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Mandado de captura contra Putin: até onde vai a imunidade?

Lisa Hänel
3 de junho de 2023

África do Sul convida-o para a cimeira dos BRICS, em agosto. E é suposto que Putin compareça - apesar de existir um mandado de captura internacional contra ele. Como é possível ambas as coisas?

Russland Drohnenangriff Putin
Foto: Gavriil Grigorovvia/Kremlin/Sputnik via REUTERS

Ele já tem o convite. Para a cimeira dos cinco membros do BRICS, todos os chefes de Estado dos países participantes - China, Índia, Brasil, África do Sul e Rússia - receberam um. A informação foi avançada pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros sul-africano, Naledi Pandor. A cimeira deverá acontecer em agosto.

O que será apenas um registo na agenda de quatro chefes de Estado é altamente explosivo para o Presidente russo Vladimir Putin. É que ele teria de ser detido e extraditado se pusesse os pés em solo sul-africano. Em março, o Tribunal Penal Internacional (TPI) emitiu um mandado de captura contra Putin. E a África do Sul aderiu aos Estatutos de Roma, a base do tratado do TPI.

Isto significa que o país teria de extraditar Putin. No entanto, em declarações anteriores, os membros do governo invocaram a imunidade: todos os membros das conferências internacionais gozam de imunidade na África do Sul.

Imunidade restrita

Mas "as imunidades existem para tornar o direito internacional, para tornar as relações internacionais possíveis em primeiro lugar", diz Christoph Safferling, director da Academia Internacional dos Princípios de Nuremberga e professor de Direito Penal e Internacional na Universidade de Erlangen-Nuremberga, na Alemanha. Afinal, os chefes de governo devem poder reunir-se sem receio de serem acusados pelos tribunais nacionais.

Mas a imunidade tem limites. Em várias decisões judiciais, o Tribunal Penal Internacional declarou que a imunidade, mesmo dos chefes de Estado em exercício, termina perante os tribunais internacionais. "Esta é a regra legal de acordo com o Estatuto, e não há excepção", diz Safferling. Por outras palavras, mesmo as imunidades em conferências contra um presidente procurado por um mandado criminal internacional não seriam legalmente válidas.

E, isso, mesmo ao abrigo da lei sul-africana, porque já existe um precedente.Vladimir Putin é o segundo chefe de Estadoem exercício contra o qual o TPI emitiu um mandado de captura. O primeiro foi o então presidente sudanês Omar al-Bashir. E este deslocou-se à África do Sul em 2015 para uma conferência.

Omar al-Bashir, nesta foto de 2019, não fora extraditado pelo TPI até à dataFoto: Mohamed Khidir/Xinhua/Imago

Já nessa altura, a África do Sul deveria ter extraditado o ditador - em vez disso, ele conseguiu voar sem ser molestado numa operação noturna e em meio a um nevoeiro. "Depois disso, o Tribunal Constitucional da África do Sul decidiu que esse país devia tê-lo detido, que, em princípio, o governo tinha violado a sua própria lei, e esse princípio jurídico ainda se aplica actualmente. Ou seja, a não extradição de Putin violaria o direito internacional e o direito sul-africano", afirma Kristoffer Burck, investigador do Instituto Leibniz, da Fundação Hessiana para a Investigação da Paz e Conflitos (HSFK), na Alemanha.

Putin é bem-vindo como convidado?

O que é que vai acontecer? É possível que Putin ainda possa estar presente na África do Sul? Teoricamente, sim, porque o TPI tem poucos poderes sancionatórios. "Poderiam emitir uma reprimenda e salientar que este mandado existe e tem de ser executado e, em seguida, apontar claramente a falha da África do Sul. Mas, no final do dia, é só isso", diz Safferling. Porque, ao contrário dos países, o TPI não tem uma força policial que aplique a lei existente.

Por isso, o tribunal penal depende dos Estados que subscreveram o estatuto para o respeitarem. "Quem não o fizer e não ajudar na implementação enfraquece o Tribunal. Isso é muito claro, porque nesse caso o mandado não valeria sequer o pedaço de papel em que está escrito. Isso seria um enfraquecimento do Tribunal", afirma Safferling.

Inicialmente, o mandado de detenção contra Putin foi concebido como um sinal forte. Mesmo um político tão poderoso como Putin não deve sentir-se seguro de ser processado em caso de dúvida, diz. O Tribunal Penal Internacional também fez isso para ser ouvido: "Estou aqui, posso fazer e quero fazer-se cumprir", diz Safferling. E, para ele, o direito internacional também ganhou importância em termos globais.

Ao contrário do que aconteceu em 2015, quando al-Bashir viajou para a África do Sul, agora fala-se com antecedência, o mandado de captura é visto como algo sério. "Já não é fácil contornar a situação, agora existe mesmo um mandado de captura no caso. Actualmente, é sempre necessário incluir isso nas negociações diplomáticas. Já não é possível passar sem ele, o que é de facto uma boa notícia".

O Tribunal Penal Internacional de HaiaFoto: Peter Dejong/AP/picture alliance

Mas a avaliação de Burck não é tão optimista, pois teme que o mandado de captura contra um presidente em exercício tão proeminente possa tornar-se num boomerang negativo para o Tribunal Penal Internacional.

"O perigo é extremamente elevado: cria-se um caso em que uma pessoa é acusada, mas essa pessoa não é apanhada durante anos. De facto, se Putin não cometer nenhum erro, não será preso. Isto significa que haverá um caso em aberto durante anos e décadas. Para a verdadeira função de um tribunal, que é fazer justiça através de julgamentos, isto é muito perigoso".

Ainda não há muitos casos. Putin é apenas o segundo chefe de Estado em funções a ser procurado por um mandado de captura. O sucesso do TPI depende em grande medida dos seus Estados membros. "Tudo isto ainda precisa de tempo para assentar. O caso vai provavelmente manter-nos ocupados durante algum tempo", diz Safferling.

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