Uma semana após os funerais de Afonso Dhlakama, a DW África conversou com o professor italiano Andrea Riccardi, um dos principais nomes que mediaram o Acordo de Paz e que trabalhou diretamente com o ex-líder da RENAMO.
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"Vai-se o líder, ficam incertezas". "Obrigado". "Dhlakama: 1953-2018". Enquanto vê as capas dos principais jornais de Moçambique que anunciam a morte do histórico líder da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), no seu escritório na Sociedade Dante Alighieri, no centro de Roma, o professor Andrea Riccardi, fundador da Comunidade de Santo Egídio, recorda um encontro com Afonso Dhlakama na capital italiana.
"Dhlakama teve um papel importante no acordo de paz, tornou-se consciente que a guerrilha não trazia nada de positivo a Moçambique. Eu lembro-me da sua visita a Roma, um encontro comigo e com dom Matteo Zuppi [bispo da Arquidiocese de Bolonha], no qual se começou a falar do processo de paz".
Riccardi fala de uma transformação importante pela qual o ex-líder da RENAMO passou naqueles dias em Roma. "Recordo da sua felicidade, da assinatura [do acordo] da paz e lembro-me de um homem que tinha perspicácia política. Talvez o seu grande desafio tenha sido aquele da procura dos colaboradores, da criação de uma classe dirigente da RENAMO que hoje existe e penou um pouco no início".
Segundo Andrea Riccardi, as negociações de paz foram para Dhlakama "uma escola, uma passagem da lógica da guerrilha à lógica da política".
Lógica colocada à prova
Há uns anos, em Moçambique, voltou a haver confrontos entre as forças governamentais e homens armados da RENAMO. Mais recentemente, Dhlakama e o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, estavam em contato para chegar a uma paz definitiva.
"Maior herança de Dhlakama é o diálogo"
Para o fundador da Comunidade de Santo Egídio, houve, no entanto, um certo extremar de posições por parte de Dhlakama. O percurso em busca da paz definitiva para Moçambique tinha uma grande chance de ser concluído na gestão do Presidente Nyusi, apesar do endurecimento de Dhlakama.
"Eu não falaria de radicalização. Ele apoiou honestamente o nascimento de um país democrático e pluralista, no último período houve grandes problemas entre FRELIMO, Governo, e RENAMO", diz Andrea Riccardi, ressaltando que "nós, enquanto Santo Egídio, sempre defendemos a necessidade do diálogo. Recordo que o próprio dom Zuppi foi conversar com Dhlakama na Gorongosa. Mas ele nunca renunciou ao diálogo".
Agora, sem a figura do líder histórico, Riccardi espera que Moçambique continue "nesta estrada de diálogo". "Acredito que a melhor herança de Dhlakama seja justamente essa", conclui o professor.
Afonso Dhlakama, homem de causas
O percurso de Afonso Dhlakama enquanto político e militar quase se confunde com a história de Moçambique independente. Em nome da democracia não hesitou em entrar numa guerra. Herói para uns, vilão para outros.
Foto: picture-alliance/dpa
Dhlakama, um começo na FRELIMO que não vingou
Afonso Macacho Marceta Dhlakama nasceu a 1 de janeiro de 1953 em Mangunde, povíncia central de Sofala, Moçambique. Entra para a FRELIMO perto da época da independência em 1975, mas não fica muito tempo. Em 1976 sai do partido que governa o país para co-fundar a RNM (Resistência Nacional de Moçambique), um movimento armado, com o apoio da Rodésia do Zimbabué. O objetivo: por fim a ditadura.
Foto: Imago/photothek
Dhlakama: Desde cedo líder da RENAMO
A guerra civil entre a RNM, depois denominada RENAMO, Resistência Nacional de Moçambique, e o Governo começou em 1976. Dhlakama assume a liderança da RNM depois da morte de André Matsangaíssa em combate em 1979. Já era líder quando o primeiro acordo que visava por fim a guerra foi assinado entre o Governo e o regime do apartheid na África do Sul em 1984. Mas o Acordo de Inkomati fracassou.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
AGP: Democracia entra no vocabulário com Dhlakama
Depois de 16 anos de guerra Dhlakama assina com o Governo o Acordo Geral de Paz de Roma em 1992 no contexto do fim da guerra fria e do apartheid na África do Sul. Começa uma nova era para o país, depois de uma guerra que fez perto de um milhão de mortos e milhões de refugiados. A democracia passa então a fazer parte do vocabulário dos moçambicanos, com Dhlakama a auto-intitular-se o seu pai.
Foto: picture-alliance/dpa
O começo das derrotas de Dhlakama nas eleições
Moçambique entra para a era do multipartidarismo e realiza as suas primeiras eleições em 1994. Dhlakama e o seu partido perdem as eleições. As segundas eleições acontecem em 1999 e Dhlakama volta a perder, mas rejeita a derrota. E desde então não parou de perder, facto que provocou descontentamento ao partido de Dhlakama. Reclamava de fraudes e injustiças. E nasceram assim as crises com o Governo.
Foto: Reuters/Grant Lee Neuenburg
Dhlakama: O regresso às matas como estratégia de pressão
O regresso do líder da RENAMO à Serra da Gorongosa em 2013, um dos seus bastiões militares, foi uma mensagem inequívoca ao Governo da FRELIMO. Dhlakama queria mudanças reais, que passavam pelo respeito integral do AGP, principalmente a integração dos militares da RENAMO no exército nacional, e mudança da legislação eleitoral. Assim o país voltou a guerra depois de mais de vinte anos.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Armando Guebuza e Dhlakama em braço de ferro permanente
A 5 de agosto de 2014 o então Presidente Armando Guebuza e Afonso Dhlakama assinaram um cessar-fogo. Estavam criadas as condições para o líder da RENAMO participar nas eleições gerais de outubro de 2014. Dhlakama e o seu partido participam nas eleições e voltam a perder. As crise volta ao rubro e Dhlakama regressa às matas da Gorongosa.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Emboscada contra Afonso Dhlakama
A 12 de setembro de 2015 a caravana em que seguia Afonso Dhlakama foi atacada na província de Manica. Ate hoje não se sabe quem foram os atacantes. A RENAMO considerou a emboscada como uma tentativa de assassinato do seu líder. A comunidade internacional condenou o uso da violência.
Foto: DW/A. Sebastião
Aperto ao cerco contra Afonso Dhlakama
No dia 9 de outubro de 2015, a polícia cercou e invadiu a casa de Afonso Dhlakama na cidade da Beira. As forças governamentais pretendiam desarmar a força a guarda do líder da RENAMO. Os homens da RENAMO que se encontravam no local foram detidos. A população da Beira, bastião da RENAMO, juntou-se diante da casa de Dhlakama manifestando o seu apoio ao líder.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Catueira
Dhlakama e Nyusi: Menos mãos melhores resultados
O líder da RENAMO e o Presidente da República decidiram prescindir de mediadores e passaram a negociar o acordo pessoalmente. Desde então consensos têm sido alcançados, um deles relativo à revisão pontual da Constituição, no âmbito do processo de descentralização em fevereiro de 2018. A aprovação da proposta pelo Parlamento é urgente, pois as próximas eleições de 2018 e 2019 dependem dele.
Foto: Presidencia da Republica de Mocambique
Dhlakama: Não foi a bala que ditou o seu fim
Na manhã de 3 de maio o maior líder da oposição em Moçambique perdeu a vida vítima de doença. Deixa aos seus correlegionários a tarefa de negociar outro ponto controverso na crise com o Governo: a desmilitarização ou integração dos homens armados da RENAMO no exército nacional. Há quase 40 anos à frente da liderança da RENAMO teve de negociar com todos os Presidentes de Moçambique independente.