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Cultura

Música para além do que se pode ver

Meyre Brito
9 de outubro de 2017

Depois de um mês a percorrer Bélgica, Áustria e Alemanha, os músicos cabo-verdianos BAU & Kapa deram o seu último concerto na pequena cidade alemã de Mülheim an der Ruhr, no sábado (07.10). Música já deixa "Sodade".

A banda BAU & Kapa fazendo música trandicional de Cabo Verde para o público alemãoFoto: DW/M. Brito

Tudo começou em um café de Mindelo, na Ilha de São Vicente, em Cabo Verde. Era uma noite como outras. Os dois músicos, Rufino Almeida, conhecido como BAU, e José Carlos de Melo e Pinto, o Kapa, estavam a fazer um pequeno concerto, quando um casal de alemães os convidou para mostrar a música cabo-verdiana na Alemanha.

Depois, Markus Leukel, um percussionista alemão que já vive na Ilha há muitos anos, juntou-se a eles. Para formar o que viria a se tornar um quarteto, BAU convidou o baixista que já havia tocado com ele muitos anos ao lado da lendária Cesária Évora, o músico Zé Paris.

A ideia era ver o que poderia sair da junção de poucos instrumentos. Uma experiência, como BAU gosta de ver a vida. "Um alemão nos ouviu e fez o convite. Ele disse para o Kapa que tinha um espaço para fazer espetáculos. Como o Markus tem muito conhecimento dessas pequenas salas na Alemanha, ele gostou da ideia. Dos três shows oferecidos pelo alemão, Markus conseguiu fechar mais outros 15", contou BAU em entrevista à DW.

As mornas, música tradicional de Cabo Verde, percorreram a Bélgica, a Áustria e a Alemanha durante setembro e outubro. O 18° e derradeiro concerto aconteceu na pequena cidade de Mülheim an der Ruhr, na Alemanha, no último sábado (07.10). Respeitado por tocar e dirigir os espetáculos de Cesária Évora, e também por compor parte da trilha sonora do filme Hable com Ella, de Almodovar, BAU contou que os arranjos e a harmonia das músicas escolhidas para compor o repertório foram influenciados por ritmos como o jazz, a bossa nova e o fox. "Mas sem perder a essência, conservando a nossa cultura, aquilo que temos", completou o guitarrista.

Música para além do que se pode ver

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"A ideia é sempre melhorar"

Filho de um construtor de instrumentos de cordas, BAU também aprendeu o ofício do pai e ganhou seu primeiro instrumento, um cavaquinho, aos sete anos de idade. Apesar do reconhecimento internacional, nem tudo foram flores durante a sua trajetória. "Quando estamos a iniciar, se não tiveres força de vontade, podes desistir. Mas a própria música se encarrega de dar força. Quando estamos a fazer música, não pensamos nas dificuldades. Depois, sim, quando não temos uma refeição. Aí fica um pouco difícil, mas logo passa. E tem que melhorar, a ideia é sempre melhorar e ultrapassar essa fase".

BAU tem fé. Ele diz com convicção que existe um poder superior que está acima de todos. Para ele, a música é uma forma de mostrar que Deus existe. "Música é algo que não se pode explicar, é algo para além das coisas que se pode ver, é muito espiritual. "Eu consigo viajar e ver coisas incríveis. Sem música, a vida seria um pouco triste, pelo menos para mim, revela”

Música que se pode ver

E é exatamente assim que Kapa também fala da música, como algo que não se pode descrever, mas que se pode sentir e ver. "A música é uma coisa incrível, às vezes nem dá para explicar. Só estando no palco para saber", tenta explicar o que sente o cantor que aos oito anos de idade já ensaiava seus primeiros tons.

Repertório do show em Mülheim an der RuhrFoto: DW/M. Brito

A vida nos palcos foi interrompida por alguns anos, quando Kapa começou a jogar futebol profissionalmente num time da primeira divisão de Portugal. Mas a música falou mais alto. "O momento é estar no palco, sei alguns exercícios vocais, mas eu não faço, não sinto falta. É chegar e cantar", pontua.

Kapa diz que tem um momento do concerto em que ele fica extremamente emocionado e que precisa concentrar-se muito para não chorar. É quando apenas BAU e ele ficam no palco e eles cantam e tocam "E Morna”. A música é forte, tem acordes profundos e deixa até o mais frio e exigente ouvido arrepiado.  E a afirmação do cantor se confirmou: quando "E Morna" começou a ser executada, dois casais levantaram, quebraram o clima formal, e começaram a dançar abraçados. A escuridão do teatro não permitia ver muito. Apenas a mão dele nas costas dela e o corpo dela a se mexer de um jeito que só quem tem o sol na pele desde criança, durante todos os meses do ano, sabe fazer.

"Agora, o plano é gravar um CD", conta Kapa. "a próxima vez que voltarmos à Alemanha, teremos um CD. Espero que aconteça brevemente", deseja o cantor, que volta para sua ilha com a imagem de uma plateia aplaudindo de pé a música sinestésica de Cabo Verde. 

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