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História

Massacre despertou Mário d’Alva para a luta independentista

Edlena Barros (São Tomé)23 de setembro de 2014

Primeiro-ministro do Governo de transição investido em 1974, Leonel Mário d’Alva foi um dos fundadores do Comité de Libertação de São Tomé e Príncipe. O massacre de 1953 impulsionou a criação da organização política.

Foto: DW/Edlena Barros

Leonel Mário d’Alva foi um dos fundadores do Comité de Libertação de São Tomé e Príncipe (CLSTP), juntamente com nomes como Cícero Santiago, Nazaré Mendes, Pedro Rita Vaz de Alcântara, Armindo d’Alva Ribeiro, Junqueira d’Alva, Guadalupe de Ceita e Miguel Trovoada.

O massacre de Batepá, como ficou conhecido o massacre ocorrido a 3 de fevereiro de 1953, serviu de elemento impulsionador para a criação desta organização política. A onda de repressão desencadeada pelo então governador Carlos Gorgulho resultou num número indeterminado de mortos.

Nacionalista por convicção, Leonel Mário d’Alva e o CLSTP recebiam as influências independentistas que chegavam do continente e preconizavam a independência das ilhas. O Comité era o movimento que funcionava na clandestinamente devido à máquina opressora da PIDE, a polícia política portuguesa.

Nesta entrevista à DW África, Leonel Mário d’Alva, que viria a ser primeiro-ministro do Governo de transição, entre 21 de dezembro de 1974 e 12 de julho de 1975, relembra os acontecimentos que estiveram na origem do CLSTP e que culminaram com a independência do país em 1975.

DW África: O massacre de 1953 é visto por muitos como o momento cristalizador para o nacionalismo são-tomense. Como é que reagiu a este massacre?

Leonel Mário d’Alva (LMD): Quando houve esse massacre, em 1953, eu ainda era estudante do secundário e estava em Angola. Fui informado pelo reitor da escola de que houve um massacre em São Tomé e que morreu muita gente. Entre as vítimas mortais estavam parentes meus.

Massacre de Batepá despertou Leonel Mário d’Alva para a luta independentista

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Senti uma dor muito grande. Quando regressei a São Tomé, em 1956, vi que de uma maneira em geral o povo de São Tomé e Príncipe estava muito chocado com o massacre e queria procurar uma alternativa à colonização.Pensamos que para isso era preciso criar uma organização política cujo objetivo principal seria informar o povo da necessidade de nos engajarmos no processo da luta pela independência.

Podemos considerar que o massacre de 1953 foi, efetivamente, uma etapa que levou os são-tomenses a terem consciência de que a sua luta não deveria ser apenas pela igualdade dos direitos cívicos, mas também pela independência completa do país.

DW África: Quando começa esse movimento de libertação de São Tomé e Príncipe, com o CLSTP, um pouco por toda a África vivia-se um momento de libertação. Chegavam a São Tomé e Príncipe notícias sobre o que acontecia nos outros países? Isso foi um incentivo extra para os são-tomenses almejarem a independência do país?

LMD: Ainda me recordo que quando o Gana se tornou independente, em 1957, Kwame Nkrumah, que era o Presidente naquela altura, fez uma declaração dizendo que o Gana não se consideraria independente enquanto os outros países africanos não fossem independentes. Isso foi uma das coisas que me entusiasmou muito. E disse para mim próprio: Se o Gana se tornou independente porque que é que nós não?

Houve muitos acontecimentos em África. Por exemplo, em Conacri, quando o general Charles de Gaulle perguntou aos antigos países que eram colonizados pela França se queriam a independência ou se preferiam ficar na comunidade. Sékou Touré aconselhou a população e o seu partido a votarem contra a comunidade e a preferirem a independência. Isso também nos fez compreender que as coisas estavam a mudar para África e que África estava disposta a assumir, não obstante as dificuldades que teria que atravessar, o seu papel nesse mundo de lutar também pela dignidade dos povos africanos.

Kwame Nkrumah, antigo primeiro-ministro e Presidente do GanaFoto: Getty Images

DW África: Esse movimento, que começa em finais da década de 1950 e princípio de 1960, foi inicialmente um movimento muito restrito, muito fechado, de um certo grupo considerado privilegiado e não um movimento nacional. Considera que foi isso mesmo que aconteceu?

LMD: Sim, isso aconteceu devido à natureza do regime. Porque naquele tempo era o regime do Estado Novo. Havia uma ditadura muito forte, uma polícia política muito forte, a PIDE, e também muitos outros tipos de polícia, como a Polícia de Segurança Pública e a Polícia Militar. Naquele tempo não era possível ter um movimento muito amplo porque se as autoridades coloniais soubessem, fariam uma grande repressão. Portanto, o grupo era muito restrito e constituído sobretudo por pessoas de muita confiança.

DW África: Como é que foi possível "driblar" essa segurança, esse sistema e criar o CLSTP?

LMD: O grupo era clandestino, havia um comité diretivo e este comité estava organizado por células em várias zonas do país. E as pessoas que sabiam o que se passava eram pessoas de muita confiança. Por exemplo, nós não podíamos fazer reuniões em massa para informar, pois naquele tempo considerava-se um crime o querer criar uma organização reivindicando a independência. Naquele tempo também todas as reuniões eram proibidas e quando tinham que acontecer era preciso pedir para fazer as reuniões. Portanto, tinha que ser um grupo muito restrito e um grupo com carácter clandestino.

DW África: O CLSTP deixa São Tomé e Príncipe e cria células também no estrangeiro. Muitas da reuniões foram realizadas no Gabão e na Guiné Equatorial. Como é que o CLSTP conseguiu fundar também as suas bases no estrangeiro?

LMD: As pessoas iam saindo de São Tomé e Príncipe. Naquela altura as viagens eram feitas sobretudo de barco. Iam para o Gabão, Gana e Guiné Equatorial. Também iam através de Portugal e de França e de lá seguiam para muitos países africanos.

Trabalhadores contratados numa plantação em São Tomé e PríncipeFoto: casacomum.org/Ana, Luís e Pedro Nogueira de Lemos

DW África: O CLSTP acaba depois por transformar-se no MLSTP. A que se deveu esta mudança?

LMD: O CLSTP transformou-se no Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe (MLSTP) numa conferência feita em Malabo (capital da Guiné-Equatorial), em 1972. Essa transformação ocorreu porque entraram mais elementos e a organização passou de um nível para outro. Portanto, em vez de ser apenas um comité de libertação passou-se ao MLSTP. É necessário frisar que nessa reunião realizada em Malabo houve uma reconciliação entre os diversos grupos, como o CLSTP do Gana e o CLSTP do Gabão. Naquela reunião conseguimos ultrapassar, em certa medida, algumas divergências que vinham nos membros e fundir todos no movimento só que é o MLSTP.

DW África: O CLSTP foi muitas vezes um movimento que devido à força repressiva que existia em São Tomé que não estava muito no terreno. Como é que o movimento consegue sair da clandestinidade e passar para a mobilização do povo são-tomense?

LMD: O movimento tornou-se muito mais amplo só depois do 25 de Abril de 1974 porque depois da Revolução dos Cravos houve uma mudança radical em Portugal. O regime da ditadura que existia foi deposto pelo movimento do 25 de Abril e esse movimento proclamou o direito de realizar reuniões, o direito às reivindicações. Então, o MLSTP aproveitou esse momento para mandar os seus membros para São Tomé e Príncipe. Nesta fase já se conseguia fazer reuniões abertamente, já se podia reivindicar a independência, já se podia fazer greves. E com esta base conseguiu-se mobilizar muito mais objetivamente a população de São Tomé e Príncipe de modo a que esta pudesse reivindicar a independência nacional.

DW África: Apesar de ter um nome parecido com a sua congénere em Angola, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), em São Tomé e Príncipe, o MLSTP nunca pensou em fazer da luta pela independência uma luta armada. Porquê?

Leonel Mário d’Alva foi primeiro-ministro do Governo de transição investido em 1974Foto: DW/Edlena Barros

LMD: Muitos militantes do CLSTP/MLSTP preconizavam a luta armada, mas a posição que teve mais sucesso foi a luta política. São Tomé e Príncipe é uma pequena ilha com difícil acesso e os países que estão mais próximos não eram muito favoráveis à luta armada. E também não é muito o espírito do são-tomense organizar a luta armada.

DW África: Como é que vê o papel que a Associação Cívica Pró-MLSTP teve na luta pela independência de São Tomé e Príncipe?

LMD: A Associação Cívica foi uma organização que o MLSTP criou na altura para esclarecer e informar a população sobre a independência de São Tomé e Príncipe para que o povo pudesse reivindicar a sua importância. Essa associação teve um papel importante porque naquela altura os colonos estavam em São Tomé e Príncipe. Sobretudo os que tinham roças estavam armados e estavam dispostos a confrontar toda a reivindicação para a independência. A Associação Cívica participou, juntamente com muito elementos da população, no desarmamento desses colonos que estavam nas roças e também participou, de uma maneira geral, na mobilização.

DW África: Houve um momento em que o MLSTP, ao regressar a São Tomé e Príncipe antes da independência, temeu um pouco o poder que a Associação Cívica tinha conseguido terreno e que esse poder e a capacidade de mobilização poderiam, de alguma forma, levá-los ao poder e não os dirigentes do MLSTP para os quais trabalhavam. Acredita que essa tenha sido a realidade em 1974?

LMD: Não. Em 1974/75 já tínhamos assinado o Acordo de Argel que estabelecia o esquema, o prazo e as condições para a independência de São Tomé e Príncipe. E o MLSTP achava que se devia respeitar o Acordo de Argel e cumprir os termos, mas não cumprir aquilo que a Associação Cívica preconizava e que não estava no acordo. Por exemplo, a dissolução do exército. Os dirigentes do MLSTP não aceitavam e achavam que deveriam seguir o que estava no Acordo de Argel.

DW África: LMD: Então porque que se dá essa ruptura entre a Associação Cívica e o MLSTP?

LMD: Por causa disso. Havia condições previstas no Acordo de Argel e pensavam que se deveria implementar aquilo que preconizavam. Daí essa ruptura.

Instalações de uma roça em São Tomé e PríncipeFoto: casacomum.org/Ana, Luís e Pedro Nogueira de Lemos

DW África: Como é que os são-tomenses receberam a notícia da assinatura do Acordo de Argel a 26 de Novembro de 1974? Era já a confirmação de que a independência estava próxima?

LMD: Sim. Quando houve o Acordo de Argel houve uma grande satisfação do povo são-tomense. Nós, os membros do MLSTP da altura - hoje já não faço parte do partido - comunicamos à população sobre o Acordo de Argel. Recebíamos várias comunicações de que as pessoas queriam ouvir o acordo. Pedimos ao Governo gabonês que, através da sua rádio em Libreville, nos deixasse transmitir o acordo na íntegra. As pessoas ficaram muito satisfeitas sabendo que iriam tornar-se independentes e as próprias condições para a independência de São Tomé e Príncipe.

DW África: A 12 de julho de 1975, o povo de São Tomé e Príncipe pôde finalmente hastear a sua bandeira e ouvir o hino nacional pela primeira vez. Qual foi o sentimento quando se declarou São Tomé e Príncipe independente?

LMD: Depois do Acordo de Argel houve a constituição de um acordo de transição. Esse Governo foi preconizado para ter uma duração de seis meses, durante a qual foi preparada a independência de São Tomé e Príncipe. E no dia da independência houve uma grande satisfação, houve muitos convidados de muitas partes do mundo. Foi efetivamente uma grande festa no dia 12 de julho de 1975.

DW África: Passados 39 anos acredita que, apesar de se ter conseguido a independência em 1975, podemos considerar São Tomé e Príncipe um país independente como era preconizado naquela altura?

LMD: Hoje em dia nós não podemos dizer que há países completamente independentes. Nós estamos numa fase das relações económicas internacionais de uma grande interdependência. São Tomé e Príncipe tem as suas dificuldades, é muito interdependente, mas julgo que já ultrapassou algumas fases e muitas coisas foram feitas para melhorar as condições de vida do povo são-tomense.

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