1. Ir para o conteúdo
  2. Ir para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Marchas em Moçambique: "O cidadão perdeu o medo"

Delfim Anacleto
23 de março de 2023

Depois da morte do rapper Azagaia, cada vez mais moçambicanos se chegam à frente para denunciar as injustiças no país. "As pessoas estão revoltadas", diz a rapper Iveth Mafundza à DW, e o povo perdeu o seu "porta-voz".

Funeral do rapper Azagaia na capital moçambicana, Maputo
Foto: Madalena Sampaio/DW

Passam duas semanas desde a morte do rapper moçambicano de intervenção social, Azagaia.

Desde 9 de março, muita coisa se passou em Moçambique, desde movimentos que exaltam o legado do artista nas redes sociais a marchas em várias cidades, em homenagem ao "rapper do povo", que foram reprimidas pela polícia.

Em entrevista à DW África, a rapper moçambicana Iveth Mafundza lembra um artista que não se distraiu da realidade vivida pelo povo moçambicano, ajudou a despertar uma consciência crítica na população e deixou como legado a força das suas mensagens de empoderamento e pró-democracia.

DW África: Quem foi Azagaia para si?

Iveth Mafundza (IM): Mais do que ser um poeta, um lírico, Azagaia era um machambeiro da realidade do seu povo. Ele cultivava e se tornou num verdadeiro porta-voz. Estava sempre atento à realidade, às tendências e aos problemas dos moçambicanos.

Azagaia não só criticava, ele também dava soluções nas suas músicas.

DW África: O que significa para si, em particular, e para o país perder uma figura da dimensão de Azagaia? Lembremos que ele foi seu companheiro na Cotonete Records.

Rapper Azagaia morreu a 9 de marçoFoto: Divulgação Azagaia

IM: Perder o Azagaia é perder um dos melhores cantores moçambicanos de hip-hop de sempre, um dos melhores cantores da lusofonia. Mas a vida é esta. Tem princípio e fim. Ele deixou um legado e vamos continuar a aprender com o seu bom hip-hop.

Eu acho que é isto que Azagaia deixou. Este é o seu legado e vamos continuar a sentir. Isso pelo lado artístico, pelo lado lírico. Falava de tudo e de todos. É como o povo se expressa, mas também como a elite se expressa.

DW África: Pelo que explica, Azagaia transcendeu o campo cultural e musical. Qual é o impacto político da morte de Azagaia?

IM: Ele era um político sem fazer política, e as consequências são estas. É uma revolta. A minha leitura é que as pessoas estão revoltadas, é como se tivessem perdido um pai que cuidava delas e falava por elas. E hoje as pessoas têm de falar por si, têm de agir por si.

Em algum momento eu dizia, saiu o nosso porta-voz. Então, temos de nos levantar e abrir um portão de voz. Cada um agora tem que falar, tem de agir, tendo em conta o status quo da realidade sociopolítica moçambicana.

DW África: O povo chora por essa perda de Azagaia. São notórias várias manifestações nas redes sociais, mas também houve uma tentativa de marchar em homenagem ao músico, que terminou em escaramuças. No campo musical, existirá alguém que possa usar esta arte para servir de porta-voz, tal como Azagaia fez em vida?

IM: Azagaia é insubstituível, com todo o respeito e sem querer minorar o valor que os outros artistas têm, incluindo eu. Cada um é artista à sua maneira, com a sua filosofia de ser e estar. Mas Azagaia era único. A sua audácia, a sua verticalidade, a sua maneira de ser e estar como moçambicano, que exige que a democracia seja efetiva.

Marchas em homenagem ao rapper Azagaia, no sábado (18.03), foram reprimidas pela polícia moçambicanaFoto: Da Silva Romeu/DW

Eu acho que as pessoas sabem que não haverá outro Azagaia e não é, no meu ponto de vista, uma forma de dizer que estamos perdidos. É uma forma de dizer que "o nosso porta-voz se foi e não é preciso mais delegar a minha voz. Eu já cresci. Ele já me disse tudo o que eu tinha que saber e ouvir. Já me instruiu. E agora é a minha vez de fazer erguer a minha voz também".

DW África: Onde será que esse despertar de consciência, que Azagaia ajudou a moldar, poderá levar?

IM: Não sei e não imagino, como também não imaginava. A única coisa que sei é que o cidadão moçambicano está mais consciente e perdeu o medo. Agora, as consequências disso não posso alcançar.

DW África: E Azagaia contribuiu para que houvesse essa perda do medo?

IM: Azagaia cantava e dizia: "Povo no poder! Povo no poder, sim!" E nós respondíamos: "Povo no poder! Povo no poder, sim!" Ele dizia: "Não temos medo! Não temos medo, não!" E nós respondíamos: "Não temos medo! Não temos medo, não". Não temos medo.

Azagaia: Chega de "só dever" - o povo no poder

03:07

This browser does not support the video element.

Saltar a secção Mais sobre este tema