Poderá o ex-vice-Presidente angolano não ser julgado em Portugal no âmbito da Operação Fizz? O jurista português Rui Verde avalia esta possibilidade.
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O Presidente da República de Angola, João Lourenço, afirmou esta segunda-feira (08.01), em Luanda, que não está satisfeito com o tratamento que as autoridades portuguesas estão dando ao processo contra o ex-vice-Presidente angolano, Manuel Vicente – acusado de branqueamento de capitais, entre outros crimes, em Portugal.
Numa conferência de imprensa, Lourenço disse também que a relação entre os dois países vai "depender muito" da resolução deste caso.
O início do julgamento do ex-vice-Presidente angolano Manuel Vicente está marcado para 22 de janeiro, no Tribunal Judicial de Lisboa. Entretanto, as autoridades angolanas afirmam que estão a estudar junto à justiça portuguesa a possibilidade de transferência do caso para a justiça de Angola.
Em entrevista à DW África, o jurista português Rui Verde confirma a validade desses acordos de cooperação judiciária, mas alerta que o caso de Manuel Vicente deve ser julgado em Portugal.
Rui Verde explica que "os crimes que o ex-vice-Presidente é acusado não foram cometidos enquanto no exercício de cargos políticos, mas na vida privada dele. Portanto, não há aqui imunidade nenhuma, nem soberania nenhuma em termos legais".
DW África: Há, de facto, uma possibilidade jurídica, como, por exemplo, no âmbito da CPLP, que poderia transferir o processo contra Manuel Vicente de Portugal para Angola?
Rui Verde (RV): Sim, existe um protocolo de cooperação judiciária. E no âmbito desse protocolo pode existir essa transferência, sim.
DW África: Se este processo for transferido, acha que vai haver rigor por parte da justiça angolana no tratamento do caso?
RV: A questão é diferente. É que em Angola há a chamada Lei de Amnistia, que foi aprovada em novembro de 2016 e que amnistia todos os crimes que tenham acontecido antes e punidos com uma pena de até 12 anos de prisão. Parece-me que os crimes de que o Manuel Vicente é acusado têm todos uma pena inferior a 12 anos de prisão. A partir do momento que o processo vai para os tribunais angolanos, esses tribunais são obrigados pela Constituição a aplicar a lei mais favorável, e neste caso é a Lei de Amnistia. Resultado: o Manuel Vicente sai amnistiado; tem uma espécie de perdão automático. E não é uma questão de os juízes angolanos serem bons ou serem maus, ou desconfiarmos deles ou não desconfiarmos. É uma questão de a lei angolana exigir que o processo seja amnistiado. Isto quer dizer "acabou”. Obviamente que esta é a solução política ideal. Portugal finge que entregou o processo seguindo os trâmites judiciais – o que é verdade – e Angola resolve o problema através da Lei da Amnistia. Em termos formais, resolve-se o problema.
"Manuel Vicente terá perdão automático se processo for para Angola"
DW África: O Governo angolano trata a operação Fizz como um caso político, de soberania. Seria essa uma estratégia para proteger o seu ex-vice-Presidente?
RV: Obviamente que é uma estratégia para proteger o ex-vice-Presidente, porque do ponto de vista jurídico não tem razão. Desse ponto de vista, o processo tinha que ser julgado em Portugal, porque os crimes que o ex-vice-Presidente é acusado não foram cometidos enquanto no exercício de cargos políticos, mas na vida privada dele. Estão relacionados com a compra de um apartamento em Estoril, em Portugal. Portanto, não há aqui imunidade nenhuma, nem soberania nenhuma em termos legais. O que há é uma luta política e a solução parece ser este arranjo de utilizar a transferência de processos, que efetivamente é permitida de acordo com os protocolos de cooperação judiciária, mas que tem como resultado a amnistia automática do ex-vice-Presidente.
DW África: Se Portugal não ceder à transferência desse processo, como acha que vai ficar a relação entre os dois países?
RV: Na realidade acho que não afeta muito a relação, isto é tudo muito barulho. A relação entre os dois países é de interesse económico e financeiro. Angola necessita de Portugal tal como Portugal necessita de Angola. Portanto, na realidade, o que estamos a assistir é muito barulho, mas sem grande implicações práticas.
DW África: Portanto, mais vale Portugal julgar o caso no país do que transferi-lo?
RV: Acho que isto vai da transparência da justiça de combate à corrupção que se anuncia quer em Portugal, quer em Angola. Era o resultado que tinha que acontecer, o julgamento em Portugal. Tudo que não seja isso é fugir a esses símbolos e bandeiras que agora estão exibidos por esses países.
Sancionar os corruptos
Após a votação pública dos 15 casos "mais simbólicos de grande corrupção", a ONG Transparência Internacional selecionou e anunciou esta quarta-feira (10.02) os 9 casos que passaram para a "Fase de Sanção Social".
Foto: picture alliance / AP Photo
Isabel dos Santos
Depois da votação pública dos 15 casos "mais simbólicos de grande corrupção" da Transparência Internacional, 9 casos foram destacados pela organização. A filha mais velha do Presidente angolano não faz parte, apesar dos 1418 votos. Segundo a TI, a seleção dos 9 foi baseada não só nos votos, mas também no impacto nos direitos humanos e na necessidade de destacar o lado menos visível da corrupção.
Foto: Nélio dos Santos
Teodoro Nguema Obiang
Conhecido pelo seu estilo de vida luxuoso, o filho do Presidente da Guiné Equatorial é, desde 2012, o segundo Vice-Presidente da República. A Guiné Equatorial é o país mais rico de África, per capita, apesar do Banco Mundial alegar que mais de 75% da população vive na pobreza. Teodoro somou apenas 82 votos e - como Isabel dos Santos - não foi nomeado para a fase de sanção social.
Foto: DW/R. Graça
Banco Espírito Santo
As suspeitas de corrupção do BES (Banco Espírito Santo) começaram quando o grupo financeiro português entrou em bancarrota em 2014. Foram descobertas fortes evidências de corrupção, fraude e lavagem de dinheiro. Ricardo Salgado, ex-presidente do BES, já esteve preso e foi recentemente libertado sob fiança. O BES somou 193 votos e também não passou aos 9 maiores casos de grande corrupção do mundo.
Foto: DW/J. Carlos
Mohamed Hosni Mubarak
Presidente do Egito entre 1981 e 2011, Mohamed Hosni Mubarak somou 207 votos e encontra-se agora preso. Mesmo assim, não aparece na lista dos casos de grande corrupção que a Transparência Internacional quer sancionar socialmente. Também o comércio de jade do Myanmar e a China Communication Construction Company ficaram de fora com 47 e 43 votos, respetivamente.
Foto: picture-alliance/AP
Transparência Internacional
"Unmask the Corrupt" é um projeto da Transparência Internacional que após receber 383 submissões, nomeou os 15 casos mais simbólicos de corrupção. Após receberem mais de 170 mil votos, reduziram os 15 para 9 casos. A Transparency International quer promover uma campanha mundial para aplicar sanções sociais e políticas nestes exemplos de corrupção. A DW África mostra-lhe os 9 casos nomeados.
Estado americano de Delaware
O Estado norte-americano de Delaware está entre os 9 casos mais simbólicos de corrupção. O jornal The New York Times chegou mesmo a apelidar o Estado como "paraíso fiscal corporativo" pela possibilidades que oferece às empresas. Somou 107 votos. "Está na hora da justiça e das pessoas mostrarem o poder das multidões", afirmou em comunicado de imprensa José Ugaz da Transparência Internacional.
Foto: Getty Images/M. Makela
Zine al-Abidine Ben Ali
Com 152 votos está o ex-Presidente da Tunísia, que governou entre 1987 e 2011. É acusado de roubar mais de dois mil milhões de euros à população tunisina e de beneficiar amigos e companheiros a escapar à justiça. É conhecido pelo seu estilo de vida extravagante e saiu do Governo em 2011, na sequência de protestos nas ruas da Tunísia conhecidos como a Revolução de Jasmim ou Primavera Árabe.
Foto: picture-alliance/dpa
Fundação Akhmad Kadyrov
A Fundação Akhmad Kadyrov tem como fim o desenvolvimento social e económico da Chechénia. Mas é acusada de gastar as verbas a entreter e oferecer presentes a estrelas de Hollywood e para o benefício de Ramzan Kadyrov (na foto), presidente da região russa da Chechénia e filho do falecido Akhmad Kadyrov. Segundo a TI, Ramzan Kadyrov usou as verbas para comprar jogadores de futebol. Reuniu 194 votos.
Foto: imago/ITAR-TASS/Y. Afonina
Sistema político do Líbano
Com 606 votos, o sistema político no Líbano, nomeadamante o Governo, as autoridades e as instituições, encontram-se também na lista da Transparência Internacional. Segundo a filial libanesa da TI, a corrupção encontra-se em todos setores sociais e governamentais, existindo "uma cultura de corrupção" no país. Considera o Líbano um país "muito fraco" em termos de integridade.
Foto: picture-alliance/dpa
FIFA - Federação Internacional de Futebol
A Federação Internacional de Futebol, mais conhecida como FIFA, é acusada de ultrajar milhões de fãs. Os respoonsáveis pelos cargos mais elevados são acusados de roubar milhões de euros e estão a ser analisados 81 casos suspeitos de branqueamento de capitais um pouco por todo o mundo. Há suspeitas que várias eleições de países anfitriões de mundiais de futebol foram manipuladaa. Conta 1844 votos.
O senador da República Dominicana conta 9786 votações. Foi acusado de branqueamento de capitais, abuso de poder, prevaricação e enriquecimento ilícito no valor de vários milhões de dólares. Bautista já esteve em tribunal, mas nunca foi considerado culpado, o que originou vários protestos por parte da população dominicana.
Foto: unmaskthecorrupt.org
Ricardo Martinelli e companheiros
É ex-Presidente do Panamá e empresário. Ricardo Martinelli terminou com 10166 votos e possui atualmente uma rede de supermercados no país, entre outras empresas. Está envolvido numa polémica de espionagem política durante o seu mandato entre 2009 e 2014, utilizando alegadamente dinheiros públicos. Tem outras acusações em tribunal, incluindo vários crimes financeiros e subornos e perdões ilegais.
Foto: Getty Images/AFP/J. Ordone
Petrobras
A petrolífera Petrobras, empresa semi-estatal brasileira, ficou em segundo lugar com 11900 votos. As acusações de subornos, comissões e lavagens de dinheiro de mais de dois mil milhões de euros, conduziram, alegadamente, o Brasil a uma profunda crise política. O caso envolve mais de 50 políticos e 18 empresas. A população brasileira já protestou várias vezes nas ruas para exigir justiça.
Foto: picture alliance/CITYPRESS 24
Viktor Yanukovych
O ex-Presidente da Ucrânia foi o mais votado. Acumulou 13210 acusações e é acusado de "deixar escapar" milhões de ativos estatais em mãos privadas e de ter fugido para a Rússia antes de ser acusado de peculato. Yanukovych começou o seu mandato em 2010, foi reeleito em 2012 e cessou as suas funções no ano de 2014, quando foi destituído após vários protestos populares.