O autarca de Quelimane, no centro de Moçambique, condena o rapto e agressão ao jornalista Ericino de Salema, esta semana. Manuel de Araújo, do MDM, pede justificações ao partido no poder, a FRELIMO.
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Manuel de Araújo, do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), condena de forma veemente o sequestro e o espancamento, na terça-feira (27.03), do jornalista moçambicano Ericino de Salema.
É um ato "macabro", que mostra "a tendência de recuo na democracia moçambicana", diz Araújo em entrevista à DW África. "Parece que damos dois passos à frente e, depois, um passo atrás, porque este não é um caso isolado."
O autarca da cidade de Quelimane, na província da Zambézia, lembra o rapto do comentador político e académico José Jaime Macuane, em maio de 2016, e o assassinato de Mahamudo Amurane, edil da terceira maior cidade de Moçambique, Nampula, em outubro de 2017. E aponta o dedo ao partido no poder, a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO).
"O profissionalismo com que estes atos são realizados e a impunidade são duas marcas que mostram quem é o mandante - portanto, que vem do seio do partido FRELIMO, sem margem para dúvidas, porque, caso contrário, as instituições de Justiça teriam agido de uma forma mais profissional e mais célere", comenta Manuel de Araújo.
O edil de Quelimane acrescenta que estes atos constituem uma forma de ameaçar e de silenciar o pensamento independente, nomeadamente a liberdade de opinião, de expressão e de manifestação.
Eleições e desmilitarização
A propósito das últimas eleições intercalares em Nampula, o autarca considera que foram "livres e justas", apesar de ter havido alguns constrangimentos, nomeadamente tentativas de fraude pela FRELIMO, "prontamente desmanteladas".
"Há evidências de que a FRELIMO tem recorrido sistematicamente a métodos fraudulentos para se poder manter no poder, quer nas autárquicas, quer nas legislativas, quer nas presidenciais. Acho que essa é uma prática que deve ser condenada não só pelos moçambicanos, mas por todos os amigos de Moçambique, todos aqueles amantes da democracia no mundo inteiro."
Manuel de Araújo lamenta "recuo" na democracia moçambicana
Apesar de os partidos com assento parlamentar já terem chegado a um entendimento a propósito do novo modelo de eleição para governadores provinciais, em 2019, e autarcas, este ano, Manuel de Araújo critica a lentidão nas negociações de paz entre a FRELIMO e a maior força da oposição, a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) - para o edil, o elemento fundamental nas conversações é a desmilitarização.
"Deu-se um passo [positivo], é verdade. Mas ainda há muito por fazer. Primeiro, é preciso consolidar; segundo, o fenómeno dos esquadrões da morte, que tem o apadrinhamento do partido FRELIMO e do Governo, é algo que deve ser discutido, debatido e eliminado. E os responsáveis devem ser trazidos à barra da Justiça."
O edil considera que o Governo moçambicano não está a ser sério nestas negociações, fazendo propostas inaceitáveis nos termos em que foram apresentadas em Londres. Entretanto, avisa: "Aqueles que do lado moçambicano assim o fizeram, violando a Constituição da República de forma deliberada - não levando ao Parlamento o pacote que ultrapassava os limites dos empréstimos - devem ser responsabilizados por isso. Por outro lado, aqueles que facilitaram esses empréstimos também não podem ficar impunes."
Manuel de Araújo falou à DW África pouco antes de receber, esta quarta-feira (28.03), na Sociedade de Geografia de Lisboa, o Prémio MIL - Personalidade Lusófona, atribuído pelo Movimento Internacional Lusófono. Manuel de Araújo dedicou o galardão aos munícipes da cidade de Quelimane "pelo trabalho abnegado que têm desenvolvido para a melhoria das suas próprias condições de vida".
Moçambique: Assassinato de figuras incómodas é uma moda que veio para ficar
O preço de fazer valer a verdade, justiça, conhecimento ou até posições diferentes costuma ser a vida em Moçambique. A RENAMO é prova disso, no pico da tensão com o Governo da FRELIMO perdeu dezenas de membros.
Foto: BilderBox
Mahamudo Amurane: Silenciada uma voz contra corrupção e má governação
O edil da cidade de Nampula foi morto a tiros no dia 4 de outubro de 2017. Insurgia-se contra a má gestão da coisa pública e corrupção no seu Município. Foi eleito para o cargo de edil através do partido MDM. Embora mais de sessenta pessoas já estejam a ser ouvidas pela justiça não se conhecem os autores do crime.
Foto: DW/Nelson Carvalho Miguel
Jeremias Pondeca: Uma voz forte nas negociações de paz que foi emudecida
Foi alvejado mortalmente a tiro por homens desconhecidos no dia 8 de setembro de 2016 em Maputo quando fazia os seus exercícios matinais. O assassinato aconteceu numa altura delicada das negociações de paz. Pondeca era membro da Comissão Mista do diálogo de paz, membro do Conselho de Estado, membro sénior da RENAMO e antigo parlamentar. Até hoje a polícia não encontrou os autores do crime.
Foto: DW/L. Matias
Manuel Bissopo: O homem da RENAMO que escapou por um triz
No dia 4 de janeiro de 2016 foi baleado depois de uma conferência de imprensa do seu partido na Beira. Bissopo tinha acabado de denunciar alegados raptos e assassinatos de membros do seu partido e preparava-se para se deslocar para uma reunião da força de oposição quando foi baleado. A polícia moçambicana até hoje não encontrou os atiradores.
Foto: Nelson Carvalho
José Manuel: Uma das caras da ala militar da RENAMO que se apagou
Em abril de 2016 este membro do Conselho Nacional de Defesa e Segurança em representação da RENAMO e membro da ala militar do principal partido da oposição foi morto a tiro por desconhecidos à saída do aeroporto internacional da Beira. A questão militar é um dos pontos sensíveis nas negociações de paz. Os assassinos continuam a monte.
Foto: DW/J. Beck
Marcelino Vilanculos: Assassinado quando investigava raptos
Era procurador foi baleado no dia 11 de abril de 2016 à entrada da sua casa, na Matola. Marcelino Vilanculos investigava casos de rapto de empresários que agitavam o país na altura. O julgamento deste assassinato começou em outubro de 2017.
Foto: picture-alliance/Ulrich Baumgarten
Gilles Cistac: A morte foi preço pelo conhecimento divulgado?
O especialista em assuntos constitucionais de Moçambique foi baleado por desconhecidos no dia 3 de março de 2015 na capital Maputo. O assassinato aconteceu após uma declaração que fortaleceu a posição da RENAMO de gestão autónoma na sua querela com o Governo da FRELIMO. Volvidos mais de dois anos a sua morte continua por esclarecer.
Foto: A Verdade
Dinis Silica: Assassinado em circunstâncias estranhas
O juiz Dinis Silica também foi morto a tiro por desconhecidos, em 2014, em plena luz do dia, quando conduzia o seu carro na capital moçambicana. Na altura transportava uma avultada quantia de dinheiro, cuja proveniência é desconhecida. O juiz da Secção Criminal do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo investigava igualmente casos de raptos. Os assassinos continuam a monte.
Foto: picture-alliance/dpa/U. Deck
Siba Siba Macuacua: Uma morte brutal em nome da verdade
O economista do Banco de Moçambique foi atirado de um dos andares do prédio sede do Banco Austral no dia 11 de agosto de 2001. Na altura investigava um caso de corrupção na gestão do Banco Austral. Siba Siba trabalhava na recuperação da dívida de milhões de meticais, resultante da má gestão do banco. Embora tenha sido aberta uma investigação sobre esta morte ainda não há esclarecimentos até hoje.
Foto: DW/M. Sampaio
Carlos Cardoso: O começo da onda de assassinatos
Considerado o símbolo do jornalismo investigativo em Moçambique, Carlos Cardoso foi assassinado a tiros a 22 de novembro de 2000. Na altura investigava a maior fraude bancária de Moçambique. O seu assassinato foi interpretado como um aviso claro aos jornalistas moçambicanos para que não interferissem nos interesses dos poderosos. Devido a pressões internacionais o caso chegou a justiça.