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Luaty Beirão: Angolanos "estão a perder o medo"

Lusa
19 de novembro de 2020

Ativista luso-angolano considera que "os crimes" e práticas repressivas da polícia e do Governo "têm os dias contados" em Angola. "O poder político arrisca-se a cair na rua", afirma.

Luaty Beirao Rapper Angola
Foto: DW/A. Cascais

"Espero que os dias 24 de outubro e 11 de novembro [em que a polícia reprimiu protestos em Luanda] tenham servido de algum tipo de lição para o poder político deixar de querer impor a sua vontade e usar a Polícia Nacional para servir de tampão, escondendo-se atrás dela para voltar a fazer o que tem feito", declarou o músico à agência de notícias Lusa esta quinta-feira (19.11).

Desde o mês passado, a polícia reprimiu fortemente duas tentativas de manifestação em Luanda, para reivindicar melhores condições de vida e eleições autárquicas em 2021.

Na sequência do último protesto, realizado no Dia da Independência, 11 de novembro, morreu um estudante, Inocêncio de Matos, em circunstâncias ainda por esclarecer.

Escalada da violência

"Estas práticas, estes crimes, têm os dias contados, as pessoas perderam a paciência e estão a perder o mais importante, que mantinha e assegurava essa forma de exercício do poder, que é o medo. Quando as pessoas perdem o medo, o caldo entornou e se o poder político não percebe que as pessoas estão no limite e à beira de perder o medo, o poder político arrisca-se a cair na rua", sublinhou.

Angola: Polícia reprime protestos em Luanda

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Luaty Beirão assinalou o "escalar evidente" da repressão nos últimos tempos, notando que ao longo dos últimos três anos, altura em que o Presidente João Lourenço chegou ao poder, substituindo José Eduardo dos Santos ao fim de quase quatro décadas, houve inúmeras manifestações que se realizaram sem problemas de maior.

"Não me lembro de ter havido este rigor, esta musculatura, que remonta a tempos antigos que nós pensávamos que já podíamos considerar que estavam no passado. As pessoas estão a ser de novo alvo de práticas criminosas por parte dos agentes e das instituições do Estado", lamentou.

Morte de Inocêncio de Matos

Sobre os acontecimentos da passada quarta-feira, 11 de novembro, de que resultou a morte de um jovem de 26 anos, Luaty Beirão manifestou dúvidas quanto à versão oficial de que o estudante terá morrido no hospital em consequência de agressão com um objeto contundente.

"Há vídeos a mostrar a polícia a disparar, podemos dizer que os vídeos não mostram se eram balas reais, mas há cartuchos e balas apanhadas na manifestação por pessoas que estavam em direto. Acumularam-se tantas evidências que é até infantil a polícia negar responsabilidades", criticou, salientando: "A polícia está a inventar uma história e a tentar furtar-se, como sempre faz, às suas responsabilidades".

Polícia marcou presença em homenagens a Inocêncio de Matos junto à Universidade Agostinho Neto, a 16 de novembro.Foto: Borralho Ndomba/DW

"Se não mataram, quem matou? Foi um colega [do estudante] que foi armado e matou? Qual é a teoria? Se não foram eles, quem foi? Abriu-se um inquérito ou uma investigação? Deu-se voz a outras testemunhas?", são algumas das perguntas para as quais gostaria de ter resposta.

Presidente em silêncio

Luaty Beirão defendeu que João Lourenço se deveria pronunciar sobre o assunto e que o comandante geral da Polícia Nacional, bem como o ministro do Interior, deveriam pôr o lugar à disposição.

"Num país que quer ser considerado normal estas práticas têm de passar a ser regulares, as pessoas têm de assumir as responsabilidade superiormente", salientou o 'rapper' conhecido como Iconoklasta, realçando que "o agente que disparou é o responsável material, mas existem outros".

"Infelizmente, o Presidente angolano, que é o responsável moral disto tudo (…), tem sido omisso quando há este tipo de situações", que, na sua opinião, "lesam gravemente a imagem do Estado de direito" e "mancham" a liderança e o discurso de abertura e de mudança de João Lourenço, sustentou.

"Difícil de aceitar"

O ativista considerou também inexplicável que a Universidade Agostinho Neto, onde Inocêncio de Matos frequentava o terceiro ano de ciências da computação, não tenha permitido homenagens ao estudante.

Forte presença policial na manifestação de 11 de novembro.Foto: Borralho Ndomba/DW

"Como é que até na academia se consegue levar a repressão política a impedir simbolismos como estar de roupa preta e fazer um minuto de silêncio, como é que a polícia é chamada e aceita o papel de não permitir a entrada de estudantes no seu recinto escolar? É tão revoltante, é difícil de aceitar", desabafou.

Luaty Beirão, que também tentou participar na manifestação da passada quarta-feira, 11 de novembro, foi barrado pela polícia que lhe confiscou alguns bens e deu voz de detenção.

O ativista questionou os procedimentos das autoridades, que impediram as pessoas de caminhar na via pública e obrigaram a entregar objetos pessoais, como telemóveis, câmara de filmar e até um cartaz de protesto, e apresentou queixa ao departamento de inspeção do comando provincial de Luanda devido ao comportamento dos agentes.

Em causa estão a apreensão forçada dos seus bens (câmara 'goPro', bolsa com chave de casa, um ‘powerbank' e um cartaz) e as ameaças de morte de que foi alvo. "É importante que as pessoas forcem as instituições a trabalhar e a dar respostas que são obrigadas por lei", afirmou, salientando que estas instituições "estão obstruídas pelo poder político" e que mais importante do que recuperar os bens é que os procedimentos sejam cumpridos.

Estão já previstas mais duas iniciativas de protesto, convocadas para sábado, dia 21 de novembro, e 10 de dezembro. Esta semana, a embaixadora da União Europeia em Angola manifestou "preocupações" com o respeito pelas liberdades e garantias dos cidadãos e os ministros angolanos da Justiça e do Interior reconheceram excessos na intervenção policial.

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