Maputo vai recorrer da decisão de extraditar Manuel Chang
Lusa
11 de novembro de 2021
A Procuradoria-Geral da República de Moçambique anunciou que vai recorrer da decisão do Tribunal Superior de Gauteng de extraditar para os EUA o ex-ministro moçambicano Manuel Chang, detido na África do Sul.
Publicidade
"A República de Moçambique, através da Procuradoria-Geral, instruiu ao seu advogado no caso para solicitar a suspensão da implementação da decisão, interpor recurso e, simultaneamente, apresentar um pedido de acesso direto ao Tribunal Constitucional, que, na nossa opinião, está em melhor posição para a reapreciação da decisão", refere uma nota da Procuradoria-Geral da República (PGR).
Em causa, está a decisão de quarta-feira (10.11) do Tribunal Superior de Gauteng, em Joanesburgo, ordenando à África do Sul que extradite o ex-ministro das Finanças moçambicano Manuel Chang, preso há quase três anos sem julgamento, para os EUA, invalidando a extradição para Moçambique anteriormente anunciada pelo Governo sul-africano.
"A República de Moçambique não se conforma com a substituição da decisão anterior", acrescenta a nota, frisando que o pedido de extradição de Chang para Moçambique visa responsabilizá-lo criminalmente por "infrações cometidas no país".
Esta decisão judicial surge na sequência de um recurso urgente do Fórum para a Monitoria do Orçamento (FMO), que contestou a decisão do ministro da Justiça sul-africano, Ronald Lamola, de extraditar Manuel Chang para o seu país, anunciada em agosto passado.
Publicidade
Detenção em 2018
Manuel Chang foi detido em 29 de dezembro de 2018 no Aeroporto Internacional O. R. Tambo, em Joanesburgo, a caminho do Dubai, com base num mandado de captura internacional emitido pelos EUA em 27 de dezembro, pelo seu presumível envolvimento no chamado processo das dívidas ocultas no vizinho país lusófono.
A prisão ocorreu ao abrigo do tratado de extradição entre os EUA e a África do Sul, assinado em setembro de 1999, em Washington, segundo o Ministério Público sul-africano. A África do Sul não tem acordo de extradição com Moçambique, que contestou o pedido de extradição norte-americano de Manuel Chang para os EUA, país com o qual Maputo também não tem tratado de extradição.
Nos últimos três anos, o ex-governante moçambicano, que é tido como a "chave" no escândalo das chamadas dívidas ocultas, enfrentou na África do Sul, sem julgamento, dois pedidos concorrenciais dos Estados Unidos e de Moçambique para a sua extradição do país.
Ex-ministro de Guebuza
Decisão sobre extradição de Chang "não surpreendeu"
01:06
Chang foi ministro das Finanças de Moçambique durante a governação de Armando Guebuza, entre 2005 e 2010, e terá avalizado dívidas de 2,2 mil milhões de dólares (mais de dois mil milhões de euros) secretamente contraídas a favor da Ematum, da Proindicus e da MAM, empresas públicas referidas na acusação norte-americana, alegadamente criadas para o efeito nos setores da segurança marítima e pescas, entre 2013 e 2014. A mobilização dos empréstimos foi organizada pelos bancos Credit Suisse e VTB da Rússia.
Os empréstimos foram secretamente avalizados pelo Governo da Frelimo, liderado pelo Presidente da República à época, Armando Guebuza, sem o conhecimento do parlamento e do Tribunal Administrativo.
Manuel Chang é arguido nos autos de instrução preparatória, num processo autónomo, registado sob o n.º 1/PGR/2015 e n.º 58/GCCC/2017-IP que correm termos na PGR de Moçambique, segundo o acórdão do Tribunal Supremo de Moçambique, em 31 de janeiro de 2019, que instruiu o pedido de extradição moçambicano.
No julgamento do processo principal das dívidas ocultas, que decorre em Maputo, estão sentados no banco dos réus 19 arguidos que o Ministério Público acusa de associação para delinquir, peculato, tráfico de influência, corrupção passiva para ato ilícito, branqueamento de capitais, abuso de cargo ou função e falsificação de documentos.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)