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Cultura

Lisboa finalmente terá Memorial da Escravatura

9 de julho de 2019

Projeto surgiu de uma proposta da Associação de Afrodescendentes (Djass). Monumento simbólico vai valorizar a memória das pessoas escravizadas e apresentar uma contranarrativa à chamada "era dos descobrimentos".

Monumento será erguido no Largo José SaramagoFoto: DW/J. Carlos

Depois de um aceso debate e polémica, Portugal vai ter finalmente um Memorial da Escravatura, a ser erguido numa das praças mais emblemáticas da capital portuguesa. O Memorial da Escravatura, que ficará decididamente implantado no Largo José Saramago, perto do Campo das Cebolas, deverá ser inaugurado no primeiro ou segundo semestre de 2020.

"Na verdade, do ponto de vista simbólico, foi ali que existiu o Mercado de Escravos. De facto, faz todo o sentido que seja naquela zona", afirmou à DW África Catarina Vaz Pinto, vereadora de Cultura da Câmara Municipal de Lisboa.

Lisboa terá um Memorial da Escravatura

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O projeto inclui um Centro Interpretativo, que nascerá da recuperação de um edifício camarário existente no local. "Com o memorial, propõe-se que seja uma peça mais simbólica e o Centro de Interpretação, um espaço mais explicativo, interpretativo, que possa também contar a história que num objeto simbólico não é possível fazer", acrescenta a vereadora.

A proposta inicial apresentada pela Associação dos Afrodescendentes (Djass), dirigida por Beatriz Gomes Dias, abrangia três dimensões essenciais. "A dimensão principal é prestar homenagem às pessoas que foram escravizadas por Portugal, potenciando também o reconhecimento do papel que Portugal teve no comércio de pessoas escravizadas", diz a diretora da Djass.

O projeto visava também fazer uma leitura sobre o que foi a resistência à escravidão, assim como mostrar a relação entre esse período histórico e o racismo contemporâneo. Ao longo do tempo, a proposta foi ganhando outros contornos com o debate que suscitou a ideia de construção de um Museu das Descobertas.

Amplo debate

Desde o início, o projeto suscitou interesse e um amplo debate, lembra Beatriz Dias, sobretudo dos afrodescendentes que fizeram questão de refletir sobre a sua história e do país onde nasceram. "Nós propusemos o memorial e quando o fizemos o debate em relação ao mudeu não estava tão amplificado como depois veio a ficar. O que nós achamos é que o facto desta proposta ter sido uma das vencedoras e inscrever-se precisamente numa contranarrativa que se opõe a esta narrativa glorificadora do passado imperial português despertou ou desencadeou reações que acabaram por se configurar numa defesa acérrima da construção de um Museu das Descobertas", sublinhou.

Beatriz Gomes Dias, diretora da Associação DjassFoto: DW/J. Carlos

Um grupo consultivo apoiou a associação na conceção dos termos de referência entregues aos artistas que estão a criar o memorial, tomando em conta a importância desta zona ribeirinha entre o Campo das Cebolas e o Cais do Sodré, onde tinha lugar o comércio de escravos.

"Para nós, o memorial tem estas duas vertentes: a peça em si que deve ser uma peça não-figurativa e também tem que ser num espaço bastante amplo que permita a reunião e a celebração, que seja um sítio valorizado, um sítio de privilégio, também para poder passar uma mensagem aos jovens afrodescendentes da sua pertença à cidade", afirmou.

Negação do passado histórico

Na opinião de Beatriz Dias, ainda há uma negação de alguns aspetos do passado histórico e a glorificação de outros. Entretanto, para contrariar um certo silenciamento das memórias, Portugal vai assumindo a escravatura, com o tempo, como um dos capítulos negros da era dos "descobrimentos".

Catarina Vaz Pinto diz que a sociedade portuguesa já está agora mais preparada para reconhecer esse passado. "À semelhança do que tem feito todos os outros países que tiveram um passado colonial, neste momento, a sociedade portuguesa já está a discutir estas questões desse legado histórico. Como se calhar é um bocadinho em tudo, nós estamos um bocadinho atrasados. Também a nossa descolonização foi mais tarde que a dos outros países", diz.

A proposta do memorial, apresentada pela Djass, foi escolhida por votação em 2017. Inicialmente, previa-se erguer o monumento na Ribeira das Naus, perto do Cais do Sodré. Levou algum tempo até se tomar uma decisão na sequência de conversações com os proponentes. São 150 mil euros para a peça escultórica do monumento, estando ainda por definir o orçamento para a recuperação do Centro de Interpretação.

Para Catarina Vaz Pinto, colocar este memorial no centro de Lisboa é uma forma de reconhecida homenagem ao "grupo de pessoas que também construiu a história da cidade e do país".

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