Manifestação em Bissau dispersada com gás lacrimogéneo
Lusa | ar
16 de novembro de 2017
Pelo menos 10 feridos deram entrada no hospital Simão Mendes, em Bissau, depois de o protesto do coletivo dos partidos políticos da Guiné-Bissau ter sido dispersado pela polícia com gás lacrimogéneo.
Publicidade
A polícia da Guiné-Bissau dispersou na manhã desta quinta-feira (16.11.) com gás lacrimogéneo uma marcha do coletivo de partidos democráticos, depois de os manifestantes tentarem invadir a Praça do Império em Bissau,onde está situada a Presidência da República.
O protesto saiu calmamente da zona Chapa, na estrada que liga o centro de Bissau ao aeroporto internacional e uma das principais avenidas da cidade, mas parou junto ao Benfica, já na zona próxima da Presidência guineense.
Os manifestantes tinham um percurso previsto, que terá sido alterado pela polícia, que depois se recusou a deixar passar as pessoas."Nós estamos aqui a lutar pela democracia, contra a ditadura que quer ser imposta na Guiné-Bissau. Não vamos aceitar e vamos assumir todas as responsabilidades que nos incubem. Ontem [quarta-feira], houve um compromisso assumido pelo ministro, mas o ministro e o comissário da polícia são iguais ao Presidente da República, não respeitam os compromissos e não respeitam a palavra", afirmou à agência de notícias Lusa Agnelo Regala, do partido União para a Mudança (UM).
Percurso alterado e dispersado pela polícia
Já nessa altura, alguns líderes partidários falavam com a polícia sobre o percurso que tinham sido autorizados a fazer.
"É deplorável que o Estado tenha chegado a este ponto de descrédito e a colocar a vida de muitas pessoas em riscos, mas nós estamos aqui e nós vamos fazer esse papel, se quiserem carreguem sobre nós. A democracia tem o seu preço", continuou Regala.
Depois de cerca de 20 minutos parados, os manifestantes começaram a dirigir-se para uma das artérias que também dá acesso à Presidência guineense, conseguindo alcançar as imediações da Praça do Império. A polícia começou a disparar gás lacrimogéneo para dispersar os manifestantes, que responderam com pedras.Os manifestantes, sempre perseguidos pela polícia, foram recuando e dispersando por várias artérias da cidade de Bissau. Alguns manifestantes foram detidos e pelo menos 10 feridos deram entrada no hospital Simão Mendes, em Bissau.
"Até ao momento, registamos a entrada de 10 pessoas no serviço de cirurgia e de ortopedia", disse aos jornalistas o médico cirurgião Arlindo Quadé. Segundo o médico, os feridos não estão em estado crítico, mas tinham "feridas que precisavam de ser suturadas". "Temos um jovem que entrou com uma contusão cervical, mas que já está a responder a estímulos", acrescentou.
"Resgatar a democracia"A manifestação, convocada pelo coletivo que reúne 15 partidos e contesta o Presidente guineense, José Mário Vaz, visava "resgatar a democracia" na Guiné-Bissau.
O porta-voz do coletivo de partidos, Nuno Nabian, anunciou na quarta-feira que a iniciativa estava devidamente confirmada pelo ministro do Interior, Botche Candé, apesar de um dia antes o comissário-geral da Polícia de Ordem Pública, Celso de Carvalho, ter informado aos organizadores que as manifestações não tinham sido autorizadas.
Na terça-feira (14.11.), os promotores da manifestação divulgaram em conferência de imprensa uma carta na qual apresentam ao chefe de Estado soluções para acabar com a crise política que afeta o país.
No documento, os 15 partidos exigem a José Mário Vaz que demita o Governo do primeiro-ministro Umaro Sissoco Embaló por ser "ilegítimo, inconstitucional e ilegal".
Carências do principal hospital de Bissau
O Hospital Nacional Simão Mendes é considerado a unidade hospitalar de referência na Guiné-Bissau. Mas falta quase tudo: pessoal especializado, medicamentos básicos, aparelhos de diagnóstico.
Foto: Gilberto Fontes
Crise política deixa hospital a meio gás
Com a instabilidade política agravaram-se as necessidades no principal hospital da Guiné-Bissau e caíram por terra as expectativas da equipa hospitalar que esperava mais atenção por parte das autoridades. A Cruz Vermelha e os Médicos Sem Fronteiras prestam apoio. Mas, mesmo assim, perdem-se muitas vidas por falta de condições básicas de assistência.
Foto: Gilberto Fontes
À espera da hemodiálise...
O país ainda não consegue tratar doentes com insuficiência renal. O hospital tem estas instalações novas para iniciar tratamentos. Só falta a máquina da hemodiálise. Curioso é que o equipamento está no hospital, fechado há anos numa sala, cuja chave está com o Ministério da Saúde, segundo fonte hospitalar. Um nefrologista e vários técnicos fizeram formação em diálise, que ainda não podem aplicar.
Foto: Gilberto Fontes
Enquanto isso a população sofre
Doentes, como esta senhora, só podem receber tratamentos de hemodiálise no Senegal. No entanto, cada sessão chega a custar 150 euros. O que é insustentável para muitos doentes que, normalmente, necessitam de várias sessões semanais. Quando a doença é detetada numa fase inicial, aciona-se a evacuação para Portugal. Mas o processo é moroso. Muitos doentes acabam por falecer por falta de tratamento.
Foto: Gilberto Fontes
Há equipamentos novos parados...
O técnico de radiologia Hécio Norberto Araújo lamenta que este aparelho novo de radiografias esteja praticamente parado. Só faz alguns exames, em casos de urgência. Também o equipamento de mamografia nunca funcionou devido à falta de acessórios, como o chassi e o aparelho de revelação. O hospital militar continua a ser o único no país a fazer mamografias e tomografias, que podem custar 100 euros.
Foto: Gilberto Fontes
E máquinas obsoletas em uso
Na falta de opções, este velho aparelho de raio x continua a ser muito requisitado. Ninguém sabe quantos anos tem o equipamento que funciona com arranjos improvisados de fita-cola. A pequena sala de diagnóstico está desprovida de qualquer proteção contra as radiações. O único avental de proteção está estragado. Os técnicos de radiologia estão diariamente expostos a radiações eletromagnéticas.
Foto: Gilberto Fontes
Sem mãos a medir na pediatria
Esta unidade costuma estar cheia, principalmente na época das chuvas, com o aumento de casos de malária ou paludismo e diarreia nas crianças. Neste serviço com 158 camas, há apenas nove médicos efetivos e quase 40 enfermeiros. Entre o pessoal médico, conta-se um único especializado em pediatria. A falta de um eletrocardiograma é responsável pelo diagnóstico tardio de cardiopatias entre os menores.
Foto: Gilberto Fontes
Nem medicamentos para emergências
Nos cuidados intensivos há apenas um cardiologista. A maioria do pessoal médico são clínicos gerais. Por vezes, em plena situação de paragem cardíaca, falta medicação de urgência que os familiares do doente têm de se apressar em providenciar. A equipa hospitalar quer mais investimento em formação e em condições de trabalho. Só assim pode salvar mais vidas e diminuir a evacuação para o exterior.
Foto: Gilberto Fontes
Faltam lençóis e comida
O Hospital Nacional Simão Mendes tem mais de 500 camas. Mas não tem lençóis que cheguem para fazer a cobertura de todas elas. Devido à falta de pijamas, muitos doentes ficam hospitalizados com a roupa que trazem no corpo. Além disso, não há como providenciar alimentação aos pacientes que, na maior parte das vezes, ficam dependentes da comida que os familiares conseguem fazer chegar.