CASA-CE: "Há pessoas a comer ração animal em Angola"
Manuel Luamba
17 de junho de 2021
Em entrevista exclusiva à DW, o novo líder da CASA-CE lamenta que a fome e a pobreza tenham "tomado conta da população" e que a economia esteja falida. E explica porque não faz parte da "Frente Unida" da oposição.
"Eu estou a vir do interior (do país) e a fome, a miséria e a pobreza tomou conta da população. Há regiões como no município do Chongoroi (Benguela) onde há pessoas a comer ração animal", conta Manuel Fernandes. E isso ocorre porque os governantes, sobretudo da antiga administração do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, roubaram o país, acusa.
Quanto ao caso Pedro Lussati, o major que foi detido por ter em sua posse milhões de dólares, euros e kwanzas, Manuel Fernandes diz que a imagem de Angola voltou a estar suja na comunidade internacional. "Porque quando isso acontece no epicentro do poder é algo gravíssimo", diz.
Cruzada contra a corrupção
E como é que o líder da CASA-CE vê a "cruzada contra a corrupção" do Presidente João Lourenço? "O país, devemos reconhecer, está a experimentar uma nova realidade porque no passado havia impunidade, os governantes faziam e desfaziam e eram intocáveis. O que não acontece hoje. O que acontece é tentar moralizar a sociedade para criar o temor daquilo que é público", responde.
Publicamente, muitas vozes falam em seletividade na luta contra a corrupção. Manuel Fernandes também nota que há "falta de inclusão nestes processos".
"Há vários atores e já se levantaram vozes que não colaboraram com a justiça no seu devido tempo e abocanharam aquilo que é alheio, mas até agora não está a ser feito nada para a sua responsabilização judicial. Mas há outras pessoas que foram indiciadas tardiamente e já foram julgadas e condenadas", diz.
Este ano, André Mendes de Carvalho "Miau"foi destituído do cargo e substituído por Manuel Fernandes. "A CASA-CE hoje recomenda-se e está mais próxima dos cidadãos. Nós temos uma CASA-CE coesa, forte, dinâmica e vigorosa", assegura.
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Fora da "Frente Unida" da oposição
Apesar deste vigor, a coligação tem sido criticada por não aderir à chamada "Frente Unida" da oposição, constituída por UNITA, Bloco Democrático e seguidores de Abel Chivukuvuku. Questionado sobre o assunto, Manuel Fernandes não reconhece a existência de uma frente como tal. E, à semelhança do PRS, a CASA-CE, diz que também não foi contactada.
"Na prática, o que vai existir é uma ampla adesão na lista da UNITA. Porque eu não acredito de que a UNITA venha abdicar dos seus símbolos para idealizar uma nova coligação para ir as eleições. Se não nos contactaram é porque os outros entenderam que não nos precisam", conclui.
E existe algum problema entre a CASA-CE e o Bloco Democrático de Justino Pinto de Andrade? "Absolutamente nenhum. O Bloco Democrático não tem nenhum problema. O que se passa é que o próprio Bloco é que está a pensar trilhar uma participação diferente nas próximas eleições", acredita Manuel Fernandes.
No entanto, foi congelada a vice-presidência para assuntos eleitorais, posição que era ocupada pelo Bloco Democrático. "Porque não podemos aceitar que alguém que vai ser nosso concorrente amanhã, venha saber qual é a nossa estratégia total sobre as eleições, não pode ser", justifica.
Em 2022, está prevista a realização de eleições gerais. Sobre a data das autárquicas ninguém sabe. Qual é a posição da CASA-CE? "A perspetiva é que sejam em julho ou agosto. O nosso ponto de vista é que autárquicas deviam ser antes. Quanto mais se não for possível, então poderíamos com uma cacetada matar dois coelhos. É serem em simultâneo", remata.
Angola: 16 polémicas que marcaram a governação de João Lourenço
Com o fim do mandato de cinco anos à espreita, passamos em revista algumas das polémicas que têm marcado a governação do Presidente João Lourenço, da corrupção ao desemprego, com centenas de exonerações pelo caminho.
Foto: picture-alliance/dpa/AP Images/J.-F. Badias
"Operação Caranguejo"
Nesta operação, a justiça apreendeu milhões de dólares, euros e kwanzas na posse de oficiais da Casa de Segurança do PR, suspeitos de peculato, retenção de moeda e associação criminosa. Mais de 10 oficiais, incluindo o ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente, Pedro Sebastião, foram exonerados. Pedro Lussaty, chefe das finanças da banda musical da Presidência, foi detido.
Foto: DW/B. Ndomba
Viagem polémica ao Dubai
Viagem privada de João Lourenço, em março de 2021, ao Dubai suscitou polémica. As opiniões dividiram-se, mas a visita foi vista por alguns cidadãos em Angola como oportunidade de JLo acertar as contas com o seu antecessor, José Eduardo dos Santos, e uma possível negociação com a empresária Isabel dos Santos. No início do mandato, Lourenço acusou o antecessor de deixar os cofres do Estado vazios.
Foto: Imaginechina/Tuchong/imago images
Investigação Pangea-Risk
Um relatório da consultora Pangea-Risk associa João Lourenço, a mulher, Ana Dias Lourenço, e um círculo próximo a alegadas práticas de fraude, corrupção e peculato, em violação de leis e regulamentos dos EUA. Menciona subornos que teriam sido pagos pela Odebrecht a empresas ligadas ao Presidente de Angola. A construtora brasileira desmentiu o relatório e negou alegados pagamentos indevidos.
Caso Edeltrudes Costa
Segundo uma reportagem da TVI, o "braço direito" e chefe de gabinete de João Lourenço terá sido favorecido pelo Governo em contratos públicos com a sua empresa de consultoria EMFC. O negócio de prestação de serviços terá valido a Edeltrudes Costa vários milhões de euros. A seguir à denúncia, manifestantes saíram à rua pedindo a sua demissão. PGR estaria ainda a "apurar dados para investigar".
Foto: Xinhua/Imago Images
Filha na administração da BODIVA
Cristina Dias Lourenço, filha de João Lourenço, foi indigitada em 2020 pela ministra das Finanças para o cargo público de administradora executiva da Bolsa de Dívida e Valores de Angola (BODIVA). A nomeação foi criticada pela sociedade civil, havendo quem falasse em nepotismo e tráfico de influência que manchavam, assim, os princípios da boa governação e transparência propagados pelo Governo.
Foto: picture-alliance/W. Ying
Nomeação de Manuel da Silva "Manico"
Manuel da Silva Pereira "Manico" foi empossado como presidente da Comissão Nacional Eleitoral em fevereiro de 2020, entre muitos protestos da oposição e da sociedade civil que o acusam de "falta de idoneidade moral e legal" ao cargo e falam num concurso pouco transparente. A tomada de posse foi aprovada apenas pelo MPLA, sem os partidos da oposição. O jurista estaria arrolado em caos de corrupção.
Foto: DW
Caso Manuel Vicente | "Operação Fizz"
Conhecido como "Operação Fizz", assenta na acusação de que o ex-vice-Presidente, Manuel Vicente, corrompeu o ex-procurador português Orlando Figueira com o pagamento de 760 mil euros para que arquivasse dois inquéritos em que estava a ser investigado. Acusado dos crimes de corrupção ativa e branqueamento de capitais, tem estado protegido pela imunidade dada a antigos governantes por cinco anos.
Foto: Getty Images
Caso IURD Angola
O conflito interno na IURD Angola começa quando um grupo de dissidentes angolanos decide afastar-se da direção brasileira da igreja com alegações de crimes como evasão de divisas e racismo. Na justiça angolana tramitam vários processos judiciais e missionários brasileiros foram deportados do país. Em maio de 2021, a direção da IURD anunciou nova liderança apenas composta por cidadãos angolanos.
Foto: DW/J.Beck
Lixo em Luanda
O problema do lixo na capital angolana não é novo e parece não ter fim à vista. No período das chuvas, a situação agrava-se colocando em "guerra aberta" moradores descontentes e a governadora Joana Lina, acusada de má gestão. João Lourenço criou uma comissão multissectorial para apoiar o Governo de Luanda a resolver os problemas inerentes à acumulação, recolha e tratamento do lixo.
Foto: Manuel Luamba/DW
Cafunfo e o silêncio do Presidente
Um "massacre" na vila de Cafunfo, na Lunda Norte, chocou o país, a 30 de janeiro de 2021. Violentos confrontos entre a polícia e manifestantes resultaram em dezenas de feridos e mortes. Com a região debaixo de fogo, o incidente mereceu atenção internacional enquanto João Lourenço se remetia ao silêncio - que não passou despercebido. O PR falou pela primeira vez sobre o caso a 2 de março.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Protestos e repressão policial
Um pouco por todas as províncias, os protestos têm pintado as ruas do país com cartazes e palavras de ordem. Muitos ficaram marcados por forte repressão das forças de segurança e terminaram em detenções, feridos e até mortes como foi o caso do jovem Inocêncio de Matos, que perdeu a vida na sequência de ferimentos graves durante protestos na capital em novembro de 2020, ou do médico Sílvio Dala.
Foto: DW/Borralho Ndomba
Desculpas públicas pelo 27 de Maio
Volvidas mais de quatro décadas do massacre de 27 de Maio de 1977, Luanda quebrou o silêncio. João Lourenço reconheceu que a resposta do Estado ao que considerou ser uma tentativa de golpe foi desproporcional e vitimou inclusive inocentes. Pediu desculpas públicas às vítimas e aos familiares e encorajou outros atores que participaram nos conflitos políticos a terem o mesmo procedimento.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Adiamento das autárquicas
Na primeira reunião do Conselho da República depois das eleições de 2017, João Lourenço levou a proposta aos conselheiros: realizar as primeiras eleições autárquicas do país em 2020. Mas tal não aconteceu e não existe, até então, previsão de uma data. Os motivos alegados vão desde a Covid-19 à falta de conclusão do Pacote Legislativo Autárquico. Analistas falam em falta de vontade política.
Foto: António Domingos/DW
Desemprego
A criação de 500 mil postos de trabalho foi uma das promessas eleitorais de JLo em 2017 e os angolanos não se esquecem disso. Apesar da aprovação, em abril de 2019, do Plano de Ação para Promoção da Empregabilidade, com um fundo de 58 milhões de euros, os números do desemprego no país geram descontentamento no povo que sai às ruas para exigir mais oportunidades e melhores condições de vida.
Foto: DW/M. Luamba
Envolvimento no caso "Dívidas Ocultas"
O Presidente viu o seu nome associado ao escândalo das "Dívidas Ocultas" de Moçambique pela EXX Africa. A consultora denunciou a alegada ligação entre a empresa Privinvest e o Governo de Angola quando João Lourenço era ministro da Defesa. O Ministério da Defesa de Angola terá feito um contrato de 495 milhões de euros para comprar barcos e capacidade de construção marítima à Privinvest.
Foto: Privinvest
"Exonerador implacável"
Na sua "cruzada contra a corrupção", João Lourenço ficou conhecido como o "exonerador implacável". Logo no primeiro de cinco anos de mandato, 2017, afastou governantes, chefias militares, gestores de empresas públicas e antigas figuras associadas ao anterior regime de José Eduardo dos Santos. Isabel dos Santos e José Filomeno dos Santos, filhos do antigo Presidente, foram dois dos muitos visados.