O DJ são-tomense Van Der esteve na Alemanha para dar a conhecer o seu trabalho. É que, além da internet, o contacto com o público continua a ser um veículo importante para a divulgação da música.
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As redes sociais e outras tecnologias só aumentaram o acesso do público ao material produzido por artistas dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). Na rede, por exemplo, é possivel conferir o trabalho de jovens talentos como o DJ Van Der, nascido em São Tomé e Príncipe. Ele mistura música electrónica e elementos culturais do arquipélogo de onde veio.
Van Der, de 27 anos, cresceu nas periferias de Lisboa, numa comunidade densa de africanos que têm origens em países lusófonos. E assim começou um intercâmbio cultural.
"Apesar de termos origens diferentes (porque os nossos pais tinham origens diferentes), conseguimos absorver as culturas uns dos outros, conseguimos criar uma comunidade muito unida. A música foi muito importante nisso. Nós vivíamos em bairros sociais, crescemos em barracas dos anos 1990 e o sentimento de comunidade lá sempre foi muito forte. Era muito fácil um vizinho tirar as colunas de casa, pô-las na rua e começar a passar música, as pessoas aparecerem e começarem a dançar. Sem preconceito nenhum, o sentimento maior era de africanidade", lembra o músico.
"O papel de um DJ é importante, porque são as pessoas quem mudam a realidade. Para sentir que fazem parte de alguma coisa, as pessoas precisam de ter algo que as façam integrar-se. E na música isso é mais fácil de acontecer", pontua Van Der.
O músico são-tomense participou no Festival Tanto Mar (18.11), realizado pelo Centro Mundo Lusófono, agregado à Universidade de Colónia, na Alemanha. O evento comemorou os 85 anos do Instituto Luso-Brasileiro da Universidade.
"Falta o contacto físico, um elemento importante" na promoção da música, destaca o produtor cultural João Martins, que organizou o festival. Foi precisamente para promover o contacto com artistas lusófonos e de outros países que o festival, pela primeira vez, teve lugar fora do ambiente académico.
"Tanto Mar" para aproximar distâncias
Para o alemão Sebastian Iken, um dos organizadores do Festival Tanto Mar e professor do Centro Mundo Lusófono, o evento serve como "uma plataforma" em que músicos dos PALOP se poderão apresentar, "desde que os artistas estejam interessados em vir para a Alemanha, que as condições sejam favoráveis para viagens (vistos e passaporte), que possam realmente sair do país". Sebastian Iken adianta ainda que está em vista um outro projeto para o ano de 2018.
"Pessoalmente, eu conheço a música cabo-verdiana e a guienense que são, de certa forma, artes ainda pouco conhecidas. É um mercado ainda a explorar", sublinha o professor Sebastian Iken.
Aproximar artistas
No espaço da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) ainda há barreiras burocráticas que, de alguma forma, eventos como o Festival Tanto Mar ajudam a eliminar, juntando artistas.
Para o produtor cultural João Martins, só ouvir músicas não basta. "A nossa ideia foi precisamente dar a conhecer esta cultura que existe hoje e que é excelente, que tem as especificidades de cada lugar, que de alguma forma nos une e que muitas vezes desconhecemos", explica.
O grande objetivo de João Martins, ao organizar eventos como o Festival Tanto Mar, é "que as pessoas entrem em contacto, que não é unicamente mediado pela internet, mas um contacto pessoal com os músicos e que se estabeleçam laços de amizade" que possivelmente resultem em "futuras colaborações artísticas", de forma a dar a conhecer a produção artística nos países lusófonos.
A música como causa social
Para o DJ Van Der, a música é muitas vezes uma questão de afirmação pessoal e social, um escape. "No nosso caso [na periferia de Lisboa], a música uniu e suavizou os problemas" e é ainda "uma forma de mudar a mentalidade".
Música lusófona é ainda amplo mercado mercado a explorar
"Quantos miúdos começaram a produzir este tipo de música de forma autoditada em casa? Muitos deles, se calhar, tinham um estilo de vida que na altura não viam, mas não era bom, por questões estruturais. Porém ouvem música, começam a focar [num objetivo], em vez de estarem na rua. E hoje em dia, conseguem até viver da música. E aquele caminho que poderia ser mau já não vai acontecer mais", descreve o DJ.
Para Van Der, tem que haver uma mudança estrutural na forma como se encara a música, que não venha apenas dos países ocidentais e que não seja de influência europeia ou americana.
A edição do Festival Tanto Mar deste ano contou com o coral Vozes do Brasil e com o grupo de teatro Lusotaque.
Os dez músicos brasileiros que mais se empenharam para fazer a ponte África-Brasil
A música torna-se um dos maiores aliados para eliminar diferenças e polémicas como, por exemplo, se o samba é brasileiro ou de Angola. Estes dez artistas colocam África em destaque de forma inovadora e revolucionária.
Foto: W. Montenegro
Viagens em livros e muita música
Martinho da Vila faz um verdadeiro manifesto anti-racista no livro "Kizombas, Andanças e Festanças", lançado pela primeira vez em 1972. O cantor e compositor, que assina alguns dos maiores sucessos da música brasileira, aparece no topo da lista dos músicos brasileiros que mais contribuíram para a ponte Brasil-África de acordo com diferentes instituições e especialistas ouvidos pela DW África.
Foto: Getty Images/R. Dias
"Marrom" graças ao amor pelas origens
Alcione Dias Nazareth, a Marrom, viajou diversas vezes para apresentações em países africanos, como Angola e Moçambique. Depois de 25 anos sem ir a Cabo Verde, a maranhense fez uma apresentação, em 2011, para celebrar os seus 40 anos de carreira. Do arquipélogo, inclusive, gravou "Regresso" (Mamãe Velha), composição histórica de Agostinho José que usou um poema de Amílcar Cabral.
Foto: Getty Images/F.Calfat
Sons e política em oração
Gilberto Gil, músico e ex-ministro da Cultura do Brasil, procurou desconstruir equívocos na música "Mão da Limpeza", em 1983, levando em conta o pejorativo termo de que "negro quando não suja na entrada, suja na saída". Cantada ao lado de Chico Buarque, valoriza a contribuição dos afro-brasileiros na gastronomia e cultura brasileiras. Em 1985, lançou a "Oração Pela Libertação da África do Sul".
Foto: FAO/Giulio Napolitano
"A carne mais barata do mercado é a carne negra"
Elza Soares é militante assumida numa carreira de mais de 60 anos e apresenta em muitas das suas músicas a realidade do negro, tomando como ponto central a mulher. Nascida na favela da Moça Bonita, Rio de Janeiro, em 1937, Elza não perde oportunidade para gravar canções como "A Carne", de Seu Jorge, Marcelo Yuca e Wilson Capellette. O mais recente trabalho é "A Mulher do Fim do Mundo" (2016).
Foto: Getty Images/K.Betancur
Composições e inspiração para novos artistas
Mateus Aleluia (esq.) morou 20 anos em Angola e sempre procurou ligações com outros artistas para dar vida à África perdida na história do Brasil. O músico nascido no estado brasileiro da Bahia inspira trabalhos de nomes como Carlinhos Brown, Nação Zumbi e Cidade Negra. Aleluia integrou o legendário "Tincoãs", nos anos 1970. Na foto, está ao lado de Bule-Bule (centro) e Raimundo Sodre (dir).
Foto: picture-alliance/ dpa/S.Creutzmann
Morena de Angola, Moçambique e Brasil
Clara Nunes (1942-1983) fascina quem pesquisa sobre o Brasil e está em África. O inédito nela é ter cantado sobre elementos fora do dia-a-dia das pessoas, como em "Mãe África", do marido Paulo César Pinheiro e Sivuca. Foi desta forma que rompeu paradigmas, vendendo mais de 100 mil cópias. É retratada no documentário Clara Estrela (2017), dirigido pelos brasileiros Susanna Lira e Rodrigo Alzugui.
Foto: W. Montenegro
O Sul do mundo em lágrimas
Milton Nascimento compôs a Missa dos Quilombos, em 1981, para denunciar as consequências da escravidão e do preconceito no Brasil. Criado por pais adotivos brancos, impulsionou a criação dos Tambores de Minas, nos anos 1990, e trabalhou com projetos envolvendo novos talentos. Com mais de 50 anos de carreira, escreveu Lágrima do Sul, ao lado de Marco Antônio Guimaraes, do grupo Uakti.
Foto: picture-alliance/dpa/M.Cruz
Afro-brasileiro fora da África e do Brasil
Desde o início da sua carreira, nos anos 1960, Jorge Ben Jor manteve-se mais próximo dos aspectos afro-brasileiros, afastando-se da Bossa Nova que dominava a cena musical brasileira. O guitarrista, cantor e compositor gravou "África Brasil", em 1976. É deixando-se ser marcado por esta influência que se apresenta em diversos pontos do planeta, como no Festival de Montreux, na Suíça (foto).
Foto: picture-alliance/dpa/S.Campardo
Sem dar adeus à Àfrica
Naná Vasconcelos (1944-2016) já começou sua carreira intitulando o primeiro disco de "Africadeus", em 1973. Respeitado no mundo inteiro por valorizar as culturas africana e negra em seu trabalho, ganhou oito prémios Grammy. De 1983 a 1990, foi o Melhor Percussionista do Ano, da revista Down Beat. Em 2010, o pernambucano reuniu meninas e meninos de Angola, Brasil e Portugal no projeto Língua Mãe.
Foto: picture-alliance/dpa/S.Moreira
Revolução em lugares inesperados
Já no início da carreira, nos anos 1960, Maria Bethânia fazia invocações africanas e revolucionou aglutinando dois continentes dentro de boates! Com uma trajetória sólida, em 1986, gravou com o grupo sul-africano Lady Smith Black Mambazo. Ao lado de Mingas, Mia Couto e Agualusa, a intérprete baiana acaba de lançar o documentário "Karingana, Licença para Contar" (2017), de Monica Monteiro.