Organização considera que obstáculos burocráticos em Moçambique estão a travar um reforço de ajuda humanitária urgente para Cabo Delgado, que deve avançar de forma independente em relação às forças em conflito.
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"São impostas restrições significativas à ampliação da resposta humanitária devido à insegurança em curso e aos obstáculos burocráticos que impedem a importação de determinados fornecimentos e à emissão de vistos para trabalhadores humanitários adicionais", lê-se num comunicado dos Médicos Sem Fronteiras sobre Cabo Delgado divulgado na quarta-feira (12.05), que cita Jonathan Whittall, diretor do departamento de análise da organização humanitária.
"Tendo regressado recentemente de Cabo Delgado, vi em primeira mão como a escala da resposta humanitária não corresponde de forma alguma à dimensão das necessidades", destaca o responsável.
O retrato surge depois de a Organização Internacional das Migrações (OIM) ter apelado a Moçambique, no final de abril, para a implementação de medidas que melhorem a assistência humanitária no norte do país.
"A OIM apela a um acesso humanitário total e a uma redução dos impedimentos burocráticos, incluindo a emissão de vistos [para especialistas da ONU], para garantir uma prestação oportuna e eficiente da ajuda humanitária", assim como "um maior e estratégico envolvimento com o Governo", referiu Laura Tomm-Bonde, chefe de missão da OIM em Moçambique.
Foco no terrorismo serve interesses
Cabo Delgado: Pemba espera por mais deslocados de Palma
02:18
A OIM estima que pelo menos 11.000 pessoas em fuga precisem de ajuda urgente (sobretudo comida e abrigo) às portas do projeto de gás suspenso em abril pela petrolífera Total, em Quitunda, distrito de Palma - além de outros quase 50.000 que já saíram para outros distritos, engrossando os 714.000 deslocados do conflito armado que opõe forças moçambicanas e rebeldes armados em Cabo Delgado.
"O atual foco no 'terrorismo' serve claramente os interesses políticos e económicos daqueles que intervêm em Moçambique", mas "não deve ser à custa de salvar vidas e do alívio do imenso sofrimento que o povo de Cabo Delgado enfrenta", sublinha Whittall.
Falando deste tipo de cenários noutros países como a Síria, Iraque ou Afeganistão, realça que designar um grupo como "terrorista" faz muitas vezes com que "os grupos em questão sejam empurrados ainda mais para a clandestinidade, tornando o diálogo com eles para acesso humanitário mais complexo".
"Embora os Estados possam alegar que não negoceiam com terroristas, os trabalhadores humanitários são obrigados a prestar ajuda humanitária de forma imparcial e a negociar com qualquer grupo que controle o território ou que possa prejudicar os nossos pacientes e funcionários", sublinha.
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Apelo à independência
Os MSF justificam assim a necessidade de trabalharem de forma independente nestes cenários, para ganhar a confiança das partes e ter espaço de diálogo.
As operações de combate ao terrorismo "tentam colocar as atividades humanitárias sob o controlo total do Estado e das coligações militares que as apoiam" e nesse contexto "a ajuda é negada, facilitada ou prestada para aumentar a credibilidade do governo, para conquistar corações e mentes para a intervenção militar, ou para punir comunidades que são acusadas de simpatizar com um grupo da oposição", escreve no comunicado.
A situação prejudica "os mais vulneráveis" razão pela qual "organizações como os MSF precisam de ser capazes de trabalhar de forma independente".
"É nestas situações que temos visto muitas vezes hospitais destruídos e aldeias inteiras arrasadas em ataques que não conseguem distinguir entre alvos militares e civis. As comunidades estão muitas vezes presas entre a violência indiscriminada por grupos armados e a resposta contra o terrorismo por parte do Estado", conclui.
Terrorismo em Cabo Delgado: As marcas da destruição e a crise humanitária
Edifícios vandalizados, presença de militares nas ruas e promessas de soluções por parte de políticos contrastam com a tentativa das populações de levar a vida adiante.
Foto: Roberto Paquete/DW
Infraestruturas vandalizadas
O conflito armado em Cabo Delgado deixou um número de infraestruturas destruídas na província nortenha de Moçambique. Em Macomia, os insurgentes não pouparam nem a Direção Nacional de Identificação Civil. Os danos no prédio do órgão deixaram milhares de pessoas sem documentos. E carro da polícia incendiado.
Foto: Roberto Paquete/DW
Feridas abertas até na sede da Polícia
O edifício da Polícia da República de Moçambique (PRM) em Macomia ainda carrega as marcas de um ataque em 2020. O tanzaniano Abu Yasir Hassan – também conhecido como Yasser Hassan e Abur Qasim - é reconhecido pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos e pelo Governo moçambicano como líder do Estado Islâmico em Cabo Delgado. Não está claro se o grupo é responsável pelos ataques na província.
Foto: Roberto Paquete/DW
"Eliminar todo o tipo de ameaça"
Joaquim Rivas Mangrasse (à esquerda) foi empossado chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas a 16 e março. "É missão das Forças Armadas eliminar todo o tipo de ameaça à nossa soberania, incluindo o terrorismo e os seus mentores, que não devem ter sossego e devem se arrepender de ter ousado atacar Moçambique", declarou o Presidente Filipe Nyusi (centro) na cerimónia de posse, em Maputo.
Foto: Roberto Paquete/DW
Missões constantes para conter os terroristas
Soldados das Forças Armadas de Defesa de Moçambique preparam-se para mais uma missão contra terroristas em Palma. A vila foi alvo de ataques, esta quarta-feira (24.03), segundo fontes ouvidas pela agência Lusa e segundo a imprensa moçambicana. Neste mesmo dia, as autoridades moçambicanas e a petrolífera Total anunciaram, para abril, o retorno das obras do projeto de gás, suspensas desde dezembro.
Foto: Roberto Paquete/DW
Defender o gás natural da península de Afungi
A península de Afungi, distrito de Palma, foi designada como área de segurança especial pelo Governo de Moçambique para proteger o projeto de exploração de gás da Total. O controlo é feito pelas forças de segurança designadas pelos ministérios da Defesa e do Interior. Esta quinta-feira (25.03), o Ministério da Defesa confirmou o ataque junto ao projeto de gás, na quarta-feira (24.03).
Foto: Roberto Paquete/DW
Proteger os deslocados
Soldados das FADM protegem um campo para os desolocados internos na vila de Palma. A violência armada está a provocar uma crise humanitária que já resultou em quase 700 mil deslocados e mais de duas mil mortes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Apoiar os deslocados
De acordo com as agências humanitárias, mais de 90% dos deslocados estão hospedados "com familiares e amigos". Muitos refugiaram-se em Palma. Com as estradas bloqueadas pelos insurgentes em fevereiro e março deste ano, faltaram alimentos. A ajuda chegou de navio.
Foto: Roberto Paquete/DW
Defender a própria comunidade
Soldados das Forças Armadas de Defesa de Moçambqiue estão presentes também no distrito de Mueda. Entretanto, cansados de sofrer nas mãos dos teroristas, antigos militares decidiram proteger eles mesmos a sua comunidade e formaram uma milícia chamada "força local".
Foto: Roberto Paquete/DW
Levar a vida adiante
No mercado no centro da vida de Palma, a população tenta seguir com a vida normal quando a situação está calma. Apesar da ameaça constante imposta pela possibilidade de um novo ataque, quando "a poeira abaixa", a normalidade parece regressar pelo menos momentaneamente...
Foto: Roberto Paquete/DW
Aprender a ter esperança com as crianças
Apesar de todo o caos que se instalou um pouco por todo o lado em Cabo Delgado, a esperança por um vida normal continua entre as poulações. Na imagem, crianças de famílias deslocadas que deixaram as suas casas, fugindo dos terroristas, e foram para a cidade de Pemba. Vivem no bairro de Paquitequete e sonham com um futuro próspero, sem ter de depender da ajuda humanitária e longe da violência.