Virgílio Simbine tinha uma boa vida como funcionário dos caminhos-de-ferro da antiga Alemanha Democrática (RDA). Em 1990, foi obrigado a voltar para Moçambique, onde diz ter sido discriminado e nunca conseguiu emprego.
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Virgílio Simbine viveu durante seis anos na cidade de Berlim, na antiga República Democrática Alemã (RDA), com um contrato de trabalho nos caminhos-de-ferro da Alemanha de Leste (Deutsche Reichsbahn), que conseguiu na década de 80, no quadro das relações de cooperação e de amizade com Moçambique.
Com a queda do muro de Berlim, viu-se obrigado, juntamente com os seus colegas, a regressar ao seu país de origem, onde – teoricamente - deveria aplicar e desenvolver as experiências adquiridas na Alemanha.
No entanto, Virgílio não queria regressar. Temia a falta de oportunidades no seu país para quem tivesse passado algum tempo no estrangeiro: "Eu trabalhava na Deutsche Reichsbahn, morava em Berlim. Vivíamos praticamente bem. Quando chegou a notícia para regressarmos a Moçambique, não queria voltar. Fui uma das últimas pessoas a arrumar as coisas no contentor".
"Em Moçambique, nunca trabalhei para ninguém"
Quando regressou a Moçambique, não conseguiu um emprego nem no Estado nem no setor privado. Para ganhar algum dinheiro, viu-se obrigado a fazer pequenos consertos e a reparar telemóveis, mas não exerceu a atividade por muito tempo, deixando o trabalho para o filho.
Como alternativa, Virgílio Simbine dedicou-se à agricultura, cultivando produtos de primeira necessidade para fornecer o mercado local, como tomate, piri-piri, couves, alface e cebola, mas não teve sorte no negócio. Os efeitos das alterações climáticas que já se fazem sentir no país colocam em risco qualquer projeto agrícola.
Face a todos os insucessos, Virgílio Simbine está desempregado desde que voltou a Moçambique. Vive de pequenos negócios que faz para poder sustentar sua família, como tantos outros madgermanes: "Fomos vivendo, cada um à sua sorte, nunca tivemos emprego no Estado, fomos sempre humilhados".
Ser ex-trabalhador da antiga RDA, explica, não ajuda: "Em qualquer parte do Estado, quando pedimos emprego, quando percebem que és madgermane, és posto de lado. Em Moçambique, nunca trabalhei para ninguém".
Arrependimento e apelo
"Madgermanes": Desemprego e humilhação
Em entrevista à DW África, Virgílio Simbine aproveita para lançar um apelo às autoridades: pede que lhe devolvam o dinheiro que lhe foi descontado quando se encontrava a trabalhar na extinta RDA.
"O que pedimos é que o Estado se sente e organize os seus documentos e pague aquilo que era cortado do nosso ordenado na Alemanha", explica. "Cortava-se a segurança social e cortavam 60% do nosso salário, diziam que um dia iríamos receber em Moçambique. Estou muito arrependido e não me sinto bem".
Tal como Simbine, muitos trabalhadores moçambicanos que estiveram na antiga Alemanha Democrática continuam a exigir ,até hoje, ao Governo moçambicano que lhes sejam devolvidos os montantes descontados e enviados pelas autoridades alemãs ao Governo de Moçambique, com a promessa de receberem mais tarde a totalidade dos descontos e subsídios.
Alemanha e Moçambique no olho de dois fotógrafos
Moçambique é o ponto comum na exposição em Berlim que junta fotografias do moçambicano Mário Macilau e do alemão Malte Wandel. As crianças de rua em Maputo são o tema em destaque na obra de Macilau.
Foto: Mario Macilau
Crianças de rua, na visão de Macilau
Nesta foto, o fotógrafo moçambicano Mário Macilau optou por um plano de detalhe para abordar a questão da alimentação das crianças de rua. Esse é um dos temas fortes na obra de Mário Macilau que, em 2017, foi um dos vencedores do prémio internacional The LensCulture Exposure Awards.
Foto: Mario Macilau
Crescendo na Escuridão
Em 2017, a obra do fotógrafo moçambicano Mário Macilau esteve em exposição na Galeria Kehrer, na capital da Alemanha. As fotos foram extraídas de diversas séries produzidas por ele, especialmente do livro "Crescendo na Escuridão", que mostra a infância de crianças de rua em Maputo. A exposição inclui também fotografias do alemão Malte Wandel, que documenta a vida dos "Madgermanes".
Foto: DW/C. Vieira Teixeira
A casa
A foto intitulada "Escadas de Sombras" mostra o interior de uma casa abandonada do período colonial. "Entrei nessas casas e comecei a observar a forma como esse sonho das casas de luxo se foi perdendo e as casas foram envelhecendo", revela Macilau. "Não queria mostrar o lado de rua dessas crianças, por isso, a maioria das fotografias foi feita dentro das casas onde elas moram", afirma.
Foto: Mario Macilau
Brincadeira
O menino com a arma de fogo nas mãos é, quase sempre, uma imagem chocante. Macilau garante que, aqui, trata-se de uma arma de brinquedo, feita pelas próprias crianças. O fotógrafo quis mostrar não apenas a dura realidade da vida nas ruas, mas também o imaginário e as brincadeiras, apesar da falta de perspectivas dos menores.
Foto: Mario Macilau
A imagem da alegria
A diversão na praia estampada nos sorrisos. A foto retrata a liberdade e a alegria do momento. Nem só de desesperança é feita a vida das crianças retratadas por Mário Macilau. "São crianças normais, que também têm sonhos. Elas vão passear, brincam, vão à praia. Isso tudo faz parte do lazer delas", considera.
Foto: Mario Macilau
Duas visões em exposição
Moçambique é o elo de ligação que junta dois fotógrafos na exposição, diz a gerente da Galeria Kehrer, Pauline Friesescke. "Mário apresenta um olhar de grande proximidade com os seus protagonistas", afirma. Já o trabalho de Wandel "coloca em debate uma parte interessante da história da Alemanha" e de Moçambique.
Foto: DW/C. Vieira Teixeira
"Madgermanes": Protestos e resistência
Desde 2007, Malte Wandel documenta a vida dos "Madgermanes" – tanto daqueles que ficaram na Alemanha quanto dos que retornaram a Moçambique. Para o fotógrafo, "era importante mostrar pessoas diferentes, em diversos lugares e também de níveis sociais variados" descreve. Na foto em exposição em Berlim, os "Madgermanes" protestam pelo pagamento de parte do salário que era descontado para Moçambique.
Foto: Malte Wandel
Ambiente familiar
Malte Wandel fotografou diversas famílias dentro de casa. Na foto, a família de Jamal Trabaco, em Halle an der Saale, no estado alemão da Saxónia-Anhalt. "Para mim, era muito importante mostrar os ambientes privados, contar as histórias privadas e tornar essas famílias visíveis", explica o fotógrafo alemão.
Foto: Malte Wandel
Vítimas de ataques racistas
Foi na Praça Jorge Gomodai, em Dresden, que em 1991 o moçambicano Jorge João Gomodai foi atacado por jovens de extrema direita, vindo depois a falecer. "Nestes tempos em que Dresden representa o Movimento Pegida [Europeus Patriotas contra a Islamização do Ocidente], muitas manifestações aconteceram nesta praça e escolhi-a como símbolo para mostrar que a história se repete", justifica Wandel.
Foto: Malte Wandel
Uma vida sem glamour
O fotógrafo alemão interessou-se por retratar a situação nada glamorosa em que se encontravam os ex-trabalhadores da RDA. A imagem demonstra a sala da casa de Nelson Munhequete, em Maputo. "A foto mostra que ele não teve uma chance", diz Malte Wandel. "Dar cada vez mais visibilidade a essa história é meu objetivo", conclui.
Foto: MalteWandel
A opinião do público
Durante uma visita à exposição, o artista plástico Thomas Kohl encantou-se com o trabalho de Mário Macilau. "Tem-se a impressão de que se trata de uma situação real e não de algo encenado", descreveu. Para Kohl, apesar de abordar o tema pobreza, "não há um julgamento nem uma realismo barato" no trabalho de Macilau.