Maioria seria contra reabertura das escolas em Moçambique
Marta Cardoso
3 de agosto de 2020
Sondagem do Fórum para os Direitos da Criança conclui que maioria é contra reabertura imediata de escolas. Organização Nacional dos Professores assegura que estabelecimentos de ensino estão a ser reestruturados.
Foto: DW/L. da Conceição
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Uma sondagem do Fórum da Sociedade Civil para os Direitos da Criança (ROSC) a que a DW África teve acesso constata que crianças e adultos são contra a reabertura das escolas em Moçambique. O Governo ainda não definiu quando dará o aval para os estabelecimentos de ensino voltarem a funcionar normalmente.
Segundo o relatório do ROSC, 72% dos maiores de 18 anos opõem-se à reabertura, assim como 71% de crianças e jovens entre os 7 e os 18 anos. Quase 12,3 mil pessoas participaram no inquérito.
"É incrível que alguns pais que diziam que se pode reabrir as escolas recuam quando a questão é se levariam o filho ou não”, identifica Salomé Mimbir, diretora de programas do ROSC.
Segundo Mimbir, a justificação para a recusa é associada à falta de condições de higiene e segurança nas escolas e de consciência de risco da criança no espaço público. Outras condições relevantes apontadas no relatório referem-se às condições dos transportes públicos e os custos de aquisição de gel desinfetante e de máscaras.
"[Para os pais,] é necessário estudar e a escola é importante. [Eles] querem [que os filhos] voltem a estudar, mas dentro das condições que o coronavírus nos obriga”, interpreta Mimbir.
Muitas escolas não oferecem acesso a águaFoto: DW/B. Jequete
O psicológico das crianças
Na secção de comentários do inquérito, alguns pais falaram da "gestão da ansiedade” e da "disposição psicológica das crianças para voltar às aulas”.
Segundo Mimbir, a sondagem apontou que, devido ao longo tempo sem ver os colegas, a primeira coisa que as crianças tendem a fazer é abraçarem-se. "Os mais novinhos falam inclusive de trocar máscaras, daquela cultura de partilhar o lanche, de partilhar a água”, diz a diretora, ressaltando a dificuldade de obedecer ao distanciamento social para prevenir a Covid-19.
"Era necessário que se investisse nalgum processo de consciencialização das pessoas sobre as medidas a tomar na escola no espaço público para poder prevenir o coronavírus”, lê-se nos comentários no inquérito.
A diretora de programas do ROSC considera ainda que, mesmo em circunstâncias normais, a questão de higienização nas escolas "é uma utopia”. "Temos casos de desistência escolar ou de absentismo quando as raparigas estão menstruadas. Porque, normalmente, as escolas não oferecem condições dignas para gerirem a sua higiene pessoal na escola”, exemplifica.
Mimbir espera que os 3,5 mil milhões de meticais (44 milhões de euros) que o Governo alocou para preparar as escolas sejam inteiramente usados para este fim.
Escolas e material degradado na Zambézia
Para além da sobrelotação, há várias escolas sem condições na província da Zambézia, no centro de Moçambique. As infraestruturas encontram-se deterioradas e há falta de material escolar.
Foto: DW/M. Mueia
Escola Primária de Nacogolone
Aqui as crianças estudam debaixo das árvores, estando as aulas dependentes da meteorologia. A maior parte das crianças que estuda nesta escola foi vítima das cheias de 2015, tendo as suas famílias sido reassentadas nas proximidades do bairro Nacogolone. Foram já várias as iniciativas que surgiram no bairro para a reconstrução de salas convencionais, mas a falta de recursos não as deixou avançar.
Foto: DW/M. Mueia
Escola Primária de Mutange
As salas de aula desta escola, localizada a 15 quilómetros do extremo sul da vila sede do distrito de Namacurra, foram construídas com material convencional. No entanto, estão deterioradas. As secretárias escolares e o material didático para os professores estão em más condições e os assentos são trazidos e levados pelos alunos todos os dias de e para as suas casas.
Foto: DW/M. Mueia
Escola Primária 17 de Setembro
Embora se localize na capital da província, as condições desta escola estão muito abaixo das expetativas. Algumas paredes estão corroídas, outras parcialmente destruídas. O mesmo acontece com as carteiras escolares. O teto está deteriorado, o que constitui um perigo para os alunos. A direção da escola recebeu cerca de 200 mil meticais, mas diz não ser suficiente para reabilitar toda a estrutura.
Foto: DW/M. Mueia
Escola Primária de Quelimane
Localizada no centro, em frente ao edifício do Governo da Província da Zambézia, é umas das escolas mais privilegiadas da cidade. Tem condições favoráveis e adequadas ao ensino e à aprendizagem, possuindo até uma sala de conferências. É a mais antiga escola primária - no tempo colonial, era frequentada pelos filhos dos colonos e filhos de negros assimilados.
Foto: DW/M. Mueia
Escola Comunitária Mártires de Inhassunge
Fundada pela congregação religiosa Padres Capuchinhos, a Escola Comunitária Mártires de Inhassunge acolhe alunos do 1º ao 10º ano e é muito frequentada por pessoas carenciadas e órfãs. Apesar de ter dificuldades no acesso ao fundo de apoio direto às escolas, a instituição conta com infraestruturas adequadas e salas de aula equipadas com carteiras. Uma realidade diferente das escolas públicas.
Foto: DW/M. Mueia
Escola Secundária Geral de Sangarriveira
Integrando alunos da 8ª à 12ª classe, esta escola, que começou a funcionar em 2013, apresenta já rachas nas paredes, janelas partidas e chão degradado. A diretora Paulina Alamo afirma que as obras não obedeceram ao que estava estabelecido. A dimensão das salas é pequena para a quantidade de alunos existente. Há estudantes que têm de se sentar no chão.
Foto: DW/M. Mueia
Escola Primária e Completa de Wazemba
O problema alastra-se também aos professores. Os gabinetes dos diretores e gestores das escolas localizadas em sítios mais distantes das vilas e postos administrativos estão em péssimas condições. Exemplo disso é a Escola Primária e Completa de Wazemba, no distrito de Namacurra. No gabinete do diretor, há atlas geográficos pendurados nas paredes feitas de material de construção local.
Foto: DW/M. Mueia
Pais, alunos e professores garantem manutenção
A estrutura externa do gabinete do diretor da Escola Primária de Wazemba foi construído com materiais locais - paus e folhas de coqueiro para cobrir o teto. As paredes são revestidas por lama. Em muitas outras infraestruturas escolares semelhantes a esta, a reabilitação é garantida pelos próprios alunos, encarregados de educação, lideres comunitários e professores.
Foto: DW/M. Mueia
Governo conhece situação
Carlos Baptista Carneiro, administrador de Quelimane, garante que a reabilitação das escolas e a compra de carteiras escolares está dependente da disponibilidade de fundos, pelo que não será possível reabilitar todas as escolas da cidade ao mesmo tempo. Segundo o administrador, o número das instituições de ensino que aguardam reabilitação é grande e o Governo tem conhecimento da situação.
Foto: DW/M. Mueia
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Monitoria das escolas
A Organização Nacional dos Professores (ONP) está a visitar instituições de ensino para monitorar se têm condições de reabrir. O secretário nacional da ONP, Amadeu Lucas Impuana, conta que uma equipa da organização já estive nas províncias de Gaza, Inhambane e Maputo e na cidade de Maputo.
A ONP observou as condições de, em média, três instituições de ensino por distrito. Segundo Impuana, a equipa visita escolas secundárias do primeiro e segundo ciclo, alguns institutos de formação de professores e institutos técnicos de formação profissional.
"Podemos dizer que, das quatro províncias, quase 40% das instituições apresentam condições e 60% ainda têm de fazer muito para adequarem-se às recomendações atuais [do protocolo do Ministério da Saúde e da Organização Mundial de Saúde]”, indica.
Impuana especifica que algumas das escolas que visitou têm problemas de acesso a água.
Quando reabrirão as escolas?
Por este motivo, a ONP considera que não há condições para um regresso às aulas imediatamente. O secretário nacional da organização acredita que se deve dar mais tempo para permitir a reestruturação.
"Acreditamos que, dentro de 30 dias, o cenário pode vir a melhorar porque há esforço e engajamento da população, dos conselhos de escolas e dos professores. Verifica-se um exercício redobrado, incluindo das autoridades do Governo”, admite Impuana que tece elogios ao Executivo.
Inhambane: 20 mil alunos começam ano letivo sentados no chão
Ano letivo começa esta sexta-feira em Moçambique, mas há muitos alunos que não têm sequer uma carteira para se sentarem. Só na província de Inhambane, sul do país, são mais de 20 mil. E há salas de aula sem condições.
Foto: DW/L. da Conceicao
Aulas no chão, sem condições
Sentados no chão, sem condições mínimas para trabalhar. É assim que milhares de alunos da província de Inhambane, no sul de Moçambique, começam o ano letivo esta sexta-feira. Os alunos mais afetados são os das zonas rurais. O Governo disse que haveria novas carteiras escolares, mas entregou muito menos do que as que tinha prometido.
Foto: DW/L. da Conceicao
Chão sem cimento
Muitos alunos trazem bancos de casa para a escola, para evitarem sujar o uniforme com a areia da sala de aula. A maioria das escolas tem salas como esta: com material precário, sem chão cimentado e em avançado estado de degradação. Milhares de alunos abandonam o ensino no Inverno, por causa da falta de condições.
Foto: DW/L. da Conceicao
Carteira é só do professor?
Para muitos alunos das zonas rurais e dos bairros suburbanos, há uma pergunta que não quer calar: Por que é que o professor tem direito a uma carteira, para colocar o seu material, mas eles têm de assistir às aulas sentados no chão? Na província de Inhambane, as autoridades de educação estimam que mais de 20 mil alunos não têm carteiras escolares neste início de ano.
Foto: DW/L. da Conceicao
Onde estão as carteiras e a madeira?
O governo provincial de Inhambane entregou madeira a uma empresa da província de Sofala para produzir carteiras escolares, mas, nos últimos dois anos, só foram entregues 3.000 de um total de 10 mil carteiras encomendadas. A empresa alega que só recebeu uma parte do dinheiro da encomenda e não tem recursos para produzir mais. Entretanto, milhares de alunos esperam por um lugar para se sentar.
Foto: DW/L. da Conceicao
As promessas do governo
O setor da Educação prometeu distribuir, até finais de 2018, mais de 16 mil bancos melhorados e mais de 10 mil carteiras duplas. Mas esses bancos e carteiras ainda não chegaram. Palmira Pinto, diretora provincial da Educação e Desenvolvimento Humano em Inhambane, promete que se estão a fazer esforços para, ainda ao longo deste ano, minimizar a preocupação dos alunos que não têm carteiras.
Foto: DW/L. da Conceicao
Aulas debaixo da árvore
Algumas escolas, sobretudo escolas primárias, vêem-se obrigadas a dar aulas debaixo de árvores, porque não têm dinheiro para mandar construir salas. A situação piorou com a saída de alguns parceiros internacionais, que cooperavam diretamente com o setor da Educação em Moçambique na construção de recintos escolares.
Foto: DW/L. da Conceicao
Crise reflete-se nas escolas
Com o conflito entre as forças do Governo e o braço armado da RENAMO e a crise financeira e a descoberta das "dívidas ocultas", parceiros internacionais, que costumavam cooperar com Moçambique, deixaram de dar apoios - também na Educação. Para evitar que os alunos tenham aulas debaixo de árvores, como noutros sítios, há escolas que constroem salas com chapa de zinco. Mas faltam carteiras.
Foto: DW/L. da Conceicao
Como é que se escreve aqui?
Uma das soluções que os alunos arranjaram foi ir buscar blocos de cimento, para não se sentarem no chão. Mas os pais e encarregados de educação estão preocupados com as condições no ensino. Como é que os alunos podem aprender a escrever aqui, sem mesa - só em cima do joelho?
Foto: DW/L. da Conceicao
Escolas privadas
Devido à falta de condições, muitos pais e encarregados de educação acabam por matricular os filhos e educandos em escolas privadas. E, mesmo aqui, há queixas quanto à qualidade das carteiras escolares. Ainda assim, mais vale ter carteiras do que ter aulas no chão, pensam os pais.
Foto: DW/L. da Conceicao
Buracos na sala de aula
Há escolas públicas, como esta, que estão numa fase avançada de degradação. Muitos alunos acabam por contrair doenças, devido à falta de condições. Tanto as autoridades do setor da Educação como líderes comunitários têm levado a cabo uma campanha para construir salas de aula em cada zona pedagógica.
Foto: DW/L. da Conceicao
Contributo comunitário
No âmbito da campanha, membros da comunidade têm construído salas de aula com materiais locais. Mas ainda faltam carteiras escolares, e os alunos têm de se sentar no chão ou nos blocos de cimento. Uma sala de aula acolhe cerca de 60 a 70 alunos, de uma só turma. Face a estas condições, há quem diga que, para conseguir estudar e ter sucesso na vida, é preciso ter muita força de vontade.
Foto: DW/L. da Conceicao
"O maior problema é nas escolas primárias"
Onde há mais falta de carteiras escolares é nas escolas primárias e completas, onde há um maior número de alunos, diz a diretora provincial da Educação e Desenvolvimento Humano, Palmira Pinto. Mas a província de Inhambane espera, neste ano letivo de 2019, retirar mais alunos do chão, para que eles possam assistir às aulas sentados em carteiras.
Foto: DW/L. da Conceicao
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Impuana compreende o receio da sociedade civil quanto a retomada das aulas, mas atenta que o que está previsto é um "regresso faseado”, começando com os alunos da 12.ª Classe, que têm mais consciência das medidas de prevenção da Covid-19.
O representante dos professores indica ainda que os docentes "sentem-se confortáveis” em voltar às aulas, desde que as condições de higiene e segurança sejam reunidas.
Excesso de alunos em Nampula
O relatório do ROSC sugere que o plano para o regresso às aulas não seja igual em todas as províncias.
"Cabo Delgado apresenta um contexto diferente de Gaza, que também é diferente de Maputo”, constata Mimbir, alertando para o número excessivo de alunos em Nampula deslocados de Cabo Delgado.
"Tem de se pensar como é que o Governo vai lidar com essas crianças que são deslocadas. Algumas são separadas dos pais e têm outros traumas que podem emperrar o processo de ensino e aprendizagem. Sem falar do registo de casos de transmissão comunitária do coronavírus. Tudo isso tem de ser levado em conta no processo de regresso às aulas”, diz a diretora do ROSC.
Mimbir aponta ainda que deve haver um plano de monitoria das condições nas escolas: "Porque, num primeiro momento, pode-se seguir à risca, mas com o passar do tempo as pessoas acomodam-se e começam a desleixar-se”, opina.
As conclusões do ROSC constam no relatório "Sondagem sobre o retorno às aulas no contexto da Covid-19”, que se realizou de 05 a 12 de julho, quando ainda estava prevista a reabertura faseada das escolas a partir de 27 de julho.
Moçambique: Projeto incentiva leitura durante a pandemia