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MigraçãoChina

Macau: Camaronês espera há 9 anos por estatuto de refugiado

Catarina Domingues (Macau)
7 de outubro de 2020

Augustin Ferdinand escapou à perseguição política que sofria nos Camarões e está à espera de asilo político em Macau há quase uma década. O camaronês critica o longo processo e o silêncio das autoridades.

Augustin Ferdinand
Foto: Catarina Domingues/DW

Chegou a Macau para fugir à perseguição política do regime do Presidente dos Camarões Paul Biya. Augustin Ferdinand esteve envolvido, nos anos 1990, no movimento Parlamento na Universidade Yaoundé, ligado ao partido da oposição Frente Social Democrática (SDF, na sigla em inglês). Foi ainda ativista dos direitos humanos, tendo sido várias vezes preso e testemunha "de atos de tortura inimagináveis para o ser humano".

Encontramo-nos com Augustin no Lar de Acolhimento Temporário da Cáritas Macau, organização humanitária que o tem apoiado desde que desembarcou na região semiautónoma chinesa em 2011. Este era, aliás, o único contacto que trazia de casa, por via de um bispo que "também estava contra o Governo" e que conhecia o fundador da instituição em Macau.

Paul Biya lidera o destino dos Camarões há mais de 37 anosFoto: picture-alliance/AP Photo/S. Alamba

Fizeram-se, então, os primeiros contactos para o reconhecimento do estatuto de refugiado.A Cáritas comunicou com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), na vizinha Hong Kong, e o caso de Augustin Ferdinand chegou à Comissão de Refugiados de Macau, à qual compete dirigir a instrução dos processos e elaborar uma proposta. Depois, é o chefe do Executivo, líder do governo, que toma a decisão final.

Após esse primeiro momento contacto com a comissão, em que é pedido formalmente asilo, seguiu-se um silêncio de nove anos que se arrasta até hoje. "Não fui entrevistado. Todos os anos, temos uma reunião com as Nações Unidas, eles vêm cá visitar-me e continuam a dizer-me que estão ainda em negociações com o Governo", salienta o camaronês.

Uma vida suspensa

Ao apresentar o pedido, Augustin Ferdinand foi obrigado a entregar os documentos de viagem e de identificação aos Serviços de Migração, onde tem de comparecer mensalmente para renovar o documento de identidade temporário. Está proibido de se ausentar do território e de trabalhar enquanto espera por uma decisão, vivendo de um subsídio mensal do Instituto de Ação Social de 4350 patacas (cerca de 460 euros), com direito a alojamento e a cuidados de saúde gratuitos.

"Não penso que [esta espera] seja legal nem normal para um ser humano, porque dez anos é muito tempo. Eu não posso regressar ao meu país, mas também não me sinto livre aqui. Mesmo sentindo que houve uma espécie de adoção por parte do governo, para uma pessoa que tem lutado pelos direitos humanos no seu país e que, por isso, teve de sair do país, não está certo", critica.

Paul Pun, secretário-geral da Cáritas Macau, esteve desde o primeiro momento ao lado de Augustin Ferdinand. O responsável, também presidente da Associação de Beneficência dos Refugiados, olha com preocupação para a demora das autoridades e chama a atenção para o "impacto psicológico" que o impasse pode ter nos candidatos a asilo.

Paul Pun, secretário-geral da Cáritas MacauFoto: Catarina Domingues/DW

Apesar de Macau ter servido de porto seguro para gerações de refugiados do interior da China, Vietname ou Timor-Leste, Paul Pun defende que ainda não existe um sistema sólido de acolhimento para pessoas como Augustin Ferdinand. "[O processo] leva algum tempo. Se fosse eu a fazer a investigação, não iria apenas ao país de origem dele, mas faria também entrevistas em profundidade com especialistas, observação presencial, e que seriam gravadas. Eles podem não estar a fazer isso aqui. Por isso, digo, devíamos ter um sistema", observa o responsável.

O que diz a lei?

O advogado João Manuel Vicente assevera que a resposta do Executivo relativamente ao pedido de Augustin Ferdinand já devia ter chegado. "Um ano e pouco seria o prazo para haver uma decisão. Nove anos depois, seja lá a quem se possa ou deva imputar o atraso, ele existe e é manifesto", frisa o jurista, para quem a única solução neste momento é recorrer aos tribunais.

De acordo com o regime de reconhecimento e perda do estatuto de refugiado, aprovado em 2004, a Comissão de Refugiados tem, no máximo, um ano para recolher todas as provas e dez dias para elaborar uma proposta de decisão. A lei não estabelece, porém, prazos no que diz respeito ao período reservado ao chefe do Executivo para tomar uma decisão final. "O diploma do estatuto de refugiados em Macau remete para o Código de Procedimento Administrativo e também para o Código de Contencioso Administrativo", explica João Manuel Vicente, concluindo que o líder máximo do território "deveria ter em princípio 15 dias" para deferir ou indeferir o pedido. 

Não se sabe ao certo quantos processos saíram das mãos da Comissão dos Refugiados e chegaram à mesa do chefe do Executivo. A DW África pediu uma entrevista ao presidente desta comissão, o procurador-adjunto do Ministério Público, Kong Chi, mas não recebeu resposta.

Um relatório do ACNUR nota que, até finais de 2019, não havia ninguém no território com o estatuto de refugiado. Desde aí, pouco terá mudado, segundo os Serviços de Identificação de Macau, que garantem que nunca emitiram um título de identidade de refugiado.

Ainda de acordo com dados enviados pelo Instituto de Ação Social, desde 2011, 12 candidatos a asilo foram encaminhados pela Comissão dos Refugiados para receberem apoio humanitário deste organismo. Apenas dois candidatos beneficiam atualmente deste subsídio. Um deles é Augustin Ferdinand.

Artigo atualizado a 10 de janeiro de 2024, corrigindo a informação relativa ao envolvimento de Augustin Ferdinand no movimento Parlamento na Universidade Yaoundé. 

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