Eleitores das ilhas Comores aprovaram por esmagadora maioria o reforço dos poderes do Presidente Azali Assoumani, segundo a Comissão Eleitoral. Oposição diz que referendo foi "ilegal".
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As alterações constitucionais que reforçam os poderes do Presidente foram aprovadas no referendo de segunda-feira (30.07) por 92,74% dos eleitores, contra 7,26% dos eleitores que votaram "não".
Os resultados foram anunciados esta terça-feira pela Comissão Eleitoral Independente das Comores, que referiu ainda que a participação eleitoral foi superior a 60%.
A revisão da Constituição permite que o Presidente cumpra dois mandatos de cinco anos consecutivos, e inclui a suspensão dos três vice-Presidentes das Comores e do Tribunal Constitucional. É também alterado o regime de Presidência rotativa, introduzido em 2001, que atribuía sucessivamente a chefia do Estado a um candidato de cada uma das três ilhas do país, eleito para um mandato único de cinco anos.
Antes do referendo, o Presidente garantiu que, de acordo com as novas regras, iria organizar a partir de 2019 uma eleição presidencial antecipada, em que se apresentaria como candidato.
Boicote da oposição
Mas os adversários políticos de Azali Assoumani acusam-no de autoritarismo e boicotaram a votação, que classificam de "ilegal".
"A reforma constitucional não pode ser adotada na medida em que não houve uma consulta nacional, não houve referendo de verdade. Houve uma consulta partidária. Fizeram o que queriam fazer", afirmou Abdou Salami Abdou, governador da ilha de Anjouan.
Para Iain Walker, da Universidade Martin-Luther de Halle-Wittenberg, na Alemanha, o referendo é ambíguo.
"Certamente, o sistema político das Comores é muito complicado, com os vários níveis, os vice-Presidentes, e a Presidência rotativa, que foi implementada no início do século para dar a cada ilha uma oportunidade de sediar a Presidência. Mas o Presidente propõe a extensão do seu mandato, o que é visto como uma tomada de poder e uma tentativa de excluir o Presidente anterior, que seria o próximo candidato", diz Walker.
Mais poderes para o Presidente das Comores
Religião oficial
Além das reformas políticas, a proposta aprovada no referendo também torna o islamismo sunita a religião do Estado. Nas Comores, 99% dos cidadãos são mulçumanos, sobretudo sunitas. Mas o antropólogo Iain Walker vê nesta mudança um ataque ao antigo Presidente Ahmed Abdallah Sambi.
"Isso é em parte um ataque contra o antigo Presidente, que, embora não seja xiita, é muito próximo do Irão. E também faz parte da política do país de se alinhar com a Arábia Saudita. No atual contexto político mais amplo do conflito entre a Arábia Saudita e o Irão, as Comores aliaram-se à Arábia Saudita, que são os maiores doadores do país."
Desde a independência, houve mais de 20 tentativas de golpe nas Comores, quatro delas bem sucedidas. Azali Assoumani assumiu o poder pela primeira vez em 1999 através de um golpe militar. Há dois anos, Azali voltou a ser Presidente, depois de uma eleição controversa.
Presidentes para sempre
Vários líderes africanos já com muitos anos no poder, se não décadas, procuram prolongar a estadia no cargo através de mudanças na Constituição. Alguns deles são o único Presidente que muitos dos seus cidadãos conhecem.
Foto: picture-alliance/P.Wojazer
Argélia: Abdelaziz Bouteflika
Abdelaziz Bouteflika tem 81 anos, conta com 19 no poder e tudo indica que vai tentar a reeleição em 2019, num país onde não há limite de mandatos. Em 2013 sofreu um acidente vascular cerebral (AVC), mas nem a idade, nem o estado de saúde parecem travar o Presidente.
Foto: Reuters/Z. Bensemra
Camarões: Paul Biya
Aos 85 anos, Paul Biya é o Presidente mais velho do continente africano e apenas ultrapassado em anos no poder pelo líder da vizinha Guiné Equatorial. Este ano, deverá concorrer novamente às eleições, depois de uma revisão à Constituição, em 2008, retirar os limites aos mandatos.
Foto: picture alliance/abaca/E. Blondet
Guiné-Equatorial: Teodoro Obiang Nguema
Teodoro Obiang Nguema é atualmente o líder africano há mais tempo no poder, depois de, em 2017, José Eduardo dos Santos ter deixado o cargo de Presidente de Angola, que ocupava também desde 1979. Nas últimas eleições do país, em 2016, Obiang afirmou que não voltaria a concorrer em 2020.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Lecocq
Ruanda: Paul Kagame
Paul Kagame lidera o Ruanda desde 2000. Depois de vencer eleições em 2017, poderá continuar no poder até, pelo menos, 2034. Assim ditou a consulta popular realizada em 2015 que acabou com o limite de dois mandatos presidenciais.
Foto: picture-alliance/ZUMAPRESS.com/G. Dusabe
Uganda: Yoweri Museveni
Com mais de 30 anos no poder, Yoweri Museveni é, para uma grande parte dos ugandeses, o único Presidente que conhecem. 75% dos atuais 35 milhões de habitantes nasceram depois de Museveni ter subido ao poder. Em dezembro de 2017, foi aprovada a lei que retira o limite de idade (75 anos) para concorrer à Presidência. Com 73 anos, Museveni já pode concorrer ao sexto mandado, nas eleições de 2021.
Foto: Getty Images/AFP/G. Grilhot
Burundi: Pierre Nkurunziza
O terceiro mandato de Nkurunziza gerou uma onda de protestos entre a população que, de acordo com o TPI, terá causado cerca de 1200 mortos e 400 000 refugiados. Em maio de 2018, terá lugar um referendo para alterar a Constituição que permitirá ao Presidente continuar no cargo que ocupou em 2005 até 2034.
Foto: Imago/photothek/U. Grabowski
Gabão: Ali Bongo Ondimba
Ali Bongo ainda está longe de quebrar o recorde do pai, que esteve 41 anos no poder, mas já vai no terceiro mandato, ganho em 2017, no meio de muita contestação. Recentemente, a Constituição do Gabão foi revista e além de acabar com o limite de mandatos, também permite ao Presidente tomar decisões unilateralmente.
Foto: Reuters/G. W. Obangome
Congo: Denis Sassou Nguesso
Foi também uma alteração à Constituição que permitiu que Denis Sassou Nguesso voltasse a candidatar-se e a vencer as eleições em 2016. Já são mais de 30 anos à frente do país, com uma pequena interrupção entre 1992 e 1997.
Foto: picture-alliance/AA/A. Landoulsi
Togo: Faure Gnassingbé
Em 2005, Faure Gnassingbé substituiu o pai, que liderou o país durante 38 anos. Ao contrário de outros países, o Togo não impunha um limite aos mandatos. Em 2017, após protestos da população contra a "dinastia" Gnassingbé, foi aprovada a lei que impõe um limite de mandatos. No entanto, a lei não tem efeitos retroativos, pelo que o ainda Presidente poderá disputar as próximas eleições, em 2020.
Foto: DW/K.Tiassou
Républica Democrática do Congo: Joseph Kabila
Joseph Kabila sucedeu ao pai no poder em 2001, após o seu assassinato. Deveria ter terminado o segundo e último mandato no final de 2016. Através de um acordo com a oposição, continuou à frente do país. Este prolongamento seria de apenas um ano, mas as eleições que deveriam ter acontecido em dezembro de 2017 não se realizaram. Estão agora previstas para o final de 2018. Será desta?
Foto: Getty Images/AFP/J.D. Kannah
Zâmbia: Edgar Lungu
Edgar Lungu é dos que está no poder há menos tempo, apenas desde 2015, mas já vai no segundo mandato - que deveria ser último. Contudo, Lungu pretende recandidatar-se em 2021. Alega que o seu primeiro mandato não contou, uma vez que apenas substituiu o anterior presidente, Michael Sata, que faleceu em 2014, além de ter sido por um curto período, longe dos cinco anos previstos para um mandato.