Há três anos que Manuel Chang está num "limbo" prisional que pode não ser deduzido de uma possível pena, em caso de condenação. Os direitos fundamentais do ex-ministro começam a ser "arranhados", alertam entendidos.
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Há três anos que Manuel Chang "está de molho" numa prisão sul-africana. O ex-ministro das Finanças de Moçambique tem sido uma bola de ping pong nas mãos da justiça sul-africana; que ora decide extraditá-lo para Moçambique ora para os EUA. Na base está uma guerra de recursos judiciais entre a Procuradoria-Geral da Repúblcia (PGR) e sociedade civil moçambicanas.
Segundo o psicólogo Stélio Cesár, a indefinição sobre o destino de Chang "do ponto de vista psicológico acarreta consequências que podemos considerar péssimas para a saúde mental e emocional do sujeito em causa. E tendo em conta a idade do sujeito, já a pensar numa reforma, esta detenção comprometeu o seu ciclo de vida".
O psicólogo alerta para possíveis perturbações do indivíduo: "Pode desenvolver algum transtorno de humor, porque o cárcere já preconiza o desenvolvimento de perturbações mentais: depressão ou ansiedade... Quando não é acompanhado, agravado pela incerteza sobre o seu destino".
Três anos de detenção deduzidos de onde?
Os prejuízos para o ex-ministro moçambicano não se ficam pelo plano mental. Os seus três anos de "limbo" numa prisão sul-africana não entram para as possíveis contas de penas prisionais tanto no sistema judicial de Moçambique como dos EUA, caso venha a ser condenado, esclarece o especialista alemão em direito internacional André Thomashausen.
"A situação é bem lamentável, do ponto de vista dos direitos fundamentais, mas também do ponto de vista humanitário. Só que nestes casos de extradição a detenção aguardando a extradição nunca é considerada nos processos que resultarão possivelmente na prisão da pessoa", sublinha.
Uma sorte diferente da dos restantes réus do mesmo caso, o das dívidas ocultas, que estão a ser julgados em Moçambique. É que o período de detenção antes da condenação são deduzidos da pena de prisão.
Porém, sobre a possível pena de prisão de Chang, o jurista moçambicano Job Fazenda faz uma interpretação oposta à de Thomashausen: "A luz da lei moçambicana toda a prisão que ocorre antes da condenação é deduzida no momento em que é definida a pena definitiva da pessoa, o que se considera prisão preventiva, para todos os efeitos. Não importa muito que se a pessoa ficou em prisão preventiva para além do que o prazo estabelece... Se for extraditado para os EUA, não tenho muita certeza sobre o sistema norte-americano, mas evidentemente que será deduzido".
De qualquer forma, Fazenda está certo de que "haverá obviamente espaço para a dedução do período que o ex-ministro das Finanças esteve detido na África do Sul para efeitos de extradição."
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Liberdade condicional?
Face a desgastante demora e a débil saúde de Manuel Chang, e socorrendo-se dos princípios dos direitos humanos, Thomashausen defende um outro modelo de detenção menos violento.
"Outra saída seria uma consideração nova nos tribunais competentes da África do Sul da situação humana e humanitária de Manuel Chang que já é uma pessoa um pouco idosa e que sofre de diabetes. E assim poderia se considerar no interesse dos direitos fundamentais do procurado, bem como no interesse da justiça que possa ser colocado em liberdade condicional", argumenta.
Manuel Chang foi detido na África do Sul, a 29 de dezembro de 2018, quando estava em trânsito para o Dubai, no âmbito de um mandado de captura da justiça norte-americana. Em causa estão supostos crimes financeiros ligados ao escândalo das dívidas ocultas, avaliado em cerca de 2 mil milhões de euros.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)