Em Moçambique, artistas locais boicotam a 4ª edição do Festival Turístico e Cultural de Manica e acusam o Governo provincial de dar preferência aos músicos de Maputo e do Zimbabué.
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Os músicos da província de Manica, no centro de Moçambique, que foram convidados para fazer parte do IV Festival Turístico e Cultural, em Chimoio, abandonaram o evento que começou esta sexta-feira (24.11). Eles alegam falta de consideração e reconhecimento por parte do setor da Cultura e Turismo local.
Os artistas mostraram-se visivelmente revoltados, pelo facto de o setor estar a tratá-los mal, dando primazia aos artistas oriundos de Maputo e do país vizinho Zimbabué, conforme relataram.
"Em todas datas comemorativas, nós somos convidados para abrilhantar as festividades, não convidam músicos forasteiros porque esses eventos são grátis. Mas quando há dinheiro, somos esquecidos, menosprezados e colocados fora do circuito, facto que nos deixa agastados", disse Alexandre Domingos, responsável da banda Pedra Angular.
O cenário também não agradou o músico Djipson Mussenze, que faz parte da comissão organizadora do evento. "Somos figuras da província, mas com o que está a acontecer posso dizer que este é um "show" qualquer, não um festival como estão a dizer".
Ainda segundo Mussenze, "as coisas aqui estão mal no que diz respeito a organização, consideração e tratamento dos artistas".
O músico revelou que, durante a preparação, "houve muitas promessas de coisas boas para os locais". No entanto, "chegado o dia, a coisa ficou totalmente remodelada. Os artistas locais não foram pagos, o que não deveria ter acontecido. Não há bom relacionamento entre os músicos locais e o Governo".
Acordo não foi cumprido
Outro membro da comissão organizadora do evento, em representação dos músicos Simate Mapope, também lamentou a atitude do setor da Cultura e Turismo de Manica pela alegada falta de consideração.
Segundo Mapope, havia um acordo entre os músicos e as autoridades provinciais para que, durante o evento, eles pudessem apresentar seus trabalho e também expor os seus discos.
"Para falar a verdade, eu estou indignado. Os dirigentes do turismo estão a dar atenção apenas aos músicos forasteiros e com todas as regalias pagas, mas aos locais nem sequer um tostão", explicou.
O secretário provincial de Manica da Associação dos Músicos Moçambicanos, Kidmor Vukbonde, que também boicotou o evento, disse estar de costas voltadas para o setor de Cultura e Turismo da província.
"A nossa província nunca foi convidada para fazer parte dos festivais que se realizam em outras províncias e países vizinhos, mas em Manica sempre que há uma ativiadde que envolve dinheiro aposta-se em artistas de Maputo, Zimbabué e outros locais, o que deixa a desejar a todos musicos", afirmou Kidmor Vukbonde.
Autoridades negam mau relacionamento com artistas
Instado a comentar sobre as inquietações apresentadas pelos artistas, Jossias Vurande, diretor provincial de Cultura e Turismo em Manica, refutou as reclamações dos artistas, tendo dito que o combinado seria de pagar, pelo menos, 50% do valor acordado posteriormente aos músicos locais.
Vurande também assegura que a relação com os artistas locais é boa. "Quanto à relação, eu penso que nós, enquanto Governo, estamos abraçados com os músicos locais, porque são nossos filhos”, garantiu o diretor provincial de Cultura e Turismo de Manica.
Entre as bandas confirmadas na programação do Festival Turístico e Cultural de Manica estão a Simbarashe Muchita Hungwe Sounds, do Zimbabué, e Ziqo, e Mabermuda, de Maputo. Dos artistas locais que não abandonaram o evento, estão os Djakas da Beira, além de humoristas. O evento termina este domingo (26.11).
Os dez músicos brasileiros que mais se empenharam para fazer a ponte África-Brasil
A música torna-se um dos maiores aliados para eliminar diferenças e polémicas como, por exemplo, se o samba é brasileiro ou de Angola. Estes dez artistas colocam África em destaque de forma inovadora e revolucionária.
Foto: W. Montenegro
Viagens em livros e muita música
Martinho da Vila faz um verdadeiro manifesto anti-racista no livro "Kizombas, Andanças e Festanças", lançado pela primeira vez em 1972. O cantor e compositor, que assina alguns dos maiores sucessos da música brasileira, aparece no topo da lista dos músicos brasileiros que mais contribuíram para a ponte Brasil-África de acordo com diferentes instituições e especialistas ouvidos pela DW África.
Foto: Getty Images/R. Dias
"Marrom" graças ao amor pelas origens
Alcione Dias Nazareth, a Marrom, viajou diversas vezes para apresentações em países africanos, como Angola e Moçambique. Depois de 25 anos sem ir a Cabo Verde, a maranhense fez uma apresentação, em 2011, para celebrar os seus 40 anos de carreira. Do arquipélogo, inclusive, gravou "Regresso" (Mamãe Velha), composição histórica de Agostinho José que usou um poema de Amílcar Cabral.
Foto: Getty Images/F.Calfat
Sons e política em oração
Gilberto Gil, músico e ex-ministro da Cultura do Brasil, procurou desconstruir equívocos na música "Mão da Limpeza", em 1983, levando em conta o pejorativo termo de que "negro quando não suja na entrada, suja na saída". Cantada ao lado de Chico Buarque, valoriza a contribuição dos afro-brasileiros na gastronomia e cultura brasileiras. Em 1985, lançou a "Oração Pela Libertação da África do Sul".
Foto: FAO/Giulio Napolitano
"A carne mais barata do mercado é a carne negra"
Elza Soares é militante assumida numa carreira de mais de 60 anos e apresenta em muitas das suas músicas a realidade do negro, tomando como ponto central a mulher. Nascida na favela da Moça Bonita, Rio de Janeiro, em 1937, Elza não perde oportunidade para gravar canções como "A Carne", de Seu Jorge, Marcelo Yuca e Wilson Capellette. O mais recente trabalho é "A Mulher do Fim do Mundo" (2016).
Foto: Getty Images/K.Betancur
Composições e inspiração para novos artistas
Mateus Aleluia (esq.) morou 20 anos em Angola e sempre procurou ligações com outros artistas para dar vida à África perdida na história do Brasil. O músico nascido no estado brasileiro da Bahia inspira trabalhos de nomes como Carlinhos Brown, Nação Zumbi e Cidade Negra. Aleluia integrou o legendário "Tincoãs", nos anos 1970. Na foto, está ao lado de Bule-Bule (centro) e Raimundo Sodre (dir).
Foto: picture-alliance/ dpa/S.Creutzmann
Morena de Angola, Moçambique e Brasil
Clara Nunes (1942-1983) fascina quem pesquisa sobre o Brasil e está em África. O inédito nela é ter cantado sobre elementos fora do dia-a-dia das pessoas, como em "Mãe África", do marido Paulo César Pinheiro e Sivuca. Foi desta forma que rompeu paradigmas, vendendo mais de 100 mil cópias. É retratada no documentário Clara Estrela (2017), dirigido pelos brasileiros Susanna Lira e Rodrigo Alzugui.
Foto: W. Montenegro
O Sul do mundo em lágrimas
Milton Nascimento compôs a Missa dos Quilombos, em 1981, para denunciar as consequências da escravidão e do preconceito no Brasil. Criado por pais adotivos brancos, impulsionou a criação dos Tambores de Minas, nos anos 1990, e trabalhou com projetos envolvendo novos talentos. Com mais de 50 anos de carreira, escreveu Lágrima do Sul, ao lado de Marco Antônio Guimaraes, do grupo Uakti.
Foto: picture-alliance/dpa/M.Cruz
Afro-brasileiro fora da África e do Brasil
Desde o início da sua carreira, nos anos 1960, Jorge Ben Jor manteve-se mais próximo dos aspectos afro-brasileiros, afastando-se da Bossa Nova que dominava a cena musical brasileira. O guitarrista, cantor e compositor gravou "África Brasil", em 1976. É deixando-se ser marcado por esta influência que se apresenta em diversos pontos do planeta, como no Festival de Montreux, na Suíça (foto).
Foto: picture-alliance/dpa/S.Campardo
Sem dar adeus à Àfrica
Naná Vasconcelos (1944-2016) já começou sua carreira intitulando o primeiro disco de "Africadeus", em 1973. Respeitado no mundo inteiro por valorizar as culturas africana e negra em seu trabalho, ganhou oito prémios Grammy. De 1983 a 1990, foi o Melhor Percussionista do Ano, da revista Down Beat. Em 2010, o pernambucano reuniu meninas e meninos de Angola, Brasil e Portugal no projeto Língua Mãe.
Foto: picture-alliance/dpa/S.Moreira
Revolução em lugares inesperados
Já no início da carreira, nos anos 1960, Maria Bethânia fazia invocações africanas e revolucionou aglutinando dois continentes dentro de boates! Com uma trajetória sólida, em 1986, gravou com o grupo sul-africano Lady Smith Black Mambazo. Ao lado de Mingas, Mia Couto e Agualusa, a intérprete baiana acaba de lançar o documentário "Karingana, Licença para Contar" (2017), de Monica Monteiro.