Lisboa surpresa com o fim da parceria estratégica entre Angola e Portugal
16 de outubro de 2013 "Angola tem relações estáveis com quase todos os países do mundo e a confiança dos seus parceiros está a crescer. Só com Portugal, lamentavelmente, as coisas não estão bem. Têm surgido incompreensões ao nível da cúpula e o clima político atual reinante nessa relação não aconselha à construção da parceria estratégica antes anunciada". Estas foram as palavras do Presidente da República de Angola, José Eduardo dos Santos, num discurso de cerca de 45 minutos sobre o estado da Nação proferido em Luanda, no dia 15 de outubro.
Num tom crítico, José Eduardo dos Santos acusou os países ocidentais de intimidarem as elites africanas.
"Neste processo de luta contra a corrupção, há uma confusão deliberada feita por organizações de países ocidentais para intimidar os africanos que pretendem constituir ativos e ter acesso à riqueza porque, de um modo geral, cria-se a imagem de que o homem africano rico é corrupto ou suspeito de corrupção", reitera dos Santos.
O chefe de Estado acrescentou ainda que outras nações estão a tirar proveitos da riqueza angolana. "Um simples levantamento dos resultados das empresas americanas, inglesas e francesas no setor dos petróleos e das empresas e bancos comerciais com interesses portugueses em Angola mostrará que eles levam de Angola, todos os anos, dezenas de bilhões de dólares", afirmou. "Porque é que eles podem ter empresas privadas dessa dimensão e os angolanos não?", questionou o Presidente angolano.
Portugal surpreso
Após este discurso, as reações em Portugal multiplicaram-se. Lisboa recebeu com surpresa as palavras do Presidente José Eduardo dos Santos, que anunciou a suspensão da parceria estratégica entre Angola e Portugal. O gabinete do primeiro-ministro português emitiu de imediato um comunicado. O executivo de Lisboa disse que sempre defendeu e praticou uma consistente atividade no estreitamento das relações diplomáticas entre os dois países.
Embora preocupados com este clima de tensão, os partidos que sustentam o Governo no Parlamento evitam alimentar ainda mais as divergências entre Luanda e Lisboa. Luís Montenegro, líder da bancada parlamentar social-democrata, afirma que o desejo do partido é que "todas as relações estabelecidas do ponto de vista económico e cultural com Angola e com o povo angolano sejam normais, carregadas de dinamismo de parte a parte".
Por seu lado, Nuno Magalhães, líder da bancada parlamentar do CDS-Partido Popular, fala de prudência e defende a restauração das relações entre os dois Estados. "Talvez agora se perceba melhor porque é que o CDS sempre teve uma postura de não praticar qualquer ato que pudesse prejudicar os 150 mil portugueses que trabalham e vivem em Angola ou as 10 mil empresas que exportam para Angola". Nuno Magalhães diz que se Portugal não ocupar um espaço privilegiado nas relações com Angola "outros países estão à espera para o fazer".
Oposição pede demissão de Machete
No seio da oposição, as opiniões divergem-se. Os comunistas e o Partido Ecologista “Os Verdes” mostram-se igualmente prudentes por considerarem importantes as relações com Angola. O Bloco de Esquerda, pela voz de Pedro Filipe Soares, afirma que Portugal não se deu ao respeito como Estado de Direito democrático e, por isso, insiste na demissão de Rui Machete.
"O Governo dizia que queria manter o ministro Rui Machete devido às relações com Angola... agora não tem mais nenhuma argumentação para manter este ministro", reitera Soares.
Antes do discurso do Presidente angolano, houve outro episódio que evidenciou o clima de tensão entre Angola e Portugal. O ministro português dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete, tinha pedido desculpas a Angola por causa da investigação levada a cabo pelo Ministério Público português a altas figuras influentes da elite angolana.
Mais tarde, Rui Machete reconheceu o erro por ter pedido desculpas e disse no Parlamento em Lisboa que "procurando minimizar essas repercussões negativas entre os dois Estados, no exercício das minhas funções de ministro de Estado e ministro dos Negócios Estrangeiros, lamentei aquele facto, não me custando admitir hoje que terei agido de forma menos feliz".
Na mesma altura, o líder do principal partido da oposição, o socialista António José Seguro, imputava ao Presidente da República, Cavaco Silva, a última palavra em relação à polémica suscitada pelo chefe da diplomacia portuguesa. "Eu faço um apelo ao Presidente da República para que não fique de braços cruzados e para que exija ao primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, a demissão do ministro dos Negócios Estrangeiros".
Mais espaço para diplomacia
Sobre este clima de tensão e em jeito de análise, o economista e professor do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), João Cantiga Esteves diz que, antes, é preciso perceber melhor esta posição de Luanda ao questionar a parceria estratégica entre Angola e Portugal. "Julgo que mesmo em termos diplomáticos existem canais que devem ser utilizados e seguramente que estes assuntos devem, em primeira linha, ser discutidos com tranquilidade e nos gabinetes, dando espaço à diplomacia".
Por outro lado, Esteves acrescenta que "se efetivamente houver algum revés na parceira estratégica que Portugal tem com Angola e Angola tem com Portugal obviamente que isso cria algumas dificuldades". Relembra que nos últimos anos o circuito de investimento foi feito de parte a parte e que esta relação se tem mostrado muito importante "para ambas as partes, mas, nomeadamente, para Portugal, face à dificuldade que o país atravessa".
Para o economista é necessário esclarecer os factos e minimizar os danos que possam advir deste mal-estar nas relações oficiais bilaterais.