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"Madgermanes": Pandemia travou protesto em Moçambique 

Lusa
3 de dezembro de 2020

Nada parou o protesto mais conhecido de Moçambique, que completa esta quinta-feira (03.12) 30 anos, até chegar a pandemia de Covid-19. Marcha dos "madgermanes" foi suspensa por causa medidas de prevenção.

"Madgermanes" in Mosambik
Foto: picture-alliance/ZB/B. Pedersen

Nem o contexto de restrições às liberdades imposto pela Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), partido no poder, em 1990 impediu o início de manifestações inéditas de antigos trabalhadores moçambicanos na Alemanha do Leste, que regressaram ao país africano após a queda do Muro de Berlim. 

Descontentes com a falta de pagamento de parte dos salários e dos descontos para a segurança social que dizem que a Alemanha transferiu para Moçambique, cerca de dois mil "madgermanes", como são conhecidos os que trabalharam na antiga República Democrática Alemã (RDA) no âmbito das relações entre os países do bloco socialista, surpreenderam Maputo e o país. 

Na manhã de 3 de dezembro de 1990 saíram à rua com cartazes e cânticos exigindo a satisfação dos seus direitos, protestando mesmo em frente à sede do Ministério do Trabalho, no centro da capital. "Nós estávamos no regime de partido único e as respostas do Governo eram muito violentas, na altura", contou Arnaldo Mendes, um dos líderes dos "madgermanes", em declarações à agência de notícias Lusa. "As marchas eram reprimidas com muita violência", recordou. 

Regime multipartidário impulsionou protesto

Depois de terem sido rebatidas pela polícia, as marchas, sempre às quartas-feiras, foram interrompidas, mas voltaram com mais força após a realização das primeiras eleições gerais de 1994 em Moçambique, desta vez com direito a escolta policial - mas várias vezes com episódios de tensão com a polícia e o Governo da Frelimo. 
"Retomámos com muita força, depois da instalação do regime multipartidário, da democracia, porque exigimos a reposição dos direitos que conquistámos na Alemanha e que o Governo usurpou", enfatizou Arnaldo Mendes, que de 1988 a 1990 trabalhou na metalomecânica Walzwerk Finow III, em Brandemburgo. 

Madgermanes cumpriram, durante 30 anos, o ritual de marchar às quartas-feiras em protesto pelo pagamento dos seus direitosFoto: picture-alliance/dpa/G. Fioster

A persistência deu-lhes acesso à marcha alusiva ao Dia Internacional do Trabalhador, em 1 de maio, uma ação controlada de perto pela FRELIMO. 

Mas a relação com as autoridades voltou a descambar, quando gritos mais inflamados e insultos dos membros do movimento levaram o então Presidente moçambicano Joaquim Chissano a uma azeda troca de palavras com os antigos trabalhadores num episódio transmitido pelas televisões. 

Madgermanes: 30 anos à espera de justiça

01:53

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Depois de Chissano ter dito que "não devia nada" aos "magdermanes", o executivo de Armando Guebuza aceitou indemnizá-los, mas as ações de contestação não pararam, porque o dinheiro foi considerado "irrisório" pelos "madgermanes". 

O executivo do atual Presidente da República, Filipe Nyusi, "herdou" as marchas e as reivindicações, às quartas-feiras, sob escolta da polícia, até chegar a Covid-19 e o estado de emergência, a 1 de abril. "O Presidente da República pediu para pararmos com as marchas, porque há esta situação da Covid-19", declarou Arnaldo Mendes, com um boné vermelho com uma miniatura da bandeira alemã na cabeça. 

Há a Covid-19, mas Mendes assegurou que a decisão de suspensão da marcha foi reforçada pelos sinais de esperança de que o diferendo poderá ser resolvido. 

Pressão em Berlim

A ação do grupo despertou a atenção de organizações da sociedade civil alemã que têm feito pressão junto de Berlim para encontrar uma solução conjunta com Maputo, explicou. "Mesmo num contexto de crise sanitária, não há conformismo enquanto houver injustiça. Nós estamos calmos, porque sentimos que há sinais, graças ao envolvimento da sociedade civil alemã", afirmou Arnaldo Mendes. 

Trabalhadores moçambicanos em fábrica de Neugersdorf, na antiga República Democrática Alemã (RDA), em 1979Foto: Imago/U. Hässler

Sem a Covid-19, os antigos trabalhadores continuariam a cumprir o ritual com a concentração no Jardim 28 de Maio, rebatizado pela gíria popular em Jardim dos Madgermanes, seguindo-se a caminhada por algumas das principais avenidas de Maputo, com cânticos e cartazes de teor reivindicativo. 

Não seriam mais de mil na marcha, como quando começou em dezembro de 1990, porque muitos foram morrendo por doença, de acordo com Arnaldo Mendes. Restam entre 200 a 250 participantes, disse, porque era essa a cifra das últimas ações de rua antes da pandemia. 

Dados oficiais indicam que mais de 11 mil moçambicanos foram contratados para trabalhar na antiga Alemanha do Leste, na década de 1980, no âmbito das relações de cooperação e solidariedade entre os países do bloco socialista. 

Casos novos do coronavírus em África (2 de dezembro de 2020)

Mais de 15 mil casos de Covid-19

Em 1 de abril de 2020 o estado de emergência foi decretado em Moçambique para suportar as restrições impostas para travar o novo coronavírus - que, entretanto, deu lugar ao estado de calamidade, em 7 de setembro, que continua a limitar os ajuntamentos. 

Moçambique contabiliza 132 mortes e um total acumulado de 15.866 casos de Covid-19 (88% dos quais recuperados). 

A pandemia de Covid-19 provocou pelo menos 1.482.240 mortos resultantes de mais de 63,8 milhões de casos de infeção em todo o mundo, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP. 

A doença é transmitida por um novo coronavírus detetado no final de dezembro de 2019, em Wuhan, uma cidade do centro da China. 

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