Maior envolvimento internacional em Cabo Delgado em 2021?
Lusa
4 de fevereiro de 2021
Observatório que monitoriza a violência armada mundial prevê mais envolvimento internacional no conflito na província de Cabo Delgado, em Moçambique, onde os ataques continuam e irão mesmo intensificar-se este ano.
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No relatório anual do Armed Conflict Location & Event Data Project (ACLED), os ataques de grupos armados na província moçambicana de Cabo Delgado surgem entre os 10 conflitos a seguir em 2021, a par da Etiópia, Índia e Paquistão, Myanmar, Haiti, Bielorrússia, Colômbia, Arménia e Azerbaijão e Iémen.
"Em 2021, a ausência de uma estratégia de viragem sustentada sugere que uma campanha de ataques incessantes continuará e que as forças do Estado se limitarão a conter os focos de violência sem conseguir diminuir a capacidade dos insurgentes", aponta o ACLED.
Os peritos do observatório acreditam que os grupos armados irão continuar a "testar os limites geográficos das suas operações, incluindo com novas incursões na vizinha Tanzânia", na sequência das já realizadas em 2020.
Ataques "mais sofisticados"
De acordo com o ACLED, os ataques, que passaram a ser reivindicados pelo grupo jihadista Estado Islâmico, estão "cada vez mais sofisticados" e a sua combinação com um número crescente de deslocados internos, surtos de cólera e a pandemia de covid-19, "expuseram as limitações do governo no combate eficaz ao agravamento da insegurança".
Cabo Delgado: Governo moçambicano realoja deslocados
03:00
O Observatório, estima, por isso, que o Governo continue "a depender fortemente das forças de segurança privadas e cada vez mais de milícias locais de autodefesa para aumentar as suas capacidades" de resposta.
O ACLED aponta como "provável um maior envolvimento internacional no conflito, incluindo uma potencial mudança na relutância do Governo moçambicano em aceitar apoio militar direto".
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Países com interesses sob pressão
A análise sublinha que o sucesso dos ataques colocou o Governo moçambicano "sob pressão de vários países", nomeadamente daqueles com interesses na exploração dos recursos naturais da província, que reclamam "a intensificação de uma resposta de segurança".
O ACLED recorda que vários países ofereceram apoio, incluindo Portugal e os Estados Unidos, e adianta que Moçambique também estará em conversações com a França para o estabelecimento de um acordo de cooperação marítima para reforçar a segurança costeira.
"A França está bem posicionada para dar o seu apoio, com uma base naval localizada no seu território insular de Mayotte, no Canal de Moçambique", aponta o ACLED.
A violência armada em Cabo Delgado está a provocar uma crise humanitária com mais de duas mil mortes e 560 mil pessoas deslocadas, sem habitação, nem alimentos, concentrando-se sobretudo na capital provincial, Pemba.
O desterro forçado dos deslocados em Cabo Delgado
São mais de 450 mil no norte de Moçambique. O terrorismo cortou-lhes as raízes e tomou-lhes o chão. Os deslocados internos procuram vingar noutras paragens. E Pemba tem sido lugar de eleição. Sobreviverão na nova terra?
Foto: Privat
A dor da perda e da impotência
Um olhar que diz mais do que mil palavras, a imagem poderia ser "sem legenda". Foi depois de um ataque à aldeia "Criação", Muidumbe, a primeira investida terrorista ao distrito, em novembro de 2019. Os insurgentes começaram os seus ataques em Cabo Delgado em outubro de 2017.
Foto: Privat
Histórias de vida reduzidas a cinzas
Desde então, a matança e destruição passaram a ser visitas assíduas da região. Como ninguém quer ser anfitrião, os aldeões fugiram. Em finais de outubro, Muidumbe e outros distritos sangraram de novo e a população fugiu. Muidumbe está praticamente nas mãos dos terroristas, tal como Mocímboa da Praia, desde agosto.
Foto: Privat
Quase todos os caminhos vão dar a Pemba
O único desejo destes residentes de Mueda é conseguir um canto no camião para chegar à capital provincial de Cabo Delgado. Mas a disputa entre pessoas e os seus próprios pertences ameaça deixar alguém para trás. Desde meados de outubro, Pemba recebeu cerca de 12 mil deslocados. Inicialmente, recebia à volta de mil deslocados por dia.
Foto: Privat
Quando o mato passa a ser melhor que o lar
Para muitos em Cabo Delgado, ter um teto deixou de ser sinónimo de segurança. Conseguir manter a vida, mesmo sem casa, passou agora a ser a meta. Os bichos passaram a ser mais cordiais que os irmãos terroristas, as estrelas melhores que o teto e os arbustos melhores que as paredes. Famílias procuram refúgio nas matas, onde caminham por dias dominados pelo medo, sem comida e sem norte.
Foto: Privat
Um abraço amigo em Pemba
Estes deslocados chegam de Quissanga. Mas também chegam à praia de Paquitequete, Pemba, deslocados vindos de vários lugares. Todos tentam escapar ao terror. Muitos fixam-se aqui, onde recebem apoio de ONGs, associações, indivíduos e do Governo. Há até quem abra as portas da sua casa para os receber, mesmo não os conhecendo.
Foto: Privat
Crise humanitária faz brotar solidariedade infinita
A falta de quase tudo faz despertar solidariedade que chega de todo o lado. Para quem está longe, uma angariação de fundos e bens materiais é a opção. Já cuidar dos deslocados na praia de Paquitequete, atendendo-os nas suas necessidades, é o que faz quem está no terreno. Na praia, há jovens que chegam de madrugada para dar amor a quem precisa.
Foto: Privat
Uma fuga rodeada de perigos
O medo é tanto que nem a sobrelotação parece intimidar os deslocados internos. No começo de novembro, mais de 40 pessoas morreram a tentar chegar a Pemba num naufrágio entre as ilhas do Ibo e Matemo.
Foto: Privat
Pemba a rebentar pelas costuras
O "boom" de deslocados é tão grande que o sistema de serviços básicos para a população, como água e saneamento, está no limite. Antes desta nova vaga de deslocados, a capital de Cabo Delgado tinha 204 mil habitantes. Agora, tem mais de 300 mil.
Foto: DW/E. Silvestre
Começar nova vida noutro chão
O Governo criou um comité de gestão para esta crise humanitária. Afirma que está a criar novas aldeias, centros de reassentamento, infrastruturas e a parcelar terras para acomodar os deslocados. Embora esteja garantida a segurança, as suas raízes estão noutro chão.
Foto: Privat
Que futuro?
Por enquanto não há resposta. Mas há deslocados que se vão "desenrascando" para sobreviver. Muitos dizem que não querem viver de mão estendida. Por exemplo, quem tem barco vai à pesca ou trasporta mercadorias. Outros entretêm-se a jogar futebol. Vão cuidando das suas vidas. Mas para os que não têm alternativas, que são a maioria, correrão riscos de entrar para o mundo do crime?