Nomes próprios de origem bantu têm em Angola muitos significados relacionados com a natureza ou os espíritos. Livro do escritor Aristóteles Kandimba compila nomes tradicionais de quase 20 idiomas diferentes do país.
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"Hosi" significa "leão", símbolo de força e de poder. "Vyiemba" está relacionado com a medicina, assim como "Ndunduma" tem a ver com trovoada. "Ombela" é o mesmo que "chuva". "Kandimba" significa coelho ou lebre, e simboliza a astúcia, a inteligência.
Já "Tchinendele" é aquele que esmaga o branco no pilão. Mas ninguém melhor que o escritor e produtor cultural Aristóteles Kandimba para explicar o simbolismo desta palavra, relacionada com a luta contra o colonialismo.
"Houve um rei, Tchinendele, é o alcunha dele, que significa bravura, o poder desse rei, e reflete o que estava a acontecer no momento. O branco, nesse sentido, é o inimigo dele, significando o poder colonial. Nós temos, por exemplo, pessoas com nomes de árvores, de plantas, de folhas, de raízes, que têm muito a ver com a questão medicinal", explica.
Livro desvenda os mistérios e as modas dos nomes de Angola
O escritor de origem angolana, nascido em Portugal, tem outros exemplos de nomes tradicionais bantu, um dos maiores ramos linguísticos africanos. "Há pessoas chamadas 'Chuva' por terem nascido num dia chuvoso. Trovoada é alcunha de bravura. E 'Ndunduma' significa trovoada; é o nome de um antigo rei que foi preso e enviado para São Tomé", acrescenta.
No que toca ao sentimento e à afetividade, ou à relação entre os pais, existem palavras como "Tudizola", que quer dizer "vamos nos amar" pelo bem-estar da família. As crianças que nasciam num lugar novo ou temporário, por exemplo durante uma viagem, recebiam o nome de "Tchilombo", que significa "acampamento".
Há vários conceitos que fazem parte do sistema de nomeação. Por essa via, o escritor desvenda a história e a identidade da sua família através dos nomes. "Por exemplo, eu tenho avós e bisavós que se chamavam 'Chilonga', que significa educadora, pessoa que transmite conhecimento. Tinha um que se chamava 'Satchingongue', que é o dono do caracol; exatamente por que não sabemos. Só quem deu o nome é que sabe. Tem outro que significa que a vida é importante, essencial ou sagrada – 'Chicolomuenho' – da parte da minha mãe. E isso foi-me encantando", conta o escritor.
Ampla pesquisa
Estas são algumas das cerca de duas mil palavras usadas por várias etnias angolanas, agora impressas na obra O Livro dos Nomes de Angola. É o fruto de uma ampla pesquisa iniciada pelo autor em 2011 em Amesterdão, na Holanda, à volta das línguas tradicionais bantu, entre as quais o kimbundu, o kikongo e o owambo. O livro traz uma compilação de nomes tradicionais de quase 20 idiomas diferentes de Angola.
Nos últimos anos, após a independência de Angola, registaram-se mudanças culturais na escolha dos nomes próprios por força da relação, por exemplo, com a Rússia ou o Brasil. Neste último caso, por influência das telenovelas brasileiras.
"Eu não diria que está a desaparecer, mas há realmente influências de novelas e outras coisas mais. Toda a gente quer nomes americanos. Eu acho ridículo, mas é uma verdade. Na nossa sociedade, houve um tempo durante o comunismo em que as pessoas tinham nomes soviéticos ou russos. Hoje em dia, há pessoas da minha idade que se chamam Vladmir e outras coisas mais, porque os pais estudaram na Rússia. Nós ainda sofremos com a questão colonial de rejeitarmos a nossa cultura, mas o nome faz parte da nossa identidade", sublinha.
O Livro dos Nomes de Angola, a ser lançado entre agosto e setembro em edição conjunta da Alende-Edições (Angola) e Perfil Criativo - Edições (Portugal), é prefaciado pelo músico angolano Bonga Kwenda, que deu um contributo culturalmente valioso para o enriquecimento da pesquisa.
Cinemas únicos em Angola
São obras únicas vistas pela lente do fotógrafo angolano Walter Fernandes - cinemas e cine-esplanadas desconhecidos de muitos. As fotos foram reunidas em livro e estão em exposição em Lisboa, a partir desta semana.
Foto: Walter Fernandes/Goethe-Institut Angola
"Uma ficção da liberdade"
O Cine Estúdio do Namibe inspira-se nas obras do arquiteto Oscar Niemeyer. É um dos edifícios únicos de Angola destacados no livro "Angola Cinemas - Uma Ficção da Liberdade" e fotografados por Walter Fernandes. Esta é uma das imagens em exposição no Goethe-Institut de Lisboa que revelam uma arquitetura desconhecida por muitos de cinemas construídos antes do fim do domínio colonial português.
Foto: Walter Fernandes/Goethe-Institut Angola
Património mal preservado
O Cine Tômbwa, também no Namibe, obedece a uma lógica de salas fechadas, mas já apresentava algumas linhas mais modernas. Segundo o fotógrafo Walter Fernandes, o edifício foi construído com materiais "sui generis". Mas o património herdado está muito mal preservado, lamenta o angolano.
Foto: Walter Fernandes/Goethe-Institut Angola
Moçâmedes: A pérola do Namibe
No Cine-Teatro Namibe (antigo Moçâmedes) nota-se bastante a influência da arquitetura do regime ditatorial português, o Estado Novo. Este é considerado um dos cinemas angolanos mais antigos e também aparece no livro "Angola Cinemas - Uma Ficção da Liberdade", apadrinhado pelo Goethe-Institut em Luanda e pela editora alemã Steidl.
Foto: Walter Fernandes/Goethe-Institut Angola
Conceito futurista
O arquiteto Botelho Pereira não só desenhou o Cine Estúdio do Namibe, como também o Cine Impala. Botelho Pereira inspirou-se no movimento deste antílope e planeou espaços abertos e arejados, de forma futurista. O livro "Angola Cinemas - Uma Ficção da Liberdade" também destaca estas cine-esplanadas, que ganharam popularidade a partir de 1960 por se adaptarem mais ao clima tropical do país.
Foto: Walter Fernandes/Goethe-Institut Angola
Cinema-esplanada para as elites
Este é um dos cinemas preferidos de Miguel Hurst, um dos editores do livro "Angola Cinemas". Foi aqui, no Cine Kalunga, em Benguela, que se pensou em fazer a obra. Cine-esplanadas como esta adequavam-se mais ao clima, mas serviam também um propósito do regime português - criar locais de convívio entre as populações locais e os colonos. A elite branca e a pequena burguesia negra vinham aqui.
Foto: Walter Fernandes/Goethe-Institut Angola
A "grande sala"
A "grande sala" de Benguela era o Monumental - pelo menos, ganhou essa reputação. Os colonizadores portugueses construíram o Cine-Teatro nesta cidade costeira pois evitavam o interior do país - normalmente, as companhias portuguesas só atuavam nas grandes cidades da costa angolana.
Foto: Walter Fernandes/Goethe-Institut Angola
Imperium: "Art decó" em Benguela
Aqui, são imediatamente visíveis traços da passagem da "art decó" (um estilo artístico de caráter decorativo que se popularizou na Europa nos anos 20) para o modernismo. O interior do Cine Imperium, fotografado por Walter Fernandes, representa bem essa mistura estética, com os cubos, retas, círculos e janelas. Benguela tinha várias salas, porque era das províncias mais populosas de Angola.
Foto: Walter Fernandes/Goethe-Institut Angola
O arquiteto que pensava as cidades
Este é o interior do Cine Flamingo: mais uma pérola da província de Benguela. A parte de trás é uma esplanada. Sentado, o espetador está em contacto com a natureza, mas não está exposto. Até hoje, a estrutura mantém-se, mas o espaço está um pouco vandalizado. Miguel Hurst sublinha a importância de manter obras como esta do arquiteto Francisco Castro Rodrigues, um homem que pensava cidades.
Foto: Walter Fernandes/Goethe-Institut Angola
Primeiro cine-teatro de Angola
"O Nacional" Cine-Teatro foi a primeira sala construída em Luanda, no início do Estado Novo, nos anos 40. Esta é uma das imagens patentes na exposição no Goethe-Institut em Lisboa. A mostra pretende ser "um testemunho do modo como estes edifícios constituíam um enquadramento elegante que sublinhava uma simples ida ao cinema, promovendo assim a reflexão sobre esta herança sociocultural e afetiva."
Foto: Walter Fernandes/Goethe-Institut Angola
Memória para gerações futuras
Os irmãos Castilho são os principais responsáveis pela introdução das cine-esplanadas em Angola. A primeira da sua autoria foi o Miramar, encostado a uma ribanceira virada para o mar em Luanda. Depois surgiu o Atlântico, na foto. Para os autores do livro "Angola Cinemas - Uma Ficção da Liberdade", este é um documento de memória que pode ser útil para as futuras gerações.