Chang: Trocar detalhes das dívidas ocultas por liberdade?
Manuel Oliveira
12 de julho de 2023
Manuel Chang vai ser julgado nos EUA, para onde foi extraditado. Edson Cortez, do Centro de Integridade Pública (CIP), fala na possibilidade de o ex-ministro moçambicano "abrir o jogo" em troca de liberdade.
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O braço de ferro entre Estados Unidos e Moçambique terminou. Ambos queriam julgar Manuel Chang, mas os EUA levaram a melhor.
"Figura-chave" no escândalo das chamadas "dívidas ocultas", que defraudou o Estado em mais de 2,5 mil milhões de euros, o ex-ministro das Finanças de Moçambique foi finalmente extraditado para os Estados Unidos, depois de estar detido vários anos na África do Sul à espera de uma decisão sobre onde deveria ser julgado, tal como aconteceu com Jean Boustani.
O empresário franco-libanês foi acusado por montar o esquema das dívidas ocultas, mas acabou por ser absolvido, em 2019, por decisão unânime dos 12 integrantes do júri. O júri afirmou, na altura, que não via a relevância do julgamento ser realizado nos EUA, longe do local onde tudo teria acontecido.
Chang será um "novo Boustani"?
Mas no caso de Chang as opiniões dividem-se: se por um lado há quem adivinhe um desfecho semelhante ao de Boustani, por outro, surge o argumento de que o julgamento em solo americano permitirá desvendar mais sobre o caso, tal como aconteceu durante o julgamento de Boustani.
Dívidas ocultas: O crime compensa?
22:37
O diretor do Centro de Integridade Pública (CIP), Edson Cortez, afirma que a opinião pública vê um julgamento em Moçambique como não sendo transparente. Fala ainda na possibilidade de Chang abrir o jogo em troca de liberdade, até porque a acusação poderá recorrer a e-mails supostamente comprometedores, como fez com Boustani.
"Pensa-se que Chang, indo aos Estados Unidos, na tentativa de ser absolvido, possa abrir-se o máximo possível contando detalhadamente tudo o que aconteceu", afirma o diretor do CIP.
"Nós vimos, durante o julgamento de Boustani, parte das provas apresentadas pelo FBI eram baseadas em e-mails. Pode ser também que parte da acusação contra Chang seja baseada em e-mails", conclui Cortez.
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Futuro julgamento em Moçambique?
O jornalista moçambicano Marcelo Mosse acredita que o julgamento nos EUA fará com que Chang tente de tudo para ser absolvido, trocando informações do caso das dívidas ocultas e nomes ligados à corrupção em Moçambique, em troca da sua liberdade.
"Há aqui a ideia de que Chang vai trocar a sua liberdade pelo fornecimento de informações ligadas à podridão da corrupção em Moçambique e os seus protagonistas. É o que se espera, mas é improvável", disse à DW.
Manuel Chang será agora julgado nos Estados Unidos. O CIP lembra que isso não impede um futuro julgamento do ex-ministro em Moçambique, no caso de ser absolvido e regressar ao país.
Moçambique: Propriedades e instituições ligadas às "dívidas ocultas"
O processo denominado "dívidas ocultas" envolve não apenas pessoas de muitos quadrantes políticos e sociais, mas também empresas, propriedades e instituições.
Foto: Romeu da Silva/DW
O julgamento das "dívidas ocultas" decorre no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo
O processo decorre no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo desde 23 de Agosto de 2021. A sexta sessão revelou que arguidos e declarantes adquiriram residências luxuosas e criaram empresas de lavagem de dinheiro. A sociedade moçambicana ficou a conhecer a extensão da lesão que sofreu por causa das dividas ocultas.
Foto: Romeu da Silva/DW
Tudo começou no bairro de Sommerschield
Tudo começou no bairro de elite da Sommerschield, onde fica a sede do Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE). Não se trata do edifício na foto, já que é proibido fotografar o edifício do SISE. Mas foi nas suas instalações que foi desenvolvido o projeto de proteção da Zona Económica Exclusiva (ZEE), que acabou endividando o Estado em cerca de 2,2 mil milhões de dólares.
Foto: Romeu da Silva/DW
Lavagem de dinheiro
No julgamento, o Ministério Público (MP) acusou o réu António Carlos do Rosário de ser proprietário de vários apartamentos neste edifício chamado Deco Residence. O MP refere que do Rosário comprou, em 2013, três apartamentos, no valor de 500 mil dólares cada. O valor foi transferido pela IRS para a Txopela Investiments, de que era administrador.
Foto: Romeu da Silva/DW
Tribunal confisca apartamentos
Alexandre Chivale, advogado do réu António Carlos do Rosário, ocupava um apartamento aqui na Deco Assos. Foi obrigado a abandonar a unidade e a entregar a chave ao Tribunal de Maputo. A área residencial está a ser construída ao longo da marginal, uma zona que passou a ser muito concorrida.
Foto: Romeu da Silva/DW
Apartamento Xenon
António Carlos do Rosário também terá "metido a mão" neste imóvel. Na acusação consta que, em 2015, a Txopela transferiu 2,9 milhões de dólares para a Imobiliária ImoMoz para a compra de apartamentos neste edifício, que antes funcionava como cinema Xenon.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alerta lançado pela INAMAR foi ignorado
A INAMAR é uma empresa que se dedica à inspeção naval. No processo da contratação das dívidas, a INAMAR avisou que os barcos da empresa pública EMATUM, que custaram 600 milhões de dólares, foram construídos à revelia das normas. Por causa das irregularidades, a INAMAR chumbou as embarcações. E alertou as autoridades relevantes, que ignoraram o relatório.
Foto: Romeu da Silva/DW
Casa de câmbios transformada em "lavandaria"
A Africâmbios transformou-se numa casa na lavagem de dinheiro. Alguns funcionários foram obrigados a abrir contas, usadas pelos seus superiores para a transferência de dinheiro da empresa Privinvest, igualmente envolvida no escândalo. O proprietário da Africâmbios, Taquir Wahaj, fugiu e é procurado pela justiça moçambicana.
Foto: Romeu da Silva/DW
Presidência e reuniões do comando conjunto
A presidência da República, perto da edifício da secreta moçambicana, acolheu algumas reuniões do Comando Conjunto e Operativo onde estiveram os ministros da Defesa, Filipe Nyusi, atual Presidente da República, Alberto Mondlane, ministro do Interior e elementos do SISE. Há muita pressão para que o antigo Presidente Guebuza e Nyusi sejam ouvidos como réus e não como declarantes no caso.
Foto: Romeu da Silva/DW
MINT fazia para do Comando Conjunto
O Ministério do Interior, assim como o Ministério da Defesa, eram considerados cruciais no projeto de Proteção da Zona Económica Exclusiva. O tribunal tem na lista de declarantes o antigo ministro Alberto Mondlane para prestar declarações e o papel que este Ministério teve na contratação das dívidas ocultas.