Lusafrica: 30 anos e mais de 300 discos lançados
16 de novembro de 2018Os 30 anos da Lusafrica, que foi editora da falecida cantora cabo-verdiana Cesária Évora, resumem-se na descoberta dos grandes nomes da música africana e nas grandes produções da música moderna que se faz de África para o mundo, diz à DW África o seu fundador, José da Silva.
Quando trabalhava na construção de caminhos-de-ferro em França e decidiu investir tudo o que tinha para mudar a vida de uma jovem cabo-verdiana, conhecida como a "Rainha da Morna", tímida, forte, com a pele cor de café e que aparentava ter enormes dificuldades na vida, que via a cantar num bar, não tinha a noção da ponte que estaria a construir na mudança de paradigma da música urbana que se fazia no continente africano e a sua consequente internacionalização.
Trinta anos depois, José da Silva confessa que criou a empresa de forma espontânea: "A Lusafrica foi fundada por acaso. Nunca pensei em criar uma etiqueta [discográfica]. Só estava a ajudar uma cantora".
"Durante a caminhada com ela [Cesária Évora], comecei a pensar em gravar o primeiro disco, mais destinado a prender as nossas comunidades nas festas a que nós íamos com ela. Quando gravámos o disco, a pessoa que fazia a capa disse 'tens que pôr uma etiqueta'. Então, inventei esse nome, Lusafrica, no momento, só para pôr no disco", conta.
Lusafrica muito solicitada
O sucesso do primeiro disco de Cesária Évora, intitulado "A Diva dos Pés Descalços", editado em 1988, despertou a necessidade de fazer um trabalho mais sério com os talentos africanos. José da Silva deixou de trabalhar nos caminhos-de-ferro de Paris e criou o primeiro escritório da Lusafrica na capital de França, que empregava apenas uma pessoa. Na altura, Paris era o centro das grandes produções da música africana, explica o fundador José da Silva.
Cesária Évora foi a pedra angular do edifício que rapidamente se desenvolveu por África, tendo lançado os álbuns de artistas cabo-verdianos, como Norberto Tavares, que na época vivia nos Estados Unidos, e Lura, e que se estendeu também a artistas de topo como o Pierre Akendengue, do Gabão, e o Boubacar Traoré, do Mali.
Em 1990 e 1995, a Lusafrica produziu álbuns do criador de hits do Gabão, Oliver N'Goma, com a ajuda de Manu Lima, de Cabo Verde. As músicas do falecido cantor lideravam os tops das mais tocadas nas discotecas e rádios africanas e os álbuns faziam sucesso no mercado.
Oito anos depois da estreia da Lusafrica no mercado, com o primeiro álbum de Cesária Évora - que já era uma estrela internacional - chegaram às mãos de José da Silva vários pedidos de jovens com talento em busca de uma oportunidade. Nesse período, a Lusafrica chegou mesmo a produzir até 15 álbuns por ano de artistas de África, das Caraíbas e da América Latina, revela à DW África o também compositor e intérprete José da Silva, que reconhece o volume das solicitações que recebia.
"Primeiro eram só os cabo-verdianos: Ildo Lopo, Tito Paris e Sancha, amiga da Cesária Évora. Depois, em 1996, comecei a gravar os músicos africanos e um ano mais tarde chegámos a Cuba, onde permanecemos por dez anos e fizemos uma descoberta incrível, o Polo Montañez. Chegamos a ter um escritório lá e gravámos muitos artistas cubanos. Das Antilhas francesas gravei um disco do Patrick Saint-Éloi, antigo elemento dos Kassav. E do Brasil gravei a Dona Ivone Lara, entre outros. Portanto foram vários artistas", afirma.
Lusafrica adquiriu direitos musicais de Bonga
Em 2000, a Lusafrica adquiriu os direitos dos dois míticos álbuns do angolano Bonga que estavam desaparecidos. Os discos Angola 72 e Angola 74 foram reeditados em Roterdão, na Holanda. Esse casamento nunca mais acabou com um dos mais conhecidos músicos de Angola, o "kota" Bonga.
José da Silva, fundador da Lusafrica, caracteriza os 30 anos da editora como um período de muito trabalho profissional, feito com muita paixão, e que resultou no lançamento de mais de 300 álbuns de artistas que realizaram os seus sonhos através da Lusafrica. Sustenta que nunca caiu na tentação de escolher um artista pelo sucesso que faz no momento, mas privilegia o comportamento e o bom ambiente de trabalho.
A Lusafrica nasceu na era de ouro das vendas de CD e sobreviveu ao colapso do mercado de discos nos anos 2000. "Foi inesperado, incrível", diz José da Silva, agora presidente da Sony Music Entertainment em Abidjan, Costa de Marfim, depois de entregar a gestão da sua editora à sua filha, Elodie da Silva.
A editora continua a cultivar com sucesso as carreiras de jovens artistas como as cabo-verdianas Elida Almeida e Lucibela, que confirma à DW que a Lusafrica realizou o seu sonho e mudou a sua carreia musical: "Desde a infância que tinha o sonho de ser cantora, gravar um disco de sucesso, fazer digressões pela Europa e subir aos grandes palcos com uma excelente assistência. Entretanto, a Lusafrica fez tudo isso por mim. Agora, faço mais de três concertos por mês na Europa", disse a cantora de 31 anos que está a rodar o álbum de estreia "Laço Umbilical".
E de olhos voltados para o futuro de Lusafrica, Elodie da Silva, a filha de José da Silva, que lidera a empresa com escritórios em África, Europa e América, acaba de criar um departamento de música urbana, o The Garden, para surfar na grande onda digital que atravessa África.