Em greve até quarta-feira, os médicos só estão a atender urgências em Angola. Profissionais exigem ganhos trabalhistas ao Governo, que se diz aberto ao diálogo. Enquanto isso, pacientes queixam-se do mau atendimento.
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Os médicos grevistas em Angola estão atender apenas os casos de urgências em todos os hospitais do país. Os profissionais de medicina iniciaram esta segunda-feira (19.11), uma greve nacional de três dias, na qual exigem melhores condições salariais e de trabalho.
Em Luanda, a DW África fez uma ronda em algumas unidades hospitalares e constatou que estão a funcionar parcialmente. No Hospital Geral de Luanda, um dos principais da capital angolana, vários pacientes tiveram que esperar por muito tempo para ser atendido por especialistas que estão de plantão.
O paciente Edmar Silva chegou às 10h àquele hospital e até às 14h, momento em que a reportagem DW chegou ao local, ainda não tinha sido atendido por um médico. "As coisas não devem ser assim, queremos melhoria. E o setor da saúde deve estar em primeiro lugar. E esta situação é muito triste", disse o paciente.
O paciente apela: "[Os médicos] estão a realizar greve porque não há dinheiro. Eles e o Governo devem resolver isso o mais rápido possível, porque nós é quem passamos mal".
Demora no atendimento
Aflito no banco de urgência do hospital de Luanda, localizado no Camama, estava Francisco Morais, que lamentou a lentidão no atendimento. O jovem afirmou que seu irmão estava com dores abdominais, chegou às 4h da manhã desta segunda-feira naquela unidade sanitária, mas depois de quase oito horas ainda não tinha falado com nenhum médico.
"Se deram exceção, que atendam as pessoas. Se estão em greve, deviam fechar e nós íamos parar no portão [da unidade hospitalar] e encontrar outras alternativas", protestou o irmão do paciente.
A situação não está fácil para os médicos em serviço nos bancos de urgência, pois a demanda aumentou. Segundo o clínico em serviço no banco de urgência do Hospital Geral de Luanda, Daniel Café, apenas dois profissionais estavam a trabalhar para atender 400 doentes.
"Habitualmente atendemos mais de 200 pacientes por dia, mas com toda certeza estão já a ultrapassar essa quantidade de 200 antes da metade do dia e só temos dois médicos no banco de urgência. Há uma previsão de atendermos 400 pacientes [hoje]", indicou.
Negociações
Num comunicado divulgado esta segunda-feira à imprensa, o Ministério da Saúde manifestou total disponibilidade para negociar com os médicos, recordando que foi criada uma comissão coordenada pelo secretário de Estado para a área hospitalar, que conversou com o Sindicato dos Médicos no passado dia 14 deste mês.
"[A ministra da Saúde, Sílvia Lutucuta] demora quase quatro meses para responder a um caderno reivindicativo, manda-nos a resposta 19 horas antes, e quer que nós respondamos na hora", criticou o médico Adriano Manuel.
Em declarações à DW África, o secretário provincial do Sindicato dos Médicos de Luanda, Cândido da Silva, disse que o Ministério da Saúde, não respondeu as preocupações dos médicos dentro do prazo de 90 dias, proposto na mesa de negociações.
Médicos angolanos em greve por melhores condições de trabalho
Os representantes do Ministério da Saúde, de acordo com o médico, ao invés de dialogar tentaram travar a greve. "Esse bom senso demos ao longo dos três meses. A lei permite que o patrão responda o caderno reivindicativo em cinco dias e nós esperámos noventa dias. Aí não há bom senso? Muito mais que bom senso", afirmou Cândido da Silva.
O sindicalista diz que os médicos nacionais são injustiçados pelo patrão, que no seu entender atribui mais regalias aos expatriados em detrimento dos técnicos angolanos.
De acordo com Cândido da Silva, os profissionais que trabalham no interior de Angola são os mais sacrificados. "Há enfermeiros colocados pelo Ministério da Saúde nos municípios de Angola que vivem em casas onde não há condição de habitabilidade. Se quiserem, vão ali e verão o hotel que fizeram para os chineses e os cubanos. Isso não é xenofobia, é a dura realidade. Isso é que nos magoa. Podem lá ver, é um hotel cinco estrelas onde eles estão. E para os angolanos, dão casas sem luz. Os médicos vão até ao rio acarretar agua para o consumo", criticou.
Friedensdorf em Angola
A Friedensdorf começou a viajar até Luanda há duas décadas para recolher crianças doentes para tratamento médico na Alemanha e levar de volta outras já recuperadas. A 56ª ação de ajuda aconteceu em 2014.
Foto: DW/M. Sampaio
20 anos de ajuda a crianças doentes
Já passaram duas décadas desde que a Friedensdorf International começou a viajar até Luanda para recolher crianças doentes para tratamento médico na Alemanha e levar de volta outras já recuperadas. Desde a sua criação, há 47 anos, a organização não-governamental já ajudou crianças doentes de mais de 50 países, incluindo cerca de 3 mil crianças angolanas. Em 2014, aconteceu a 56ª ação de ajuda.
Foto: DW/M. Sampaio
Ritmos angolanos na despedida
Kuduro e outras danças angolanas são uma constante na festa de despedida que a Friedensdorf organiza na sua sede em Oberhausen, no centro-leste da Alemanha, antes da partida para Angola das crianças já recuperadas. Depois de várias operações e tratamentos, as crianças estão ansiosas por voltar à terra natal e rever a família. Mas os amigos que fizeram na Alemanha também vão deixar saudades.
Foto: DW/M. Sampaio
Experiência única
Para casa as crianças levam também uma experiência única, afirma Hannah Lohmann, porta-voz da Friedensdorf. “Neste momento, temos connosco meninos e meninas de nove países. São cristãos e muçulmanos, brancos e negros, africanos e asiáticos. Em comum têm o facto de todos terem vindo para a Alemanha para se curarem e isso cria uma ligação entre eles, que ultrapassa fronteiras e idiomas”, explica.
Foto: DW/M. Sampaio
Regresso azul
Quando regressa, cada criança recebe um saco azul de desporto, onde, além de roupa e medicamentos, cabem pequenos presentes que elas mesmas fizeram para a família e lembranças da estadia na Alemanha – brinquedos em madeira ou saquinhos de pano feitos à mão, por exemplo. Partem do Aeroporto de Düsseldorf, num avião fretado pela Friedensdorf. A bordo segue uma equipa da ONG, que inclui um médico.
Foto: DW/M. Sampaio
Luanda à vista
Depois de quase dez horas de voo, o avião aterra finalmente na capital angolana. À espera no Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro, em Luanda, costumam estar dois membros da ONG alemã, que viajam mais cedo para o país para tratar das formalidades da nova leva de doentes, e uma equipa da organização parceira angolana Kimbo Liombembwa, versão kimbundu da "Aldeia da Paz".
Foto: DW/M. Sampaio
Reencontro familiar
Do aeroporto as crianças que regressam da Alemanha seguem depois para a sede da Kimbo Liombembwa, um pequeno espaço situado no Hospital Pediátrico Dr. David Bernardino. É aqui que são oficialmente entregues aos pais, que voltam a abraçar os filhos depois de vários meses de ausência. A separação não é fácil, mas os resultados compensam, reconhecem muitos pais.
Foto: DW/M. Sampaio
Perda de Rosalino Neto
A Friedensdorf e a Kimbo Liombembwa lamentam a perda do médico Rosalino Neto, que dirigia a organização parceira. O fundador da Ordem dos Médicos de Angola morreu em junho passado, aos 63 anos, vítima de doença prolongada. Acompanhou as operações de ajuda desde o início e esteve várias vezes na Alemanha. As primeiras crianças chegaram à Alemanha em 1994, durante a guerra civil que durou 27 anos.
Foto: DW/M. Sampaio
Últimas recomendações
No dia da entrega das crianças aos pais, a equipa da Friedensdorf faz sempre um resumo dos tratamentos médicos realizados e deixa também uma série de recomendações. Muitas vezes é preciso continuar os exercícios de fisioterapia em casa ou trocar os sapatos ortopédicos quando estes deixarem de servir. Durante muitos anos, o médico Rosalino Neto traduziu as explicações da ONG aos pais.
Foto: DW/M. Sampaio
Alemanha, a última esperança
A Alemanha é a última esperança para muitos angolanos. O conflito no país terminou há 12 anos, mas a colaboração continua. Se antes se tratavam ferimentos causados pela guerra, hoje as doenças são causadas pela pobreza. A mortalidade infantil é uma das mais altas do mundo e metade da população vive abaixo do limiar da pobreza. O crescimento económico e os petrodólares não se refletem na saúde.
Foto: DW/M. Sampaio
Diagnósticos problemáticos
Os problemas de saúde das crianças são de vários tipos: infeções ósseas, malformações congénitas, queimaduras graves, luxações, fraturas expostas, subnutrição. Algumas sofreram acidentes e não foram devidamente tratadas na altura. E os pequenos corpos escondem também outros problemas não visíveis. Diagnósticos precisos sobre o seu estado de saúde também são um problema, segundo a Friedensdorf.
Foto: DW/M. Sampaio
Kimbo Liombembwa
Criada há 13 anos, a organização parceira angolana tem equipas de voluntários por todo o país para identificar crianças com doenças que não podem ser tratadas localmente. Já foram beneficiadas cerca de três mil crianças de várias regiões de Angola. A viagem das províncias até Luanda chega a durar três dias. Para as ações de ajuda a “Aldeia da Paz” conta também com o apoio da Embaixada da Alemanha.
Foto: DW/M. Sampaio
Comunicação sem fronteiras
A maior parte das crianças não sabe falar alemão, mas a comunicação não é um problema. "Sabemos algumas palavras em português, como 'tá fixe'. E quando querem ir à casa de banho, xixi todos entendem!", explica a porta-voz da Friedensdorf. Além disso, as crianças comunicam por sinais. A bordo costumam também seguir crianças que viajam para a Alemanha pela segunda vez e que servem de tradutoras.
Foto: DW/M. Sampaio
Ciclo da ajuda continua
No Aeroporto de Luanda, dois autocarros transportam as crianças até ao avião. Durante a viagem, redobram-se os cuidados com os novos pacientes. Quando chegam à Alemanha, os casos mais graves são imediatamente encaminhados para os hospitais. As restantes crianças seguem para a Friedensdorf, em Oberhausen. O ciclo da ajuda não fica por aqui. A próxima viagem já está agendada para maio de 2015.