Instituições alemãs ajudam projeto social que reúne jovens de bairros carenciados de Lisboa. Muitos dos beneficiados são de origem africana.
Publicidade
Em Lisboa, jovens integrantes do projeto social multicultural Orquestra Geração serão beneficiados com uma ajuda de 12 mil. A inciativa é do Instituto Goethe, em parceria com outras a Associação Bartolomeu dos Alemães em Lisboa e a Embaixada Alemã em Portugal, que até este sábado promovem na capital portuguesa a oitava edição do Festival Cantabile – evento de música clássica.
Inspirados no sucesso do festival em 2016, estas três instituições concluíram que a música erudita pode ajudar a combater a exclusão social. Decidiram por isso apoiar a Orquestra Geração, um projeto pedagógico multicultural que ajuda, através da música, a inclusão de mais de mil jovens, muitos deles oriundos de famílias carenciadas de bairros dos arredores de Lisboa considerados problemáticos. A verba destina-se à compra de instrumentos diversos destinados à formação musical de jovens desfavorecidos.
Juvânia Gomes faz parte da Orquestra Geração. A jovem portuguesa, de 16 anos de idade, aluna do 11º ano, é filha de pais angolanos. Ela toca violino na orquestra de Loures e canta num grupo de jazz. Sempre gostou de música.
"Sempre quis ter uma ligação com a música. Entretanto, um dia chega a minha irmã em casa com um instrumento gigantesco, isto em 2010. Fiquei fascinada e perguntei-lhe o que é isto? Ela disse que surgiu um projeto de música na escola dela, em orquestra, e ela entrou. E eu disse que também queria entrar. Então, no ano seguinte entrei", relata.
O gosto pelo violino surgiu graças ao apoio de um professor. "Inicialmente ia tocar viola, pois ela tocava violoncelo. Então, assim íamos ter instrumentos parecidos, com as peças parecidas, que eu na altura pensava que iam ser parecidas. Mas, entretanto, cheguei à minha primeira aula e o meu professor disse-me: 'eu acho que é melhor tu tocares violino porque tens uma postura e dedos para tal'. Então, foi assim que eu comecei a tocar violino e apaixonei-me logo pelo instrumento".
A música clássica como estilo de vida
A jovem, que vive no bairro da Quinta do Mocho, em Sacavém (concelho de Loures), diz que a música clássica influenciou o seu modo de vida. "Mudou a minha forma de pensar que a música clássica não é só para as pessoas que têm possibilidades. Não é só para quem tem um nível de vida superior, pois todos nós podemos gostar de coisas diferentes independentemente do nosso nível de estabilidade financeira. A música clássica revela isso em mim”.
Juvânia Gomes também admite que a música clássica pode contribuir para combater a exclusão social de africanos negros na sociedade portuguesa. "É raro ver um negro ou pessoas de raça africana numa orquestra. Eu acho que a música clássica vem também combater isso", refere. "A Orquestra Geração possibilita-nos fazer parte do mundo da música clássica", afirma sorridente.
Sente-se orgulhosa por isso. Porque também constitui uma referência para outros jovens do bairro e uma das promessas da Orquestra Geração, dirigida por António Wagner Diniz, descendente de alemães.
Doações beneficiam projeto com instrumentos
O projeto, de caráter pedagógico e que abrange jovens portugueses de várias origens, receberá este ano a doação das três instituições alemãs, de mais de 12 mil euros, destinados a comprar 37 instrumentos para a orquestra. São 15 violinos, nove violas de arco, 10 violoncelos e três contrabaixos, destinados a mais três escolas.
"Sendo uma oferta de tantos instrumentos, vai nos permitir alargar a nossa ação a mais escolas. Portanto, a nossa ação tem sido uma ação direcionada para os bairros periféricos de Lisboa mais porque nesses bairros, devido à sua caraterística ou ao seu tecido social, não há uma oferta de ensino artístico", explica o professor.
Muitos dos jovens, atraídos para a orquestra, são de bairros considerados problemáticos, adianta o também professor e adjunto da direção do Conservatório Nacional em Lisboa.
"Estamos a falar em territórios muito difíceis. São territórios em que há droga, tráfico de armas, pequeno crime. E, portanto, são zonas em que, por exemplo, os tempos livres têm que ser ocupados para, evidentemente, fazer com que as crianças não caiam nesse tipo de atividades. Aí temos tido sucesso no combate ao abandono escolar. Temos tido sucesso até no aumento do rendimento escolar dos miúdos".
Diniz acrescenta que "muitos dos que já passaram pelo projeto estão no ensino superior ou no ensino técnico-profissional, ligados já à inserção no mercado".
Orquestra-música clássica - MP3-Mono
Ajuda no combate à exclusão social
A DW falou também com Constantin Ostermann Von Roth, da Associação São Bartolomeu dos Alemães em Lisboa, uma das três instituições que decidiram apoiar a inclusão social dos jovens desfavorecidos.
"Ficamos logo encantados porque a Associação São Bartolomeu é uma instituição de solidariedade social e nós temos um grande interesse também na cooperação com certas instituições, especialmente quando tem com alguma ligação com a Alemanha. E, nesse caso, essa ligação veio através do Instituto Goethe, que também teve um grande interesse junto com a Embaixada da Alemanha no sentido de apoiar a Orquestra Geração".
Constantin Ostermann considera que "tudo que tem a ver com a educação, especialmente educação musical, pode sempre ajudar" a combater a exclusão social destes jovens.
Bairro da Jamaica na margem sul de Lisboa: A prolongada esperança
A Urbanização do Vale de Chícharos no Seixal, concelho do distrito de Setúbal (Grande Lisboa), acolhe, na sua maioria, imigrantes dos países africanos de língua portuguesa. Há quem viva no bairro há mais de 20 anos.
Foto: J. Carlos
Décadas à espera de realojamento
Os prédios inacabados, propriedade da Urbangol, uma sociedade sedeada num paraíso fiscal com dívidas ao fisco, foram ocupados por pessoas de baixa renda que não tinham condições para comprar uma casa. Aguardam, ao longo destes anos, pela promessa de realojamento por parte da autarquia local.
Foto: J. Carlos
Arte e desabafo por um bairro melhor
Por uma das entradas do Jamaica, os visitantes são recebidos por estes murais pintados na parede que cerca a instalação de transformadores da EDP, Energias de Portugal. As pinturas expõem os sentimentos de mudança e a visão do mundo por parte dos artistas que aspiram viver em um bairro melhor.
Foto: J. Carlos
Os ídolos Bob Marley e Che Guevara
O lendário músico jamaicano Bob Marley ou o líder guerrilheiro argentino-cubano Che Guevara são uma espécie de ídolos para os jovens artistas autores destas pinturas. Ao longo da parede, que funciona como uma tela, veem-se outros motivos, incluindo a reprodução de um bairro típico imaginário em África.
Foto: J. Carlos
Falta de água e de luz
Nos cafés ou em outro ponto de encontro e de convívio, os moradores acabam por falar e questionar sempre sobre os inúmeros problemas com que se deparam no dia-a-dia. A falta de água e de saneamento básico ou os cortes de luz pela empresa fornecedora quando não são pagas as faturas coletivas constituem uma dor de cabeça diária.
Foto: J. Carlos
Mas, na hora de matar a fome…
Enquanto não vem uma solução para o realojamento, a vida não para no Jamaica. Aos fins de semana, a música ajuda a acalentar os problemas. Os grelhados à moda dos países de origem, preparados neste caso pela são-tomense Vitória Silva, servem para matar a fome depois de um dia de trabalho árduo.
Foto: J. Carlos
… Pratos típicos juntam amigos
Percorrendo o território adjacente, encontram-se vários espaços anexados como este, adaptados para café e ou restaurantes, são uma das fontes de rendimento familiar. Os pratos típicos de África, sobretudo à base de peixe e banana, recheiam as mesas dos clientes provenientes de sítios diversos e servem de pretexto para reunir amigos.
Foto: J. Carlos
Cultivar para render
Em uma pequena parcela do terreno à volta, há moradores com alguma experiência agrícola que improvisaram hortas com variedades de hortaliças para consumo próprio. Plantam couves, alfaces, tomates, cebolas, alhos e batatas, entre outros produtos que ajudam a aliviar as despesas com a alimentação.
Foto: J. Carlos
Produzir para sobreviver
Também com o mesmo objetivo, a criação de galinhas reforça a dieta alimentar caseira. Para alguns dos moradores desempregados ou não, esta é uma das formas para suprir as muitas dificuldades de sobrevivência quando é baixo o rendimento familiar.
Foto: J. Carlos
Desemprego, droga e prostituição inquietam
O desemprego é um dos males que inquietam jovens mães como Vanusa e Aurora Coxi. Dizem que os habitantes são, de certo modo, discriminados quando procuram emprego pela fama desmerecida de aqui morarem. Isso leva muitos jovens a seguir por caminhos impróprios, do roubo, do tráfico de droga ou da prostituição. Ambas têm um sonho: acabar a universidade, interrompida por dificuldades diversas.
Foto: J. Carlos
Inundação e humidade
A estes problemas juntam-se as condições de habitabilidade nos prédios, que afetam a maioria das mais de 800 pessoas aqui residentes. Júlio Gomes, guineense que mora num anexo improvisado na parte traseira de um dos prédios, é afetado pela inundação quando chove ou quando rompe a canalização do sistema de esgotos do vizinho do andar de cima.
Foto: J. Carlos
Acesso à tarifa social de eletricidade
Os moradores estão em conflito com a empresa que fornece eletricidade (EDP), porque o critério de cobrança não é o mais adequado. É a associação do bairro que recebe o dinheiro dos consumos mensais e paga as faturas únicas por lote, consoante a leitura no contador colocado em cada prédio. Mas há quem não pague. Os clientes reclamam por não beneficiarem de tarifa social.
Foto: J. Carlos
Sede a precisar de reabilitação
Na sede da Associação para o Desenvolvimento Social da Urbanização de Vale de Chícharos, onde vive uma família, as inundações também constituem um incómodo quando chove. Aqui têm lugar as reuniões para discutir os problemas que afetam os residentes, entre os quais o realojamento. Reabilitar o espaço, onde também funcionam aulas de alfabetização, é uma solução em stand by por falta de recursos.
Foto: J. Carlos
Parque infantil inseguro
Ao lado da sede está um pequeno parque infantil, igualmente sem as condições mínimas de segurança para as crianças brincarem. Os poucos equipamentos nele existentes estão em mau estado de conservação e utilização. Este é, entretanto, um dos poucos espaços de lazer que dispõem para descarregar energia e preencher o tempo.
Foto: J. Carlos
Ação social imprescindível
A CRIAR-T – Associação de Solidariedade tem prestado serviço útil à comunidade, já lá vão mais de 15 anos. As suas várias valências permitem, além de apoio social, acolher crianças enquanto os pais vão trabalhar. Porque «é um perigo elas andarem pelo bairro a brincar», diz Dirce Noronha, presidente da Associação para o Desenvolvimento de Vale de Chícharos.