck
Marcelino Vilanculos: Assassinado quando investigava raptos
Era procurador foi baleado no dia 11 de abril de 2016 à entrada da sua casa, na Matola. Marcelino Vilanculos investigava casos de rapto de empresários que agitavam o país na altura. O julgamento deste assassinato começou em outubro de 2017.
Foto: picture-alliance/Ulrich Baumgarten
Gilles Cistac: A morte foi preço pelo conhecimento divulgado?
O especialista em assuntos constitucionais de Moçambique foi baleado por desconhecidos no dia 3 de março de 2015 na capital Maputo. O assassinato aconteceu após uma declaração que fortaleceu a posição da RENAMO de gestão autónoma na sua querela com o Governo da FRELIMO. Volvidos mais de dois anos a sua morte continua por esclarecer.
Foto: A Verdade
Dinis Silica: Assassinado em circunstâncias estranhas
O juiz Dinis Silica também foi morto a tiro por desconhecidos, em 2014, em plena luz do dia, quando conduzia o seu carro na capital moçambicana. Na altura transportava uma avultada quantia de dinheiro, cuja proveniência é desconhecida. O juiz da Secção Criminal do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo investigava igualmente casos de raptos. Os assassinos continuam a monte.
Foto: picture-alliance/dpa/U. Deck
Siba Siba Macuacua: Uma morte brutal em nome da verdade
O economista do Banco de Moçambique foi atirado de um dos andares do prédio sede do Banco Austral no dia 11 de agosto de 2001. Na altura investigava um caso de corrupção na gestão do Banco Austral. Siba Siba trabalhava na recuperação da dívida de milhões de meticais, resultante da má gestão do banco. Embora tenha sido aberta uma investigação sobre esta morte ainda não há esclarecimentos até hoje.
Foto: DW/M. Sampaio
Carlos Cardoso: O começo da onda de assassinatos
Considerado o símbolo do jornalismo investigativo em Moçambique, Carlos Cardoso foi assassinado a tiros a 22 de novembro de 2000. Na altura investigava a maior fraude bancária de Moçambique. O seu assassinato foi interpretado como um aviso claro aos jornalistas moçambicanos para que não interferissem nos interesses dos poderosos. Devido a pressões internacionais o caso chegou a justiça.