Mais de 2 mil milhões de euros para reconstruir a RCA
Maria João Pinto | Audrey Parmentier | Reuters | Lusa
18 de novembro de 2016
Em Bruxelas, 80 países, organizações e agências internacionais prometeram elevadas verbas para ajudar na estabilização da RCA nos próximos três anos. Focos de violência continuam no país devastado pela crise.
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A República Centro-Africana (RCA) vive uma grave crise política, económica e social desde 2013, quando os rebeldes muçulmanos Seleka derrubaram o Governo autoritário do Presidente François Bozizé. O país mergulhou depois numa espiral de violência inter-religiosa: os confrontos entre muçulmanos da ex-coligação Seleka a cristãos das milícias anti-balaka mataram milhares de pessoas.
A violência diminuiu após a eleição do Presidente Faustin-Archange Touadéra, em fevereiro, mas continuam a registar-se focos de violência. Apesar deste cenário, a alta representante da União Europeia (UE) para a política externa, Federica Mogherini, sublinhou esta quinta-feira (17.11), numa conferência de doadores em Bruxelas, que o país "viveu uma crise profunda, mas está a virar a página".
A RCA está pronta para a reconstrução, mas depende do financiamento. "O programa acordado entre os doadores e a RCA é vasto e ambicioso. É um mapa claro. A comunidade internacional tem um papel fundamental neste plano", disse Mogherini, lembrando que em termos de reconstrução "as necessidades são enormes".
Oitenta países, organizações e agências internacionais responderam ao apelo e prometeram mais de 2 mil milhões de euros para reconstruir a República Centro-Africana. O montante faz parte de um plano de cinco anos estimado em cerca de 3 mil milhões.
O plano que o Governo do país desenvolveu com o Conselho da UE, o Banco Mundial e as Nações Unidas divide-se em três eixos: alcançar a paz, a reconciliação e a segurança; restabelecer o controlo territorial do Estado e os serviços básicos, como água e educação; e a recuperação económica.
Um país sem exército
Desde a saída das tropas francesas do país, em outubro, a responsabilidade pela estabilização da RCA recai sobre os capacetes azuis da ONU e a missão de treino militar da União Europeia. O país não tem um exército e o novo Governo em Bangui ainda não controla todo o território.
18.11 Actualidade: Conferência de doadores RCA - MP3-Stereo
"A situação é frágil, porque não temos Forças Armadas", lembra em entrevista à DW Dieudonné Nzapalainga, arcebispo de Bangui e co-fundador da plataforma inter-religiosa contra a guerra civil na RCA, sublinhando que a questão militar é essencial.
"Dependemos da MINUSCA, mas a missão da ONU não consegue estar em todo o lado e alguns locais são controlados por senhores da guerra, o povo está ao abandono", afirma Dieudonné Nzapalainga,
O arcebispo de Bangui defende que as questões do embargo internacional às armas e a formação de um exército nacional têm de voltar à agenda, "para que um exército inclusivo, com todos os grupos étnicos e tribos, possa defender o país".
Ajuda humanitária urgente
Segundo dados da organização Médicos Sem Fronteiras, metade dos cerca de cinco milhões de habitantes da RCA necessitam de ajuda humanitária. A violência no país obrigou 400 mil pessoas a abandonarem as suas casas.
Ouvida pela DW, a Amnistia Internacional lembra que a situação de segurança piorou desde setembro, com vários ataques contra civis em todo o país. Uma força de protecção da ONU foi atacada e quase 40 pessoas foram mortas por ex-rebeldes Seleka.
Apesar deste cenário, o Presidente Faustin-Archange Touadéra afirmou perante os doadores, em Bruxelas, que é possível recuperar. "A vossa enorme presença nesta reunião crucial para o meu país é prova suficiente de que acreditam na República Centro-Africana. A situação no meu país é dura, mas não é uma causa perdida".
Fuga e sofrimento na República Centro-Africana
Desde o golpe de Estado, há um ano, a situação na República Centro-Africana está fora de controle. Aqueles que podem, fogem. Aqueles que permanecem, lutam todos os dias pela sobrevivência.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Refúgio no aeroporto de Bangui
Desde o golpe de Estado, há um ano, a situação na República Centro-Africana está fora de controle. Milícias cristãs e muçulmanas promovem amargos combates. Um milhão de pessoas estão em fuga. Quase todos os muçulmanos deixaram a capital, Bangui. Entre os que permaneceram, algumas centenas encontram abrigo num velho hangar do aeroporto.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Perder tudo
O marido de Jamal Ahmed tinha guardado dinheiro suficiente para a fuga de sua família, quando as milícias cristãs chamadas "Anti-Balaka" invadiram sua aldeia natal. As poucas economias não foram suficientes - ele pagou com a vida. Jamal Ahmed vive no acampamento que surgiu no aeroporto: "Não conheço ninguém aqui. Não tenho mais nada. Não sei como será daqui para a frente.”
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Ver os netos mais uma vez
Aos 84 anos, Fatu Abduleimann está entre os moradores de idade mais avançada do campo de refugiados do aeroporto. Nas últimas décadas, Fatu assistiu a muitas dificuldades em sua terra natal. Mas nunca foi tão ruim quanto agora, diz a idosa. Seu único consolo: a maioria dos seus filhos conseguiu fugir para o Chade. Seu maior desejo: "ver os meus netos mais uma vez."
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Quilómetro Cinco, uma cidade fantasma
Exceto o acampamento de refugiados no aeroporto, quase todos os muçulmanos deixaram a cidade. Há alguns meses, o chamado "Quilómetro Cinco" era um animado centro da comunidade muçulmana. Mais de 100.000 pessoas moravam e trabalhavam aqui, a cinco quilómetros do centro da capital, Bangui. Agora, restaram apenas algumas centenas de pessoas. As lojas estão fechadas até nova ordem.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Esperar o momento certo
Quase todos os muçulmanos que ainda restam no "Quilómetro Cinco" querem apenas uma coisa: sair daqui. Os caminhões para a fuga estão prontos. Eles esperam que um comboio tenha como destino os países vizinhos como os Camarões ou o Chade.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
A cidade de campos de refugiados
Não apenas os muçulmanos temem por suas vidas. Por toda a cidade de Bangui pode-se encontrar acampamentos provisórios em que a maioria da população, cristãos e animistas, procura proteção - por medo de um retorno das milícias islamistas ou simplesmente porque não têm o que comer - e espera por doações de alimentos.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Ajuda sobrecarregada
O Pastor David Bendima recebeu, na sua igreja, mais de 40 mil pessoas que fugiram dos combates no centro da cidade. Mas ele também não pode garantir-lhes segurança suficiente. "Todas as noites ouvimos tiros e granadas explodindo. As pessoas estão com muito medo", diz o pastor. Ele parece cansado.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Últimas reservas
Chancella Damzousse, de 16 anos, vive em uma aldeia a meia hora de distância de Bangui. Ela prepara o jantar. "Tudo o que resta são alguns grãos de feijão e um pouco de gergelim", diz a jovem. 15 pessoas terão que se satisfazer com a refeição. Desde que milícias muçulmanas destruíram o lugar há alguns meses e mataram muitos cristãos, a família de Chancella recebeu vários vizinhos.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Vítimas, autores, centinelas
Ao lado da casa de Chancella, há um guarda da milícia Anti-Balaka. Os amuletos em seu corpo o tornam invulnerável contra balas, explica ele. A milícia tomou o controle da região. Seu trabalho é proteger os moradores da aldeia do ataque de outros rebeldes. No entanto, a sua proteção aplica-se apenas aos cristãos - há muito tempo os muçulmanos deixaram o local ou foram mortos.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Presença internacional
Sete mil soldados da União Africana e da França têm a responsabilidade de garantir a segurança no país dilacerado. A situação humanitária está piorando a cada dia, no entanto. Em 1 de abril, a União Europeia lançou oficialmente a sua operação militar na República Centro-Africana, com um contingente de até mil homens para reforçar as tropas francesas e africanas por um período de até seis meses.