Médicos Sem Fronteiras descrevem cenário de horror na RDC
Martina Schwikowski | nn | Lusa
28 de agosto de 2017
Há quase um ano que a província de Kasai, na República Democrática do Congo, é assolada por conflitos étnicos e violência, semana após semana. Há regiões que não estão acessíveis às equipas de ajuda humanitária.
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A violência na região central de Kasai já provocou cerca de três mil mortos. "A violência era de tal forma que até os pássaros deixaram de cantar vários dias", conta em entrevista à DW África Joanne Liu, médica pediatra e presidente da organização humanitária Médicos Sem Fronteiras, que visitou a região. "As histórias são horríveis. As pessoas viram os seus familiares serem mortos, espancados, abusados sexualmente ou até decapitados", diz.
De acordo com números da Organização das Nações Unidas, o conflito na RDC já provocou a fuga de 3,8 milhões de pessoas. Angola é um dos destinos. Em meados do mês de agosto, a Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR) iniciou a transferência de 33.000 refugiados dos centros de acolhimento já lotados, no norte de Angola, para um novo campo em Lóvua.
Entretanto, cerca de sete mil refugiados já regressaram voluntariamente à RDC, revelou na semana passada João Lourenço, vice-presidente do MPLA, que segundo os resultados provisórios divulgados pela Comissão Nacional Eleitoral (CNE) foi eleito Presidente da República. "Vamos continuar a acolher os refugiados que eventualmente possam surgir", assegurou João Lourenço.
Joanne Liu (MSF): "As histórias são horríveis"
A fuga das regiões sob ataque é a única forma de sobrevivência, sublinha a presidente da Médicos Sem Fronteiras. "Fogem das vilas e ficam dias, se não até semanas, escondidas no mato, até se sentirem seguras para procurar ajuda médica", diz.
A ONG tem-se deparado com muitos casos de pessoas com feridas profundas e completamente na miséria. "E muitas vezes a infecção chegava ao osso. Vimos casos de osteomielite e várias situações complicadas de fraturas expostas", conta ainda Joanne Liu.
Assistência garantida
Enquanto a situação de segurança na região de Kasai permanecer volátil, as autoridades angolanas, o ACNUR e os parceiros prometem proteção e assistência para 50 mil congoleses até ao final de 2017.
Luanda já garantiu que todos os refugiados iriam receber um terreno para construir abrigos e cultivar alimentos. Também a Médicos Sem Fronteiras promete manter a missão no Kasai, sobretudo para garantir estabilidade.
O ACNUR, juntamente outras agências humanitárias, lançou um apelo em junho para a doação de 65,5 milhões de dólares para que Angola ofereça proteção e assistência aos refugiados congoleses do Kasai. Até agora, chegaram apenas 32% dos fundos necessários.
Angola: Congoleses denunciam horrores vividos
A província da Lunda Norte, em Angola, está a acolher diariamente centenas de congoleses que continuam a fugir à violência na região do Kasai, na República Democrática do Congo.
Foto: DW/N. Sul d'Angloa
Mais de um milhão de deslocados
Estima-se que, pelo menos, 3.300 pessoas tenham já morrido na sequência do conflito que, desde agosto de 2016, se tem desenrolado nas região do Kasai e Kasai Central, na República Democrática do Congo, (RDC). 1,3 milhões de congoleses foram obrigados a fugir da região devido à violência da milícia Kamuina Nsapu.
Foto: DW/N. Sul d'Angola
Millhares no Campo de Kakanda
Germaine Alomba tem 29 anos e é uma das congolesas que conseguiu atravessar a fronteira rumo a Angola, estando abrigada, atualmente, no centro provisório de Kakanda. Como ela, cerca de 30 mil congoleses estão refugiados em Angola. A este campo chegam, todos os dias, cerca de 500 pessoas, muitas delas transportadas em camiões e autocarros cedidos pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Foto: DW/N. Sul d'Angloa
Acusações a Kabila
Segundo as autoridades católicas no Congo, já foram encontradas mais de 40 valas comuns na região do Kasai. Congoleses em Angola ouvidos pela DW África, revelam que a violência contínua tem sido alimentada pelo Governo de Kabila. "[Ele] está a organizar uma guerra, está a entregar armas aos civis para matar a população. O sofrimento neste momento é muito", denuncia Jimba Kuna, um dos refugiados.
Foto: DW/N. Sul d'Angola
Familiares desaparecidos
Odia Rose é outra das vítimas deste conflito. A sua filha adolescente, de 15 anos, desapareceu quando ambas tentavam fugir à violência no seu país. Hoje, conta à DW, "reza todos os dias para a reencontrar com vida".
Foto: DW/N. Sul d'Angloa
Repetem-se as atrocidades
Mbumba-Ntumba é o espelho das atrocidades que sucedem na região do Kasai. "Estava em minha casa e um grupo de pessoas entrou e começou a bater-me. Cortaram o meu braço com uma catana e bateram-me na cabeça", contou em entrevista à DW África o congolês de 65 anos. Ntumba foi resgatado inconsciente por voluntários da Cruz Vermelha que o levaram até à fronteira com Angola.
Foto: DW/N. Sul d'Angloa
Violência sem fim
As atrocidades não ficam por aqui. Recentemente, o Conselho de Direitos Humanos da ONU voltou a enviar peritos para a região para investigar as denúncias de abusos, incluindo decapitações. Há relatos de refugiados que contam que foram forçados a enterrar vítimas em valas comuns e que afirmam que as milícias terão atacado e mutilado bebés e crianças.
Foto: DW/N. Sul d'Angloa
Crianças sozinhas
Dados da Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) indicam que mais da metade dos deslocados são menores e que, em muitas ocasiões, foram separados dos seus pais e familiares - como é o caso das quatro crianças na fotografia, atualmente refugiadas no Campo em Kakanda, Angola.
Foto: DW/N. Sul d'Angloa
Aulas de Língua Portuguesa
Tanto no Campo de Mussunga, onde se encontram alguns refugiados, como em Kakanda, onde está a maioria, foram criadas escolas improvisadas onde é ensinada às crianças a língua portuguesa.
Foto: DW/N. Sul d'Angloa
Necessária mais ajuda
Em Angola, os centros de acolhimento improvisados estão já sobrelotados. Em entrevista à DW África, o bispo da diocese da Lunda Norte, Estanislau Chindecasse, explicou que é necessária “mais ajuda para que as pessoas possam ter, pelo menos, duas ou três refeições. O que estamos a fazer é o mínimo, porque não há outras possibilidades”, deu conta.