Música para "abreviar distâncias" entre os países lusófonos
Richard Furst
3 de janeiro de 2018
Três músicos brasileiros decidiram unir-se para trabalhar com a literatura de todos os oito países do mundo que falam português. O resultado está no CD "Canções Para Abreviar Distâncias".
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Três músicos do estado brasileiro de Minas Gerais perceberam que a população dos oito países onde o português é falado, apesar das facilidades na internet, ainda têm pouco contacto com um outro país onde se fala o mesmo idioma. Por isso, tentaram despertar o interesse nas pessoas em mostrar o que há em comum e que as diferenças acabaram colaborando para esta relação.
Nascia, assim, a vontade de compilar um trabalho sólido em disco. E depois de muito trabalho, foi lançado em 2017, o CD "Canções Para Abreviar Distâncias: uma viagem pela língua portuguesa".
"É aquela velha história: se uma estrelinha do mar for devolvida ao oceano, fez diferença para ela. Se a gente pensar em muita quantidade, a gente acaba por não fazer nada", detalha a brasileira Isabella Bretz, formada em Relações Internacionais, que lidera o projeto que surgiu junto ao CD de conectar mais os países lusófonos.
Música para "abreviar distâncias" entre os países lusófonos
Isabella Bretz, cantora autodidata, conseguiu reunir oito escritores dos oito países onde se fala português. Ela musicou oito poemas de autores consagrados e que estão vivos. Bretz juntou-se a outros amigos no Brasil para avançar o projeto, entre eles Rodrigo Lana e Matheus Félix.
"O meu objetivo central do projeto é unir os povos da lusofonia, despertar este interesse no que é produzido em outro país na sua própria língua", completa a cantora.
O resultado é uma mistura de literatura, música e o amor pelo mundo, conta Isabella Bretz, que confessa que foi nada fácil reunir todo este trabalho, não só por causa das longas distâncias.
"É preciso ter um pouco mais de resiliência também, de persistência, buscar alternativas e principalmente aliar-se a outras pessoas que já estão a fazer este trabalho há muito mais tempo. Eu Isabela, sozinha, não consigo abraçar o mundo deste jeito, seria muita pretenção minha. O que eu tenho buscado é vincular-me às instituições, a pessoas que tenham este mesmo propósito do que eu", revela a artista brasileira.
Mais apresentações em 2018
O álbum "Canções Para Abreviar Distâncias" recebeu apoio da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). O trabalho já foi apresentado em Portugal (continente e Açores), levado até Cabo Verde e novas apresentações estão planeadas para 2018, que podem incluir Angola e Moçambique.
A coordenadora do projeto não esconde a vontade de se apresentar nestes países, chegou até a se encontrar com o moçambicano Mia Couto.
"Naquele momento a gente percebeu que esta distância gigante, entre o Brasil e Moçambique, não existe, quando a gente se senta lado a lado. Somos apenas duas pessoas, dois seres humanos com as suas histórias, com os seus trabalhos e eu acho que este é o objetivo final do meu projeto", sublinha Bretz.
Composições individuais
As composições no CD são individuais e não seguem ritmos específicos de cada país mencionado, porém vão de acordo com a temática que os textos têm. Os instrumentos centrais são o piano, violino e violão, acompanhados de acordeão, baixo, viola, violoncelo, percussões, instrumentos digitais e outros efeitos, ao lado de sons digitais.
Os oito poemas que foram musicados são: Na hora de pôr a mesa, de José Luís Peixoto (Portugal); O Cercado, de Ana Paula Tavares (Angola); Espiral, de Mia Couto (Moçambique); Ai se um dia, de Vera Duarte (Cabo Verde); Poemar, de Odete Semedo (Guiné-Bissau); Poema Ancestral, de Crisódio T. Araújo (Timor-Leste); Alvará de Demolição, de Adélia Prado (Brasil) e Transitório, de Conceição Lima (São Tomé e Príncipe).
Os dez músicos brasileiros que mais se empenharam para fazer a ponte África-Brasil
A música torna-se um dos maiores aliados para eliminar diferenças e polémicas como, por exemplo, se o samba é brasileiro ou de Angola. Estes dez artistas colocam África em destaque de forma inovadora e revolucionária.
Foto: W. Montenegro
Viagens em livros e muita música
Martinho da Vila faz um verdadeiro manifesto anti-racista no livro "Kizombas, Andanças e Festanças", lançado pela primeira vez em 1972. O cantor e compositor, que assina alguns dos maiores sucessos da música brasileira, aparece no topo da lista dos músicos brasileiros que mais contribuíram para a ponte Brasil-África de acordo com diferentes instituições e especialistas ouvidos pela DW África.
Foto: Getty Images/R. Dias
"Marrom" graças ao amor pelas origens
Alcione Dias Nazareth, a Marrom, viajou diversas vezes para apresentações em países africanos, como Angola e Moçambique. Depois de 25 anos sem ir a Cabo Verde, a maranhense fez uma apresentação, em 2011, para celebrar os seus 40 anos de carreira. Do arquipélogo, inclusive, gravou "Regresso" (Mamãe Velha), composição histórica de Agostinho José que usou um poema de Amílcar Cabral.
Foto: Getty Images/F.Calfat
Sons e política em oração
Gilberto Gil, músico e ex-ministro da Cultura do Brasil, procurou desconstruir equívocos na música "Mão da Limpeza", em 1983, levando em conta o pejorativo termo de que "negro quando não suja na entrada, suja na saída". Cantada ao lado de Chico Buarque, valoriza a contribuição dos afro-brasileiros na gastronomia e cultura brasileiras. Em 1985, lançou a "Oração Pela Libertação da África do Sul".
Foto: FAO/Giulio Napolitano
"A carne mais barata do mercado é a carne negra"
Elza Soares é militante assumida numa carreira de mais de 60 anos e apresenta em muitas das suas músicas a realidade do negro, tomando como ponto central a mulher. Nascida na favela da Moça Bonita, Rio de Janeiro, em 1937, Elza não perde oportunidade para gravar canções como "A Carne", de Seu Jorge, Marcelo Yuca e Wilson Capellette. O mais recente trabalho é "A Mulher do Fim do Mundo" (2016).
Foto: Getty Images/K.Betancur
Composições e inspiração para novos artistas
Mateus Aleluia (esq.) morou 20 anos em Angola e sempre procurou ligações com outros artistas para dar vida à África perdida na história do Brasil. O músico nascido no estado brasileiro da Bahia inspira trabalhos de nomes como Carlinhos Brown, Nação Zumbi e Cidade Negra. Aleluia integrou o legendário "Tincoãs", nos anos 1970. Na foto, está ao lado de Bule-Bule (centro) e Raimundo Sodre (dir).
Foto: picture-alliance/ dpa/S.Creutzmann
Morena de Angola, Moçambique e Brasil
Clara Nunes (1942-1983) fascina quem pesquisa sobre o Brasil e está em África. O inédito nela é ter cantado sobre elementos fora do dia-a-dia das pessoas, como em "Mãe África", do marido Paulo César Pinheiro e Sivuca. Foi desta forma que rompeu paradigmas, vendendo mais de 100 mil cópias. É retratada no documentário Clara Estrela (2017), dirigido pelos brasileiros Susanna Lira e Rodrigo Alzugui.
Foto: W. Montenegro
O Sul do mundo em lágrimas
Milton Nascimento compôs a Missa dos Quilombos, em 1981, para denunciar as consequências da escravidão e do preconceito no Brasil. Criado por pais adotivos brancos, impulsionou a criação dos Tambores de Minas, nos anos 1990, e trabalhou com projetos envolvendo novos talentos. Com mais de 50 anos de carreira, escreveu Lágrima do Sul, ao lado de Marco Antônio Guimaraes, do grupo Uakti.
Foto: picture-alliance/dpa/M.Cruz
Afro-brasileiro fora da África e do Brasil
Desde o início da sua carreira, nos anos 1960, Jorge Ben Jor manteve-se mais próximo dos aspectos afro-brasileiros, afastando-se da Bossa Nova que dominava a cena musical brasileira. O guitarrista, cantor e compositor gravou "África Brasil", em 1976. É deixando-se ser marcado por esta influência que se apresenta em diversos pontos do planeta, como no Festival de Montreux, na Suíça (foto).
Foto: picture-alliance/dpa/S.Campardo
Sem dar adeus à Àfrica
Naná Vasconcelos (1944-2016) já começou sua carreira intitulando o primeiro disco de "Africadeus", em 1973. Respeitado no mundo inteiro por valorizar as culturas africana e negra em seu trabalho, ganhou oito prémios Grammy. De 1983 a 1990, foi o Melhor Percussionista do Ano, da revista Down Beat. Em 2010, o pernambucano reuniu meninas e meninos de Angola, Brasil e Portugal no projeto Língua Mãe.
Foto: picture-alliance/dpa/S.Moreira
Revolução em lugares inesperados
Já no início da carreira, nos anos 1960, Maria Bethânia fazia invocações africanas e revolucionou aglutinando dois continentes dentro de boates! Com uma trajetória sólida, em 1986, gravou com o grupo sul-africano Lady Smith Black Mambazo. Ao lado de Mingas, Mia Couto e Agualusa, a intérprete baiana acaba de lançar o documentário "Karingana, Licença para Contar" (2017), de Monica Monteiro.