No palco: "A Geração da Utopia" de Pepetela
9 de maio de 2014A adaptação para teatro do romace “A Geração da Utopia”, está a ser exibida em Lisboa, entre o dia 1 e o dia 11 de maio e é uma produção com representação de artistas da GRIOT – Associação Cultural. A produção será provavelmente levada para Luanda e segue-se à peça “A Raça Forte” do escritor nigeriano Nobel da Literatura (1986), Wole Soiynka, que a associação escolheu no âmbito de um ciclo de teatro, entre 2013 e 2014, dedicado a autores africanos.
“A Geração da Utopia”, peça inspirada no romance de Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, conhecido pelo pseudónimo de Pepetela, fica até domingo (11.05) no Teatro Cinearte “A Barraca”, em Lisboa. Em palco, sete atores que se desdobram em 16 personagens retratam, em cerca de duas horas e meia e em quatro atos, os vários momentos históricos narrados no livro do escritor angolano. Foi com “muito prazer” que o encenador moçambicano Guilherme Mendonça adaptou a obra para teatro, narrando quatro décadas de vida de angolanos que, com maior ou menor intensidade, estiveram envolvidos na luta pela independência de Angola, proclamada em 1975.
Idealismos e cisões
“A minha visão desta peça é um retrato de 40 anos desde a luta armada até às eleições multipartidárias em Angola”, começa por explicar o encenador, acrescentando que se focam “vários aspectos”. “Por um lado, da perspectiva da personagem, a quebra dos idealismos; por outro lado, da perspectiva das várias personagens de suporte, a aspectos como o aparecimento do tribalismo e as cisões dentro da própria luta armada, que depois vão dar a cisões já nos anos 90 e nos dias de hoje e a moldar aquilo que é a sociedade angolana”, descreve Guilherme Mendonça.
Os atores - portugueses, são-tomenses e angolanos - colocam em cena vários contextos explorados pelo encenador como, por exemplo, a instrumentalização da independência para fins próprios, o desencanto e a desistência das utopias que guiaram os movimentos de libertação, e, não menos importante, abordam em discurso direto a divisão em Angola entre as elites urbanas e rurais. Segundo Guilherme Mendonça, foi preciso muito trabalho para transpor para o palco a narrativa de Pepetela, rica em temas.
“A primeira vez que nós confrontamos com “A Geração da Utopia” pensamos que é um retrato extremamente amargo e crítico. Mas também vamos percebendo que, em certo sentido, também se mantém um retrato idealista”, afirma o encenador, acrescentando que “Pepetela está a falar de dentro daquilo que ele gostaria de ver melhorado no seu país e isso também é muito bonito.”
A independência e a ostracização
Susana Sá, que desempenha o papel de Sara (filha de pais portugueses), é uma das personagens de destaque na peça. O seu papel, conta, “é o de uma angolana branca que está a estudar Medicina em Lisboa e que tem um relacionamento com outro angolano, negro, que está cá a jogar futebol”. “Entretanto, devido a todos os movimentos que estão a acontecer em Angola para a independência, sente-se alvo de ostracização por parte de todos os estudantes que cá estavam em Portugal, de raça negra”, descreve a atriz. “Há uma série de questões que se levantam, como a ascendência dela, porque os pais são colonos, e tudo isto se vira contra ela a determinada altura. Sente que é posta de parte pelos próprios amigos e colegas”.
Além de Sara, Vitor e Aníbal, outra personagem a referir é Elias, figura assumida por Gionanni Lourenço, que de ativista da UPA (União dos Povos de Angola), ligado às residenciais protestantes em Portugal, acaba depois por se transformar numa espécie de líder religioso de uma falsa igreja.
No dia da estreia, no passado 1 de maio, Pepetela estava entre os que assistiram ao espetáculo. O escritor terá ficado agradado com a adaptação, contou o encenador, que espera ver a peça noutros palcos emblemáticos, na Europa ou em África, como por exemplo no Mindelac, festival de teatro em Cabo Verde, ou no Festival de Almada, em Lisboa.