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ConflitosSudão do Sul

Machar detido: Oposição diz que acordo de paz "é revogado"

ms | Martina Schwikowski | DW (Deutsche Welle) | com agências
27 de março de 2025

Oposição diz que detenção do vice-presidente Riek Machar, principal rival do Presidente Salva Kiir, revoga acordo de paz de 2018. Analistas apelam a maior intervenção da comunidade internacional para evitar guerra civil.

Aperto de mãos entre Riek Machar (segundo à esquerda) e Riek Machar Salva Kiir (segundo à direita) em 2020
Riek Machar (segundo à esquerda) e Salva Kiir (segundo à direita) concordaram, a 20 de fevereiro de 2020, em formar um governo de unidade nacional para pôr fim a seis anos de guerraFoto: AFP/M. O'HAGAN

O primeiro vice-presidente do Sudão do Sul, Riek Machar, um rival de longa data do Presidente Salva Kiir, foi preso na sua residência, em Juba, na noite de quarta-feira (26.03), numa detenção que envolveu "20 veículos fortemente armados", informou em comunicado o Movimento Popular de Libertação do Sudão (SPLM-IO), na oposição.

O partido de Machar afirmou hoje (27.03) que a detenção revoga o acordo de paz de 2018, que pôs fim a cinco anos de uma guerra civil sangrenta entre as forças de Kiir e Machar e que causou a morte de quase 400 mil pessoas. "E a perspetiva de paz e estabilidade no Sudão do Sul está agora seriamente comprometida", declarou Oyet Nathaniel, vice-presidente do SPLM-IO.

"A detenção é um engano, uma quebra de promessa, um desrespeito de um acordo e uma falta de vontade política para trazer paz e estabilidade ao país", criticou ainda o partido.

EUA apelam à libertação de Machar 

Os Estados Unidos pediram esta quinta-feira ao Presidente do Sudão do Sul, Salva Kiir, que liberte o seu rival, Riek Machar.

"Estamos preocupados com os relatos de que o primeiro vice-presidente do Sudão do Sul Machar está em prisão domiciliária", escreveu o Gabinete de Assuntos Africanos na rede social X. "Pedimos ao Presidente Kiir que reverta esta ação e evite o agravamento da situação", apelam os EUA.

A Missão das Nações Unidas no Sudão do Sul (UNMISS) considera que a detenção de Riek Machar coloca o país à beira da guerra civil e apelou à contenção de todas as partes.

A situação no terreno piora de dia para dia. A embaixada dos Estados Unidos e outras missões diplomáticas reduziram ao mínimo a sua presença no terreno.

No sábado (22.03), o Governo alemão encerrou temporariamente a sua embaixada na capital, Juba. "Após anos de paz frágil, o Sudão do Sul está novamente à beira da guerra civil", escreveu a ministra dos Negócios Estrangeiros da Alemanha, Annalena Baerbock, nas redes sociais.

Medo e pouca esperança em Juba

Patrick Oyet, correspondente da DW e presidente do Sindicato dos Jornalistas do Sudão do Sul, descreve uma situação preocupante: os militares estão a patrulhar as ruas de Juba, as pessoas estão com medo, não há informações do Governo sobre o caminho a seguir. "Temos pouca esperança de que tudo vai acabar bem", afirma.

Richard Orengo, diretor nacional do Comité Internacional de Resgate (IRC), também teme uma nova escalada do conflito no Sudão do Sul. "Estamos preocupados porque se isto não for mitigado em breve pela comunidade internacional e pelos países vizinhos, a situação no Sudão do Sul pode rapidamente escalar para um conflito total que irá agravar a atual crise", disse à DW.

Só desde fevereiro, foram deslocadas mais de 50.000 pessoas. "O Sudão do Sul está à beira de um colapso humanitário", especialmente após a cessação do financiamento dos EUA para projectos de ajuda externa, sublinha Orengo.

Guerra civil agrava fome no Sudão do Sul

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Vidas de crianças ameaçadas

O IRC tem 56 centros de estabilização nutricional em todo o país, onde são acolhidas crianças com subnutrição aguda. "Se fecharmos estes centros, as crianças morrerão de subnutrição", diz Richard Orengo.

No mês passado, as tensões entre o Presidente Salva Kiir e o seu rival, o vice-presidente Riek Machar, atingiram o clímax. Os dois políticos assinaram um acordo de paz em 2018, após uma guerra civil sangrenta, e formaram um governo de unidade em 2020, que tem sido marcado por uma grande instabilidade.

Dalva Kiir é Presidente desde que o Sudão do Sul se tornou independente do Sudão em 2011. Nomeou Riek Machar, antigo líder rebelde e atual presidente do SPLM-IO, como primeiro vice-presidente. Mas a aliança está a desmoronar-se, depois de Kiir ter demitido Machar no âmbito de uma remodelação do seu gabinete este ano.

No norte do país, registou-se uma escalada de violência entre as tropas governamentais e uma milícia rebelde, conhecida como Exército Branco, alegadamente aliada de Machar. No início de março, o Exército Branco invadiu um acampamento militar no distrito de Nasir, no estado do Alto Nilo, na fronteira com a Etiópia e o Sudão.

Diz-se que a maioria dos combatentes pertence ao grupo étnico Nuer de Machar, enquanto Kiir é de etnia Dinka. O partido de Machar nega quaisquer ligações.

Batalha por recursos com conotações étnicas

De acordo com James Okuk, especialista em política do Centro de Estudos Estratégicos e Políticos de Juba, as divergências devem-se à desconfiança no seio da liderança do país e à falta de coordenação. "O atual conflito no Sudão do Sul tem as suas raízes na divisão política, étnica e socioeconómica", afirma Okuk em entrevista à DW.

"A luta pelo poder e pelos recursos entre os grupos étnicos dominantes alimentou as tensões de longa data. Estas são exacerbadas por queixas históricas e pela competição pelo controlo da jovem nação", explica.

Tensão entre Governo do Sudão do Sul e ONU

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A corrupção, a falta de um governo eficaz e a fragilidade das instituições mergulharam o país num ciclo de violência.

Para o apoiar, o Presidente Kiir trouxe recentemente uma unidade especial de tropas ugandesas para a capital do Sudão do Sul. A presença dos ugandeses em Juba irritou a oposição.

Situação "catastrófica"

A situação no país é "catastrófica", afirmou Nicholas Haysom, chefe da UNMISS, na segunda-feira (24.03). Os esforços para negociar um acordo de paz só são possíveis se ambos os líderes forem capazes de "colocar os interesses do seu povo acima dos seus próprios", acrescentou.

De acordo com James Okuk, é necessária uma abordagem abrangente para uma paz sustentável: "Deve haver um compromisso genuíno com um processo político inclusivo e transparente que tenha em conta os diferentes interesses e assegure uma representação equitativa de todas as comunidades", afirma.

Para restaurar a estabilidade, é crucial reforçar as instituições do Estado, promover o Estado de direito e combater a corrupção.

Além disso, a liderança política do Sudão do Sul deve dar prioridade à unidade nacional em detrimento dos interesses pessoais e étnicos, sublinha ainda o especialista. "Deve comprometer-se com um governo inclusivo, com o respeito pelos direitos humanos e com o Estado de direito", exemplifica Okuk.

Processo de reconciliação e transparência

O povo do Sudão do Sul, incluindo os líderes religiosos e a sociedade civil, deve participar ativamente no processo de reconciliação e exigir mais transparência. Também Estão a ser feitas tentativas de mediação pelas Nações Unidas, União Africana (UA) e países regionais.

De acordo com o enviado especial da Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento (IGAD) para o Sudão do Sul, Ismail Wais, a aliança regional da África Oriental estabeleceu objetivos claros para "desanuviar a crise e dar prioridade à implementação do acordo de paz".

Entre estes, menciona o objetivo de normalizar o exército e realizar eleições credíveis. "Não temos outra opção senão ser otimistas, mas o otimismo por si só não é suficiente. Temos de fazer mais para atingir os objetivos que estabelecemos", conclui Wais.