Luaty Beirão pede à UE mais atenção no apoio a Angola
Glória Sousa
26 de janeiro de 2017
O ativista angolano participou, esta quinta-feira (26.01), numa audição pública e foi ouvido na Subcomissão dos Direitos Humanos do Parlamento Europeu.
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Foi mais uma paragem em palcos europeus de Luaty Beirão. Em Bruxelas, o ativista angolano não destacou apenas o processo em que esteve envolvido - o caso dos 17 ativistas que foram condenados por atos preparatórios de rebelião e associação de malfeitores. Luaty Beirão alertou para muitos outros casos de violações dos direitos humanos.
"Lembrei o caso de Cassule e Kamulingue, que ficou mais ou menos fechado com a condenação de vários elementos da segurança do Estado e da investigação criminal que estavam envolvidos. Falei no caso de Hilbert Ganga, que era o patrão da juventude da CASA-CE, que foi assassinado por um elemento da guarda presidencial, que também foi julgado e absolvido", afirmou Luaty Beirão.
O ativista lembrou ainda os casos de dois jornalistas: "de Alberto Chakussanga, que foi baleado nas costas na sua própria casa, e de Milocas Pereira, uma jornalista guineense que era bastante crítica do projeto Missang, um projeto militar que Angola tinha na Guiné-Bissau, e que desapareceu em 2012”.
Além disso, Luaty Beirão apelou aos deputados do Parlamento Europeu para que investiguem os milhões de euros que, todos os anos, são canalizados para organizações da sociedade civil angolana, supostamente para promover os direitos humanos e democracia.
A eurodeputada Ana Gomes, umas das promotoras da audição pública de Luaty Beirão, concorda que é necessário saber exatamente para onde vai o dinheiro.
"A União Europeia (UE) diz que gasta muito dinheiro a apoiar as organizações da sociedade civil em Angola", no entanto "na maior parte dos casos, não estão sequer devidamente autorizadas a funcionar, noutros casos não têm acesso ao financiamento", reconheceu Ana Gomes.
Em Angola "há uma lei de repressão das organizações não-governamentais", lembrou a eurodeputada. "Portanto, se há organizações da sociedade civil que a UE tem ajudado, na maior parte dos casos, serão organizações criadas pelo regime, para fingir que são organizações de direitos humanos e representativas da sociedade civil e do desenvolvimento, mas não passam de organizações controladas pelo Governo", sublinhou Ana Gomes, do grupo da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas no Parlamento Europeu.
Cooperação com poucos frutos
Recentemente (17.01), Angola assinalou 30 anos de cooperação com a União Europeia.
A eurodeputada Ana Gomes reconhece que há ainda muito trabalho a fazer a nível de cooperação de direitos humanos.
"A UE esteve 10 anos dirigida por Durão Barroso, que tem fortes ligações políticas com o regime angolano. Durão Barroso visitou Angola, em 2012, como presidente da Comissão Europeia, e disse o que o regime queria que ele dissesse: que Angola não precisava de observação nas eleições, dando um cheque em branco a um ato que se sabia que era da mais duvidosa natureza", criticou a deputada portuguesa.
Com esse tipo de atitudes, que a eurodeputada classifica como "hipócritas", "é natural que muitos dos programas, incluindo de direitos humanos e de apoio à sociedade civil, tenham sido mais perfunctórios do que reais e que os seus resultados sejam maus", avaliou Ana Gomes.
Visibilidade pode ajudar a proteger ativistas
A presença de Luaty Beirão no Parlamento Europeu dá mais visibilidade à situação dos direitos humanos. Mas também expõe o ativista angolano que, admite, aprendeu a viver com medo.
26.01.17 Luaty Beirao no PE -OL - MP3-Mono
O "receio é algo com que nós convivemos todos os dias, independentemente da visibilidade maior ou menor que tenhamos", afirmou Luaty.
Se por um lado, o ativista considera "que a visibilidade acaba por dar um pouco mais de proteção", por outro essa exposição torna-o "um alvo mais desejado por parte de algumas pessoas do regime".
O músico e ativista angolano Luaty Beirão acredita que as liberdades poderão ser mais reprimidas com a aproximação de eleições gerais, previstas para este ano.
"Parece-me que nos estamos a dirigir para um momento de alta tensão em Angola, em que a repressão vai aumentar, assim como as intimidações e o nível frenético de tentativa de controlo absoluto de informação. Acho que esse fenómeno vai agora ser elevado a um expoente que pode vir a trazer alguns momentos amargos", conclui o ativista.
A próxima paragem de Luaty Beirão será em Genebra, na Suiça, onde irá partilhar informação sobre a situação dos direitos humanos e democracia em Angola.
Julgamento dos 15+2 em imagens
Foi um julgamento envolto em polémica. 17 ativistas angolanos foram condenados a entre 2 e 8 anos de prisão por atos preparatórios de rebelião. Os críticos falam em "farsa judicial". Veja aqui momentos-chave do processo.
Foto: picture-alliance/dpa/W. Kumm
Julgamento polémico
Os 15+2 ativistas angolanos, acusados de atos preparatórios de rebelião, foram condenados a entre 2 e 8 anos de prisão efetiva. A defesa e ativistas de direitos humanos denunciam que o processo foi marcado por várias irregularidades. O julgamento começou logo com protestos, a 16 de novembro. Um ativista escreveu na farda prisional "Recluso do Zédu". Observadores internacionais ficaram à porta.
Foto: DW/P.B. Ndomba
#LiberdadeJa
Antes e durante o julgamento, foram muitos os pedidos de "liberdade já!" para os ativistas angolanos. Essas foram também as palavras de ordem de uma campanha nas redes sociais pela libertação dos jovens a que se associaram músicos, escritores, ativistas e muitos outros cidadãos de dentro e fora de Angola.
Foto: Reuters/H. Corarado
"Justiça sem pressão"
Fora do tribunal, um grupo de manifestantes jurou acompanhar o julgamento dos 15+2 até ao fim. Vestiram-se a rigor com t-shirts brancas de apoio ao sistema judicial angolano, com os dizeres "Justiça sem Pressão" - "Estamos aqui a favor da Justiça, visto que Angola é um Estado soberano e que os tribunais têm o seu papel, com o qual nós estamos solidários", disse um dos manifestantes.
Foto: DW/P. Borralho
Irregularidades no processo
Em dezembro, os ativistas enviaram uma carta ao Presidente angolano onde apontavam irregularidades no processo. Os jovens queixavam-se, por exemplo, das demoras, da falta de acesso ao processo por parte da defesa antes do início do julgamento e da impossibilidade de manter contato visual com a procuradora Isabel Nicolau (na foto). Eram ainda denunciados casos de agressão física e psicológica.
Foto: Ampe Rogério/Rede Angola
Dois dias a ler o livro de Domingo da Cruz
"Ferramentas para Destruir o Ditador e Evitar Nova Ditadura". É este o título do livro escrito pelo ativista Domingos da Cruz, inspirado no livro "Da Ditadura à Democracia", do pacifista norte-americano Gene Sharp. Segundo a acusação, era este o manual dos ativistas para preparar uma rebelião. O livro foi lido na íntegra durante dois dias no Tribunal de Luanda.
Foto: DW/Nelson Sul D´Angola
"Governo de Salvação Nacional" é "embuste"
Dezenas de personalidades angolanas integram uma lista, divulgada online, de um "Governo de Salvação Nacional". Esse seria um Executivo que assumiria o poder em Angola após a rebelião pensada pelos ativistas, segundo a acusação. Vários declarantes faltaram à chamada e várias sessões tiveram de ser adiadas. Um dos declarantes, Carlos Rosado de Carvalho, disse que o suposto Governo era um "embuste".
Foto: DW/P. Borralho
Prisão domiciliária
A 18 de dezembro, 15 ativistas, detidos desde junho, passaram ao regime de prisão domiciliária. Laurinda Gouveia e Rosa Conde permaneceram em liberdade condicional. O tribunal autorizou os detidos a receber visitas de familiares e amigos. No entanto, não foi permitido qualquer contato com membros do "Movimento Revolucionário" e do "Governo de Salvação Nacional".
Foto: DW/P. Borralho Ndomba
"Este julgamento é uma palhaçada"
Numa das sessões do julgamento, os ativistas levaram vestidas t-shirts com autocaricaturas como palhaços. Nito Alves disse em tribunal que o julgamento era uma palhaçada. Foi julgado sumariamente por injúria e condenado a 6 meses de prisão efetiva. Ativistas alertam que o estado de saúde de Nito Alves é grave e que Nito foi transportado numa maca para o tribunal de Luanda para ouvir a sentença.
Foto: Central Angola 7311
Nuno Dala em greve de fome
Como forma de reinvindicar o acesso a contas bancárias e entrega de pertences, Nuno Dala entrou em greve de fome a 10 de março. Gertrudes Dala, irmã do ativista, lamentou a reação da sociedade civil e a defesa alertou para a situação financeiramente "delicada" da família. Outros ativistas também passaram por dificuldades durante a prisão domiciliária.
Foto: DW/P.B. Ndomba
Ativistas são condenados
O tribunal de Luanda condenou, a 28 de março, os 17 ativistas angolanos. Domingos da Cruz, tido como "líder", deverá cumprir 8 anos e 6 meses de prisão efetiva. Luaty Beirão foi condenado a 5 anos e 6 meses. Rosa Conde e Benedito Jeremias foram condenados a 2 anos e 3 meses de prisão. Os restantes foram condenados a 4 anos e 6 meses. A defesa e o Ministério Público vão recorrer da decisão.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
"Dia triste para a liberdade de expressão"
"Este é um dia muito triste para a liberdade de expressão e de associação", disse Ana Monteiro, da Amnistia Internacional, reagindo às sentenças. "Não deveria ter existido sequer um julgamento. Estamos a falar de cidadãos angolanos que estavam reunidos a falar sobre liberdade e democracia". Zenaida Machado, investigadora da HRW, considerou a condenação ridícula.