Mali: ONG denuncia massacre de 300 pessoas por militares
Lusa
5 de abril de 2022
A Human Rights Watch (HRW) denuncia que as forças armadas do Mali, juntamente com soldados estrangeiros - identificados como russos -, terão executado de forma sumária cerca de 300 homens, no final de março.
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Num comunicado divulgado esta segunda-feira (04.04), a HRW disse que a execução, que terá acontecido na cidade de Moura, no centro do Mali, é a pior atrocidade relatada há uma década no país africano, que enfrenta uma rebelião de extremistas islâmicos.
O exército do Mali disse na sexta-feira (01.04) à noite, numa declaração, que tinha matado "203 combatentes" de "grupos terroristas armados" durante uma operação numa zona do Sahel, no centro do Mali, que decorreu entre 23 e 31 de março.
A HRW disse que forças do exército maliano e soldados estrangeiros -- identificados por várias fontes como russos -- executaram, ao longo de vários dias no final de março, em pequenos grupos, várias centenas de pessoas que foram detidas em Moura.
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ONG pede investigação
A organização disse estar também a investigar o suposto assassinato de várias centenas de civis, ao longo de várias semanas, em março, por supostas forças do Estado Islâmico no Grande Saara, na região de Menaka, no Mali.
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Mas a diretora da organização para o Sahel, Corinne Dufka, sublinhou que "os abusos de grupos islâmicos armados não justificam de forma alguma o massacre deliberado de pessoas sob custódia pelos militares".
"O Governo do Mali deve investigar urgente e imparcialmente esses assassinatos em massa, incluindo o papel de soldados estrangeiros", disse Dufka.
"Para que tais investigações sejam suficientemente independentes e credíveis, as autoridades devem procurar assistência da União Africana e das Nações Unidas", acrescentou.
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UE e Paris manifestaram preocupação
Na segunda-feira, o Ministério dos Negócios Estrangeiros francês disse que a França está "gravemente preocupada" com possíveis "execuções" cometidas no Mali por militares malianos, "acompanhados de mercenários" do grupo privado russo Wagner.
Paris está "preocupada com as notícias de abusos maciços na aldeia de Moura (...) que teriam causado a morte de centenas de civis", afirmou em comunicado o Ministério dos Negócios Estrangeiros francês.
Em Bruxelas, o Alto Representante da diplomacia da União Europeia (UE), Josep Borrell, também considerou "muito preocupante" a informação sobre "a morte de centenas de pessoas na aldeia de Moura".
A violência terrorista deixou dezenas de civis mortos nas últimas semanas no centro e leste do Mali, na chamada região das três fronteiras (entre Mali, Níger e Burkina Faso), de acordo com a Missão da ONU ao Mali.
Esta vasta área é cenário de violência e de confrontos entre muitas das organizações armadas (regulares e irregulares) presentes no terreno, incluindo entre grupos afiliados à Al-Qaida e ao movimento terrorista Estado Islâmico.
Conflito no Mali: Dogon refugiam-se em terra ancestral
Com a escalada do conflito no centro do Mali, o povo Dogon fugiu da região de Mopti, que foi a sua casa durante cerca de 700 anos, para "Mande", a sua terra ancestral.
Foto: Udo Lucio Borga
Uma nova vida na terra ancestral
Tal como milhares de outros Dogon, Isaie Dignau deixou a região de Bandiagara, no centro do Mali, por causa da insegurança. Ele e a família refugiaram-se em Nana Kenieba, uma aldeia a cerca de 150 quilómetros a sudeste da capital Bamako. De acordo com Isaie, os contadores de histórias Dogon previram esta migração para terras outrora chamadas "Mande" há centenas de anos.
Foto: Udo Lucio Borga
A profecia do regresso a casa cumpriu-se
Segundo a lenda, os Dogon são originalmente de "Mande", a região do povo Malinke. Entre os séculos XI e XIII, foram forçados a partir face à islamização da África Ocidental. Após uma longa migração, instalaram-se em torno da famosa falésia de Bandiagara, no que é hoje a região de Mopti. Agora, devido à ameaça jihadista, estão a regressar a casa.
Foto: Udo Lucio Borga
Mali, um conflito sem fim
Os caçadores de Dan Na Ambassagou são a principal milícia Dogon em Mopti. O conflito no Mali começou em 2012 e em 2016 alastrou-se para o centro do país. À medida que as tensões entre grupos étnicos aumentavam, formaram-se milícias de autodefesa. A violência é causada pela falta de terras férteis e de água numa área afetada pelo jihadismo.
Foto: Ugo Lucio Borga
As consequências do conflito
O Mali está a enfrentar uma grave crise humanitária em regiões já subdesenvolvidas. A insegurança alimentar afeta 1,3 milhões de pessoas. Cerca de 347.000 pessoas foram forçadas a fugir das suas terras. Muitas procuraram refúgio em países vizinhos, mas a maioria está deslocada internamente e refugiada no sul do Mali e em campos de refugiados próximos de áreas urbanas.
Foto: Ugo Lucio Borga
Os Dogon no conflito do Mali
Muitos Dogon estão diretamente envolvidos no conflito. Seidu Doungo lutou contra os Dan Na Ambassagou na região de Koro. Em 2020, abandonou as armas. A sua família foi ameaçada por jihadistas e ele já não conseguia uma fonte de rendimento. Quando Seidu ouviu falar de Nana Kenieba, decidiu deixar Koro para encontrar a paz em "Mande".
Foto: Ugo Lucio Borga
A hospitalidade local
Os Malinke são o grupo étnico maioritário em Nana Kenieba. Segou Keita é o chefe da aldeia e acolheu os Dogon que regressaram de acordo com a antiga profecia. A comunidade apoia-os financeiramente e inclui-os na tomada de decisões.
Foto: Udo Lucio Borga
Distribuição justa da terra
No alojamento principal de Nana Kenieba, Isaie Dignau mostra a alguns habitantes um mapa das parcelas de terreno. Desde 2016, cerca de 400 famílias Dogon, principalmente de Mopti, instalaram-se aqui. Cada família recebeu dois hectares de terra e alimentos.
Foto: Udo Lucio Borga
Uma comunidade secular
Os Dogon são uma comunidade secular, onde as pessoas são livres de professar o islamismo, o cristianismo ou crenças ancestrais. A aldeia tem duas mesquitas e duas igrejas, com correspondentes escolas corânicas e aulas de catecismo, sinal de um novo tempo de abertura.
Foto: Udo Lucio Borga
O medo ainda existe
O ambiente pacífico de "Mande" parece muito longe do conflito no Mali. Mas a comunidade vive com medo de que os jihadistas possam chegar e iniciar um conflito. Em Nana Kenieba, os habitantes organizaram patrulhas que mantêm os bandidos afastados por agora.