Madeireiros de Moçambique revoltados com as autoridades
21 de dezembro de 2012 A Agência de Investigação Ambiental (EIA), uma organização não governamental inglesa, denunciou, num relatório divulgado a 29 de novembro, a exploração ilegal de madeira por chineses com a conivência de altos quadros do governo de Moçambique.
O estudo cita o nome do antigo ministro da Agricultura, Tomás Mandlate, e do atual ministro, José Pacheco, como falicitadores do negócio. Os dois políticos refutaram as acusações, segundo o jornal moçambicano Savana.
Em reação, os madeireiros moçambicanos sentem-se revoltados e pedem a intervenção urgente do executivo. Recentemente, na televisão privada STV, operadores na àrea da madeira na província da Zambézia, no centro do país, criticaram duramente o governo provincial por, alegadamente, proteger os chineses.
Segundo um madeireiro, os empresários chineses “não vão reflorestar” após o abate de árvores. Ao invés disso: “nós que somos da pátria amada vamos reflorestar tudo o que deveríamos reflorestar com gosto”.
Outro cidadão que trabalha no mesmo sector, utilizando palavras mais duras, é da opinião de que “se fosse no tempo de Samora Machel [primeiro Presidente da República de Moçambique] isto não iria existir, o chinês não viria aqui para gozar com as pessoas”. Este homem acrescenta: “somos tratados como cães. Quando se reclama, [os chineses] pegam nos papéis e deitam fora.”
Uma outra cidadã queixa-se ainda de que “o operador florestal [moçambicano] não tem direito a empréstimo [para poder trabalhar]”.
Legislação cega
Sem revelar nomes, o sindicalista Anastâncio Matsinhe concorda com a existência de pessoas bem posicionadas em órgãos oficiais que protegem os chineses: “se entram no país é porque alguém os autoriza. Quando eles fazem e desfazem e ninguém diz nada está mais do que claro que existe proteção de alguém”.
Matsinhe afirma que os cidadãos chineses interessados na madeira do país ganharam a confiança das autoridades e já não temem ninguém.
O sindicalista explica que “como ainda temos uma vasta área onde se corta madeira, tudo bem, eles [chineses] vão cortando, inclusive aquilo que devia estar definido como regra: ou seja, esta [árvore] pode ser abatida e aquela não, mas não é isso que acontece”, lamenta.
Também Baltazar Fael, do Centro de Integridade Pública de Moçambique (CIP), lamenta: “aqueles que devem fazer cumprir a lei são os primeiros a violá-na, envolvem-se em esquemas e não respeitam aquilo que são as suas obrigações”. Considera que as autoridades devem ter pulso para aplicar a legislação, ou seja, por exemplo: “pegar na lei e dizer: você está a fazer isso mas a lei diz isto. Não sou eu quem diz como funcionário, é a lei”.
"Qualquer dia ficamos sem nada"
De 2000 a 2005, o mercado chinês absorveu 85% dos 430 mil metros cúbicos de toros de madeira que saiu do país. Face aos números, o sindicalista Anastâncio Matsinhe lança o alerta: "qualquer dia vamos ficar sem nada. Se calhar nessa altura é quando vão abrir os olhos e dizer que já estamos mal, mas será tarde”.
Preocupado, Baltazar Fael, do CIP, considera que é urgente tomar medidas para proteger a madeira da Zambézia pois está a desaparecer. O responsável do CIP observa que "as pessoas para conseguirem ter aquela boa madeira já não precisam só de ter camiões para ir ao mato. Precisam de ter tratores com aquelas pás para abrirem o caminho. Pois, próximo da estrada, onde entravam e iam tirar, com alguma vaidade, a madeira já não existe”.
Entre 2001 e 2010, o valor das exportações deste recurso para a China aumentou de oito para 100 milhões de dólares (que equivale a mais de 75 milhões de euros). O pau-ferro, mondzo, pau-preto, chanate, jambire e umbila são as espécies mais procuradas e são exportadas em toros para o gigante asiático.
Autor: Romeu da Silva (Maputo)
Edição: Glória Sousa / António Rocha