À DW África, o ativista Luaty Beirão explica como podem os cidadãos tornar-se fiscais nas eleições deste ano e denunciar abusos. Sobre a transparência do processo eleitoral afirma que "é trágico" o "longo déjà vu".
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A associação Handeka, da qual fazem partes figuras bastante conhecidas do panorama angolano, como o ex-primeiro-ministro de Angola Marcolino Moco ou os ativistas Luaty Beirão e Mbanza Hamza, lançou, recentemente, o projeto Jiku. É uma iniciativa que pretende que, para além de eleitores, os cidadãos angolanos assumam também o papel de fiscais eleitorais no próximo dia 23 de agosto.
Em entrevista à DW África, o ativista Luaty Beirão explica que a ideia do Jiku, que é uma "reedição do que foi o Movimento pela Verdade Eleitoral" em 2012, é "incentivar as pessoas a não se comportarem como eleitores numa democracia comum onde as pessoas vão, votam, escolhem o seu candidato e voltam para casa. Porque todos nós nos queixamos de vícios e irregularidades eleitorais, então é preciso que todos se comportem como monitores eleitorais e que estejam atentos".
Este projeto pretende centralizar a informação numa só plataforma - Jikuangola.org - , dando às pessoas um local para onde podem redirecionar as suas denúncias e reclamações. De acordo com Luaty Beirão, "todo o tipo de irregularidade deve ser denunciada" - desde as durações de tempos de atena na televisão ou em outros orgãos de imprensa ao abuso dos espaços onde são colocados os cartazes e as bandeiras, por exemplo.
Até às eleições, a associação Handeka pretende que os cidadãos continuem a aceder ao site da Jiku, não só para assitir aos vários vídeos pedagógicos que serão publicados, mas também para fazerem as suas denúncias. No dia das eleições – 23 de agosto – a equipa da Jiku vai focar-se nas irregularidades do momento e nos resultados das eleições. Luaty Beirão explica que, em casos de, por exemplo, "as urnas não terem chegado" ou "não haver cadernos de eleitorais", as "denúncias devem ser feitas em tempo real".
A informação é publicada na página da Jiku, assim como nas redes sociais, (Facebook e, possivelmente, Twitter) e posteriormente encaminhada para a polícia ou para a Comissão Nacional de Eleições (CNE). O objetivo, acrescenta Luaty Beirão, é que "qualquer pessoa que queira acompanhar esta monitorização [do ato eleitoral] possa dirigir-se à página para ter noção das coisas que estão a acontecer ao longo do dia".
No fim do dia, a associação espera poder dar conta dos resultados eleitorais no site, através da informação que chegará através de "observadores independentes, delegados de lista", etc.
Participação da sociedade civil
Luaty Beirão: "Estou a ver uma repetição do filme em Angola"
Luaty Beirão constata que o número de jovens que utiliza hoje as redes sociais é muito superior ao que utilizava em 2012, ano das últimas eleições em Angola.
As pessoas, afirma o músico, estão à "procura de uma forma de participar nas eleições e serem úteis no controlo do processo".
Ainda assim, o ativista considera que é cedo para falar da aceitação do projeto Jiku junto da sociedade, ainda que acredite que a participação dos angolanos será mais significativa do que há cinco anos atrás. "Em 2012, com a pouca divulgação que a plataforma teve, ficámos assoberbados com a quantidade de pessoas que tomou conhecimento da iniciativa. Acredito que com a divulgação que começámos a fazer agora, vamos começar a ter maior abrangência", dá conta.
Transparência: "filme repete-se"
Apesar de todos estes esforços, o ativista confessa não ter grandes expetativas em relação à transparência do processo eleitoral do próximo dia 23 de agosto. À DW África, Luaty Beirão afirma que "a coisa vai repetir-se".
"É trágico como isto é um longo déjà vu. As notícias são iguais, as reações e ameaças daqueles que são lesados são iguais, até as empresas envolvidas nos processos são as mesmas. Estou a ver uma repetição do filme", lamenta o ativista, acrescentando que não vê "da parte dos partidos políticos da oposição nada de original, infelizmente".
Luaty Beirão dá conta ainda que, já durante esta semana, foi denunciado "um comportamento que configura um crime que é corrupção eleitoral, ou seja, "oferecer coisas para seduzir eleitores em troca de votos", conclui.
José Eduardo dos Santos deixará saudades?
Dos Santos anunciou no início de 2017 que deixará o poder ao fim de 38 anos. Será que os angolanos terão saudades? Os comícios e as manifestações no país e fora de Angola nos últimos anos não deixam chegar a um consenso.
Foto: Getty Images/AFP/A. Pizzoli
Setembro de 2008 - Luanda
Este comício do MPLA em Kikolo, Luanda, foi assistido por milhares de pessoas durante a campanha para as eleições de 2008, as primeiras em 16 anos. O MPLA obteve 82% dos votos, tendo conquistado 191 dos 220 lugares da Assembleia Nacional de Angola.
Foto: picture-alliance/ dpa
Março de 2011 - Angola
No entanto, e apesar da maioria conseguida nas eleições de 2008, nos anos seguintes realizaram-se várias manifestações, em Angola, e não só, contra o Governo. A 7 de março de 2011, teve início no país uma onda de manifestações inspiradas na Primavera Árabe. Na organização destas manifestações estava o Movimento Revolucionário de Angola, também conhecido como "revús".
Foto: picture-alliance/dpa
Março de 2011 - Londres
No mesmo dia (7 de março), cerca de 30 pessoas sairam às ruas em Londres para protestar contra o Presidente José Eduardo dos Santos. Os manifestantes exigiram a saída do pai de Isabel dos Santos gritando "Zédu fora!" e "Zé tira o pé".
Foto: Huck
Fevereiro de 2012 - Benguela
Em 2012, ano de eleições no país, o número de manifestações organizadas pelos não apoiantes de José Eduardo dos Santos continuou a crescer. O protesto retratado na fotografia teve lugar em Benguela, a 13 de fevereiro. "O povo não te quer", gritaram os manifestantes.
Foto: DW
Junho de 2012 - Luanda
A 23 de maio de 2012, o presidente angolano anuncia que as eleições legislativas se irão realizar a 31 de agosto. Sensivelmente um mês depois, a 23 de junho, o Estádio 11 de Novembro, em Luanda, encheu-se de militantes e simpatizantes do MPLA para aplaudir José Eduardo dos Santos e apoiar a sua candidatura.
Foto: Quintiliano dos Santos
Julho de 2012 - Viana
Cartazes a favor de dos Santos num comício da campanha para as eleições de 2012 em Viana, arredores de Luanda. A 31 de agosto, o MPLA vence as eleições com mais de dois terços dos votos. Depois de uma mudança da Constituição, o Presidente já não é eleito diretamente, mas sim indiretamente nas legislativas. Como cabeça de lista do MPLA, José Eduardo dos Santos é eleito Presidente de Angola.
Foto: Quintiliano dos Santos
Maio de 2015 - Benguela
Nos anos seguintes continuaram os protestos contra o Presidente. Foram-se somando episódios de violência e detenções. 2015 torna-se-ia um ano complicado no que às críticas a JES diz respeito. No aniversário do "27 de maio", em Benguela, por exemplo, 13 ativistas foram detidos minutos depois de começarem um protesto. No mesmo dia, também houve detenções em Luanda.
Foto: DW/N. Sul d'Angola
Junho de 2015 - Luanda
Em junho de 2015, tem início um dos episódios da governação de José Eduardo dos Santos mais criticados. 15 ativistas angolanos, entre eles Luaty Beirão, foram detidos sob acusação de planeaream um golpe de Estado. Para além de terem despoletado muitas manifestações, estas detenções tiveram mediatismo um pouco por todo o mundo devido às greves de fome levadas a cabo por muitos dos detidos.
Foto: DW/P. Borralho
Julho de 2015 - Lisboa
No dia 17 de julho realizou-se, em Lisboa, a primeira manifestação em Portugal a favor da libertação destes jovens. "Basta de repressão em Angola", ouviu-se na capital portuguesa. Dias mais tarde, em Luanda, a polícia reagiu violentamente contra algumas dezenas de manifestantes que protestaram no Largo da Independência.
Foto: DW/J. Carlos
Agosto de 2015 - Luanda
A 2 de agosto e sob o lema "liberdade já", cerca de 200 pessoas, entre as quais vários artistas angolanos - poetas, políticos, atores e artistas plásticos - juntaram-se, em Luanda, para pedir a libertação dos 15 ativistas angolanos detidos. Sanguinário, Flagelo Urbano, Toti, Jack Nkanga, Sábio Louco, Zwela Hungo, Mona Diakidi, Dinameni, Fat Soldie e MCK foram alguns dos artistas presentes.
Foto: DW
Agosto de 2015 - Luanda
Dias mais tarde foi a vez das mães dos ativistas se fazerem ouvir. Nas ruas de Luanda, pediram a libertação dos seus filhos, mesmo depois da manifestação ter sido proibida pelo Governo.
Foto: DW/P. Ndomba
Agosto de 2015 - Lisboa
Nem no dia do seu aniversário (28 de agosto), José Eduardo dos Santos teve "descanso". Cidadãos descontentes, quer em Lisboa, quer em Angola, voltaram às ruas. Na capital portuguesa, voltou a pedir-se liberdade para os ativistas. Exigiu-se ainda liberdade de movimento, de pensamento, de expressão e de imprensa em Angola.
Foto: DW/J. Carlos
Novembro de 2015 - Luanda
No dia em que se celebraram os 40 anos da independência de Angola, proclamada a 11 de novembro de 1975, pelo então Presidente António Agostinho Neto, vários jovens voltaram a fazer ouvir-se. 12 manifestantes foram detidos.
Foto: DW/M. Luamba
Março de 2017 - Cazenga
No início de 2017, José Eduardo dos Santos anunciou a saída da Presidência. O cabeça-de-lista do MPLA às eleições gerais deste ano será o atual ministro de Defesa João Lourenço. O candidato foi recebido por centenas de apoiantes naquele que foi o seu primeiro ato de massas da pré-campanha, no município do Cazenga, em Luanda, a 4 de março.