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Liberdade de imprensa em perigo na Guiné-Bissau?

Braima Darame ( Bissau) / LUSA8 de dezembro de 2015

Sociedade civil guineense considera ser um grave atentado à liberdade de imprensa a decisão do Procurador-Geral da República de suspender o programa radiofónico de debate “Cartas na Mesa”.

Radio Nacional da Guiné-BissauFoto: DW/B. Darame

O Procurador-Geral da República (PGR) da Guiné-Bissau, António Sedja Mam, ordenou na passada sexta-feira (04.12) a suspensão de um programa de debate da Rádio Difusão Nacional (RDN), justificando a decisão com a "situação político-social" no país, sem, contudo, entrar em detalhe.

O ofício com a ordem de suspensão acabou por ser divulgado no programa "Cartas na Mesa", que se manteve no ar, como habitualmente, aos sábados de manhã.

RDN não cumpriu decisão

A suspensão do programa não só não foi cumprida pelo órgão estatal de radiodifusão, como também está a gerar uma onda de críticas e protestos por parte dos principais setores da comunicação social guineense.Se há cerca de três semanas havia vozes que criticavam a nomeação de António Sedja Man para o cargo de PGR, hoje há um coro generalizado contra a sua decisão que vários jornalistas em Bissau classificam como um grave atentado à liberdade de imprensa no país.

Seni Camará e Malam Fati são dois jornalistas da imprensa escrita guineense com opiniões diferentes sobre a decisão de suspender o programa da RDN.

"Cartas na Mesa utiliza uma linguagem que, para mim, não é a mais adequada para o momento que o país está a viver", afirma Camará. Fati contrapõe, dizendo que se trata de "um programa muito bom com análises muito claras sobre a situação no país. Não há motivo para a suspensão de um programa daquele tipo".

Em declarações aos jornalistas, o presidente do Sindicato dos Jornalistas, SINJOTEC, Mamadu Candé, convidou o Procurador a voltar atrás na sua decisão. "É uma medida condenável, que não faz parte da democracia. O senhor PGR deve saber que já não estamos no tempo da ditadura. Até os loucos sabem que estamos na era da democracia", afirmou Candé.

Antena da Rádio Bombolom FM - Bissau (parceira da DW)Foto: DW/Johannes Beck

O presidente do SINJOTEC lembrou ainda ao PGR que as pessoas têm o direito de se expressarem de forma livre e pediu a António Sedja Mam que volte atrás com a sua medida, que diz estar a "manchar, mais uma vez, a imagem do país".

"Uma pessoa que se diz do Direito e das leis não se devia portar dessa forma", notou o líder dos jornalistas guineenses, que ameaça levar a classe a tomar uma posição "mais dura" perante uma decisão que, afirma, quer fazer a Guiné-Bissau "voltar aos tempos antigos, tempos da ditadura".

"Procurador agiu fora da lei"

Por seu lado, o juiz Ladislau Embassa, presidente do Conselho Nacional de Comunicação Social (CNCS) da Guiné-Bissau, órgão com poderes de regulação, entende que o Procurador agiu fora da lei. Embassa aconselha a estação a não acatar a ordem do PGR, António Sedja Mam, que considera ilegal.

"Não há nenhum processo criminal em curso no Ministério Público contra a Rádio Nacional que deve continuar a fazer o seu trabalho dentro do espírito da observância da legalidade e do pluralismo", declarou Ladislau Embassa.O PGR teria eventualmente poderes de mandar cercear a liberdade de expressão em caso de o país estar em estado de sítio ou de emergência, notou ainda Embassa, lembrando que a Guiné-Bissau "vive na perfeita normalidade democrática".

"Num Estado de Direito só se pode cumprir, acatar uma ordem, quando é válida", disse o presidente do Conselho Nacional da Comunicação Social, salientando que a liberdade de expressão e de imprensa são "conquistas irreversíveis" para o povo da Guiné-Bissau.

"Sou defensor da liberdade de imprensa" diz PGR

Também a Liga Guineense dos Direitos Humanos já condenou a intenção do PGR de mandar suspender o programa. Para a Liga, a liberdade de imprensa, "enquanto corolário da liberdade de expressão, é um instrumento fundamental na formação do pensamento e na construção de uma sociedade baseada no pluralismo de ideias" que não pode ser limitada.

Confrontado com a situação, o PGR referiu que deve haver "equilíbrio social" nos órgãos de comunicação social, tendo, por outro lado, acrescentado que é um defensor da liberdade de imprensa. "Todos somos pela liberdade de imprensa, da comunicação social", referiu António Sedja Mam.

"Isso de violação [da liberdade da comunicação social], nunca pugnaremos por esse caminho. Mas pugnamos pelo caminho do equilíbrio social", referiu, sem acrescentar mais detalhes.

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Programa vai continuar a ser emitido

Já esta terça-feira (08.12), o diretor da Rádio Difusão Nacional, Muniro Conté, anunciou que o programa de debate semanal Cartas na Mesa vai continuar a ser emitido.

"Ficámos todos esclarecidos, todos conversados, como se costuma dizer, e o programa vai continuar normalmente", referiu à saída de um encontro em Bissau com o Procurador-Geral da República.

Muniro Conté e outros membros da direção da RDN estiveram hoje reunidos com o PGR durante cerca de hora e meia. O diretor da RDN disse ter prestado esclarecimentos sobre a linha editorial da rádio e o conteúdo programático do programa de debate Cartas da Mesa.

De acordo com Muniro Conté, o PGR entendia que o debate em causa poderia fazer "perigar alguns valores éticos e morais", que não especificou. Sedja Mam terá referido também, de acordo com Muniro Conté, que a RDN "não prima pela imparcialidade nalgumas matérias".

"Com os esclarecimentos que nós demos durante essa conversa, ele ficou minimamente esclarecido sobre o que nos orienta para uma comunicação social ao serviço do público", disse o diretor da RDN. Muniro Conté disse ter evocado a Constituição da República e a lei da liberdade de imprensa para justificar a atuação da emissora estatal, tanto na sua componente informação, como de programação.

Conté predispôs-se a prestar, sempre que necessário, esclarecimentos à Procuradoria sobre o funcionamento da rádio estatal guineense. O responsável disse não ter sentido qualquer pressão e sublinhou que a conversa decorreu de forma tranquila com o PGR e os seus colaboradores. O PGR não prestou esclarecimentos adicionais no final do encontro.

Praça Titina Silá, em Bissau, a primeira praça com acesso livre à internet da capital guineenseFoto: B. Darame
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