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"Governo de unidade surgirá com quem queira integrá-lo"

Eric Topona
31 de julho de 2020

Em entrevista à DW África, primeiro-ministro do Mali rejeita possibilidade de destituição do Presidente Boubacar Keita. Apesar dos protestos marcados para a semana que vem, Boubou Cissé espera que M5-RFP aceite negociar.

Mali DW-Interview mit Ministerpräsident Boubou Cissé
Foto: Primature du Mali

O primeiro-ministro do Mali, Boubou Cissé, rejeita completamente uma das exigências do Movimento 5 de Junho - Reunião das Forças Patrióticas (M5-RFP): a sua demissão e a do Presidente Ibrahim Boubacar Keita.

Depois da reunião extraordinária do Comunidade dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) sugerir um conjunto de medidas para resolver a crise, o movimento de oposição no Mali – que reúne líderes políticos e religiosos e membros da sociedade civil - insistiu que a "única palavra de ordem" é a demissão do Presidente maliano e do seu primeiro-ministro.

O chefe de Governo acha que o M5-RFP vai aceitar compor um governo de unidade nacional em algum momento. No entanto, o movimento não parece recuar e convocou novas manifestações para a próxima semana pelo país. Boubou Cissé conversou com a DW África sobre uma solução para a crise política.

DW África : Apesar do plano de saída da crise proposto pela CEDEAO no início da semana, apesar da sua mão estendida, apesar da mão do Ibrahim Boubacar Keita, M5-RFP insiste da destituição do Presidente. A proposta já não foi perdida?

Boubou Cissé (BC): Penso que o Movimento 5 de Junho evoluiu nas suas exigências. Na minha opinião, o que foi exigido relativamente à partida do Presidente da República já não é relevante agora. A sua autoridade moral teve de se afirmar a esse respeito. Isto também foi muito claro durante a missão da CEDEAO, a linha que tinha sido traçada era que estes são canais constitucionais que levam alguém à magistratura suprema e a liderar um país. O Presidente da República, Ibrahim Boubacar Keïta, foi eleito. Ele tem cinco anos no cargo, ainda lhe resta algum tempo, e todos concordam hoje que ele deve servir até ao fim do seu mandato.

DW: Na passada terça-feira à noite, o senhor foi à residência do imã Dicko - que é a autoridade moral do M5-RFP. Qual foi a sua intensão?

BC: Já lá tinha ido para falar com ele sobre o espírito por detrás do estabelecimento do "Executivo restrito” que tinha sido criado no dia anterior. O Presidente da República - em conformidade com a recomendação da Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da CEDEAO - decidiu criar um Executivo selecionado de seis ministros, seis ministérios. O objetivo era assegurar a continuidade do Estado e de se encarregar dos assuntos quotidianos. A equipa também iniciaria negociações com o M5 implementaria as recomendações da CEDEAO relativas ao Parlamento, o Tribunal Constitucional e  outras recomendações que foram discutidas relativamente às investigações sobre os assassinatos que tiveram lugar a 10 e 11 [de julho de 2020]. Expliquei-lhe isto e pedi-lhe também que ajudasse a implementar as recomendações, consciente de que não poderiam ser implementadas sem um diálogo aberto e franco com o M5.

DW África: E o que é que ele disse?

Boubou Cissé: Encontrei um homem que estava obviamente aberto ao diálogo entre os diferentes actores, entre os jovens do Mali, e um homem que gostaria que chegássemos o mais rapidamente possível a uma solução para acabar com a crise e regressar à normalidade. Falou-nos também de uma série de constrangimentos que existem do lado do M5 e também do seu lado, nos quais teremos de trabalhar. Obviamente a questão daqueles que infelizmente tombaram em frente à sua casa ou à sua mesquita foi discutida. Esta é uma questão em que estamos a fazer tudo o que podemos para descobrir onde residem as responsabilidades. Foi aberto um inquérito judicial. Foi remetida ao Procurador-Geral da República e a investigação está em curso. Serão feitos todos os esforços para determinar quem é responsável e será dado seguimento às sanções.

DW África: Segundo as nossas informações, o imã Dicko pediu para que o senhor se demitisse das suas funções.

BC: Sim, o imã falou-me sobre isso. Mas a minha demissão não está na ordem do dia. O Presidente da República é aquele que tem essa prerrogativa, de nomear o seu primeiro-ministro e eventualmente fazê-lo demitir-se se não estiver satisfeito. Ele é o único que o pode fazer. Até agora, ele não me mostrou isto - pelo contrário. Estamos completamente a par de tudo o que está a acontecer, com a tentativa de encontrar uma saída para a crise, e o Presidente da República quer que eu continue a lidar com o programa de trabalho do governo.

DW África: Em que pé estão as negociações, as etapas e as consultas para a formação do governo de unidade nacional?

BC: Eu diria que as discussões estão a correr bem. Foi elaborado um projeto de "mapa” desse caminho. Esperamos que os diversos atores por detrás deste roteiro o apoiem - a maioria presidencial, claro, a oposição, mas também a sociedade civil. Este roteiro será a agenda deste governo de unidade nacional que está a ser posto em prática. Estamos em vias de finalizar o roteiro. Foi distribuído a todas as partes envolvidas. Neste momento, os comentários estão a chegar. É claro que a oposição ainda não está totalmente de acordo com o roteiro, mas estamos a prosseguir as negociações e esperamos que, nos próximos dias, sejamos capazes de reunir todos os atores. Esta adesão permitir-nos-á avançar no sentido do estabelecimento do governo de unidade nacional.

DW África: Já encontrou os líderes do Movimento de 5 de Junho?

BC: Acontecerá em breve. Foram estabelecidos contatos com alguns dos líderes, já foram marcados encontros... Está em curso.

DW África: Acredita firmemente que estes líderes concordarão em juntar-se a este governo de unidade nacional?

BC: De qualquer modo, a presença deles neste governo é fortemente desejada. Se eles concordarem em unir as suas forças com a equipa que está lá, penso que há uma série de preocupações que partilhamos e que podem ser mais facilmente resolvidas com a sua contribuição. São pessoas de qualidade e, obviamente, o seu lugar numa equipa deste tipo é - no contexto em que o Mali se encontra hoje em dia – é justificada… E nós os acolheremos com grande prazer.

M5-RFP quer demissão de Ibrahim Boubacar KeitaFoto: Getty Images/AFP/L. Marin

DW África: Choquel Kokala Maiga, um dos líderes do M5, disse: "A única palavra de ordem [nos nossos próximos protestos] continua a ser a demissão do Presidente IBK".

BC: Isto compromete apenas a pessoa que o disse. Para mim, o que me lembro e o que resultou das discussões entre todos os atores, o M5-RFP, os chefes de Estado da CEDEAO, e também a palavra de ordem da sua autoridade moral, é que já não se coloca a questão da demissão do Presidente da República. No que me diz respeito, este debate já ficou para trás há algum tempo.

DW África: Soubemos também que alguns dos cerca de trinta deputados que foram convocados pela CEDEAO para se demitirem recusam-se a fazê-lo. Confirma isto?

BC: Sim, sim… E penso que é algo normal. É uma decisão, claro, para a qual vamos avançar, esperando que todos estes 31 deputados a compreendam. Mas é normal que tenham esta reação no início. É uma decisão sábia da parte dos chefes de Estado e irá contribuir em muito para nos ajudar a resolver as dificuldades que estamos a enfrentar. Mas é uma decisão que necessita de mais explicações pedagógicas para os poucos que resistem. Mas tenho a esperança que possamos lá chegar bastante rapidamente.

DW África: Alguns advogados constitucionais malianos ou africanos dizem que pedir a demissão de um membro do Parlamento é inconstitucional.

BC: Todas as recomendações que foram feitas foram também amplamente analisadas e estudadas pelos constitucionalistas da sub-região.

"Governo de unidade surgirá com quem queira integrá-lo"

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DW África: Muitos malianos dizem-nos isto: Tudo bem, é bom propor uma saída para a crise, mas os problemas fundamentais do Mali permanecem. Insegurança no Norte, má governação, corrupção, clientelismo… O que lhes dizer?

BC: Mas essa é a própria ideia do plano que é proposto e ao qual esperamos que se junte o M5-RFP. Para nós, a ideia não é estar em negação. Estas são realidades. O Governo que foi criado - mesmo antes do Governo que tenho a honra de liderar – tinha começado a ter em conta uma série destes problemas relacionados com as reformas, relacionados com a governação. E vamos continuar a ter. E desejamos continuar isso com as outras partes envolvidas, como a oposição e a sociedade civil.

DW África: O que acontecerá se os líderes do M5 se recusarem a aderir ao governo de unidade nacional?

BC: O nosso desejo, e pessoalmente o meu desejo mais fervoroso, é que possamos encontrar um consenso em torno deste plano com a oposição, em particular com o M5-RFP. É esse o nosso desejo. Agora, ninguém está a se prender ao impossível. O país terá de seguir em frente. Os homens passam, mas o país deve ficar. Assim, vamos assegurar a continuidade do Estado com as forças vivas da nação, que concordarão em acompanhar-nos.

DW África: Então com ou sem o M5, o governo de unidade nacional surgirá, certo?

BC: O governo de unidade nacional surgirá com as forças que concordarem em fazer parte dele.

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