Manifestações em Angola, um sinal de esperança: Agualusa em entrevista
26 de novembro de 2011 Deutsche Welle: No seu livro "Barroco Tropical", que apresentou aqui em Colónia, retratou os angolanos como um povo algo conformado, acomodado, que não diz publicamente o que pensa. Teria escrito o mesmo depois das manifestações em Luanda, que ocorreram nos últimos meses?
José Eduardo Agualusa: Eu não digo que os angolanos são conformados. Essa é uma crítica de um dos personagens do livro, que diz que, em Angola, nunca se deve ser a primeira pessoa a sair da mesa, porque os outros ficam falando mal da que saiu. Isso não é conformismo, é má língua (risos). Não, nunca achei que os angolanos fossem conformados. Aliás, infelizmente temos uma história de conflitos que vem desde há muito tempo.
Estas movimentações em Angola, que são claramente inspiradas nas movimentações democráticas no norte de África, deixam-me muito feliz! São um sinal de esperança! São manifestações organizadas por jovens sem ligações partidárias e que surpreenderam os partidos políticos tradicionais e em particular o partido no poder.
Trata-se de jovens ligados ao mundo – quer através da internet quer por serem jovens com uma experiência do mundo, que estudaram fora e voltaram para Angola. Eu conheço alguns deles, são pessoas idealistas, que não se deixaram comprar e em Angola, aquilo que o regime faz é sempre, em primeiro lugar, comprar as pessoas. Este regime dispõe de muitos meios e estes jovens não se deixaram comprar. E a única coisa que eles querem é simplesmente mais democracia. É só isso.
DW: Acha que é importante o facto de se tratar de uma geração que não viveu tanto na própria pele os efeitos da guerra civil?
JEA: É verdade. É uma geração que, por um lado, não está tão contaminada por esse rancor e esse ódio, por outro lado, é uma geração que não foi corrompida, não está corroída ainda.
DW: E acha que eles têm hipóteses de realmente mudar o regime em Angola?
JEA: O regime angolano, quando a gente compara com o regime que existia na Líbia ou no Egito ou na Tunísia, é muito mais frágil, é um regime muito frágil, muito, muito, muito, muito, muito frágil. E que se sustenta sobretudo devido ao apoio internacional. As potências ocidentais não têm feito pressão contra este regime no sentido de se democratizar.
Por outro lado, dentro do partido no poder há várias correntes: há uma corrente conservadora, mas há uma corrente mais democrática. E o que eu espero é que estes protestos em Luanda despertem consciências dentro do próprio regime no poder e possam fortalecer esta corrente democrática.
O ideal era que, ao mesmo tempo, sobressaltassem as potências ocidentais e essas potências, olhando para aquilo que se passou no Egito, na Tunísia, na Líbia, percebessem finalmente que as democracias tendem a ser mais estáveis que as ditaduras e que, para aplicar dinheiro, é melhor aplicar dinheiro em democracias que em ditaduras.
DW: Como seria o tipo de pressão dos países que até agora apoiam o regime angolano? Um boicote às mercadorias angolanas?
JEA: Não é necessário isso. Como eu disse há pouco, o regime angolano é realmente muito fraco, muito frágil. Os dirigentes angolanos, todos eles, têm interesses grandes nos países ocidentais; eu acho que bastaria simplesmente fazer uma leve pressão junto desses dirigentes, em particular do presidente José Eduardo dos Santos no sentido de o incentivar a deixar o poder e a fazer uma transição democrática assegurando que ele não se perderia com essa transição, que poderia continuar a sua vida como empresário e numa posição de respeito e de dignidade.
Eu acho que não seria preciso muito, seria apenas um ligeiro empurrão, seria simplesmente conversar. Eu acho que no caso de José Eduardo dos Santos é tão simples como isto: os países ocidentais teriam simplesmente que fazer uma ligeira pressão, que falar com ele, que conversar, não seria preciso muito mais, porque o regime é realmente muito fraco, é muito fraco.
O pior é que a situação em Angola é mais explosiva do que era, por exemplo, na Líbia, porque a situação social é muitíssimo grave, há um fosso social em Angola que não existia na Líbia e, portanto, há realmente o perigo de que amanhã aconteça uma explosão social em Luanda e os europeus vão ser apanhados de calças na mão, inclusive a comunidade de expatriados que vive em Luanda. Se acontecer um desastre em Luanda, eu não sei como essas pessoas vão sair. Não têm saída! Só portugueses são 100.000.
E o que me inquieta e me espanta é que as potências ocidentais não façam sequer um esforço de tentar compreender o que se passa em Angola, que movimento é este. Obviamente o passo seguinte seria tentar apoiar estes movimentos democráticos.
Isso é surpreendente: como é que os europeus apoiam um regime e depois nem sequer fazem o mínimo esforço para compreender o que se está a passar em Angola do ponto de vista social?
DW: Tem uma explicação para esta falta de esforço, de visão?
JEA: É muito perturbador, por exemplo, sempre que se fala da presença chinesa em Angola, o que se diz sempre na Europa é: "os chineses estão a investir, mas os chineses não fazem exigências democráticas!" E os europeus fazem?
O que é que diferencia, hoje em dia, a China da Europa? Eu não sei, sinceramente! Porque os chineses, pelo menos, estão a construir efetivamente, portanto deixam infraestruturas e os europeus nem isso deixam! Então, eu não sei, hoje em dia, qual é a diferença entre a China e a Europa. Gostaria que houvesse, gostaria de pensar que a Europa ainda é o último reduto de uma esperança democrática!
Mas infelizmente não é isso que nós vimos: o primeiro ministro português esteve em Angola e não fez nenhuma referência à necessidade de Angola fazer uma transição para a democracia ou, junto do presidente Eduardo dos Santos, não fez nenhuma referência ao facto de ele estar no poder há 32 anos e de ser importante que ele abandone o poder. Ninguém ouviu o primeiro ministro português fazer essas referências, pelo contrário!
DW: Viveu também algum tempo aqui na Alemanha. Há alguns meses, a chanceler alemã Angela Merkel também visitou Angola e, ao contrário do que ela fez noutros países, teve um discurso relativamente fraco em relação aos direitos humanos e à democracia em Angola. Acha que é um efeito da ignorância de muitos governos europeus em relação a África ou deve-se ao facto de Angola ser um importante produtor de petróleo?
JEA: Sem dúvida que tem a ver com o facto de Angola ser um importante produtor de petróleo e também ao facto de o regime angolano não ser uma ditadura sangrenta. É verdade que não é! Não é comparável com outras ditaduras a esse nível. Mas não é uma democracia. E isso, sim, é muito mais frágil que outras ditaduras!
Isso, sim, interessaria à Europa, em particular à Alemanha, ter em Angola um regime mais sólido, democrático. Os regimes democráticos tendem a ser mais sólidos. Basta pensar na África do Sul, no Botsuana, em Cabo Verde: são regimes sólidos!
Porque é que Angola não pode ter um regime democrático? Porque é que Angola não pode ter um regime como Cabo Verde ou como o Botsuana ou como a África do Sul?
DW: Diz que o regime angolano é relativamente frágil. Mas por outro lado, Angola apresenta-se como uma das potências mais fortes em termos militares. Regionalmente também já interveio no conflito na República Democrática do Congo. Como é que isto combina com a sua percepção de um país com um regime relativamente frágil?
JEA: As Forças Armadas Angolanas, o que é bom, não têm uma tradição golpista. Fazem aquilo que o poder central pede que se faça. Eu tenho muitas dúvidas de que as Forças Armadas se colocassem do lado do regime caso houvesse uma revolução nas ruas. Tenho muitas dúvidas.
Os generais que estão de facto ligados ao poder e que estão próximos do presidente José Eduardo dos Santos, que é o único poder real que existe em Angola, esses generais são hoje empresários prósperos, não têm mais uma ligação efetiva às Forças Armadas. Então, essa é uma das razões.
Sim, Angola tem esse poder militar, mas esse poder militar não está necessariamente do lado do presidente José Eduardo dos Santos.
DW: O MPLA ou alguns dirigentes do MPLA sempre alertam para um possível reinício de uma guerra civil no caso de as manifestações continuarem. Vê este perigo?
JEA: Não. [Quanto ao perigo] de uma guerra civil tenho muitas dúvidas. Agora, o que existe, de facto, é o perigo de uma explosão social não controlada. Angola deve ser hoje o país no mundo onde o fosso social é maior, onde os ricos mais exuberantemente expõem a sua riqueza e isso pode vir a provocar uma explosão social. Esse perigo existe.
Autor: Johannes Beck
Edição: Marta Barroso/António Rocha