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"Tradição" do Kremlin domina contexto da morte de embaixador

15 de maio de 2024

Proibição russa de autopsiar e examinar o corpo do embaixador russo em Maputo é "tradição" russa, diz historiador. Não é ilegal, segundo Milhazes, que fala em imunidade parlamentar: Surikov, morreu em "território russo".

Bandeira da Rússia
Foto: Reuters/G. Garanich

No sábado (11.05), morreu o embaixador russo em Maputo, Alexander Surikov. De acordo com a polícia moçambicana, a "presunção" da investigação é de "morte súbita por causas indeterminadas". 

"E por orientações de autoridades da Rússia, as quais chegaram à equipa técnica do piquete através do cônsul daquela Federação, o senhor Yuri Doroshenkov, o qual esteve presente na morgue acompanhado com o encarregado de segurança da embaixada, foi orientado a não fazer qualquer (...) exame do corpo e muito menos autópsia", referem aindas fontes policiais moçambicanas. 

Os contornos do caso surprenderam a sociedade moçambicana, mas não aos conhecedores do modus operandi do Kremlin. O historiador José Milhazes diz que a medida encaixa-se na "tradição" russa no campo diplomático. Garante que não há ilegalidade alguma, já que a medida é protegida pela imunidade diplomática: Alexander Surikov morreu em "território russo".

DW: De acordo com a polícia moçambicana, entidades russas não permitiram que as autoridades locais examinassem e autopsiassem o corpo do embaixador russo. A posição deve-se a falta de confiança nos serviços moçambicanos ou haverá outras motivações por detrás de tal decisão?

José Milhazes (JM): Tem a ver com uma tradição que acontece sempre quando morre algum diplomata russo no estrangeiro. Isso é feito para que as autópsias ou exames não deem campo para especulações. O cadáver é transportado para a Rússia e aí sim, fazem todos os exames necessários para determinar a causa da morte. E foi o que aconteceu desta vez em Maputo. E penso que não há nenhuma outra razão que justifique essa decisão de não deixar autopsiar ou fazer qualquer tipo de exame ao corpo do embaixador. 

DW: Essas proibições das autoridades russas arranham a soberania de Moçambique?

JM: Aqui há uma coisa: a imunidade diplomática. Ele deve ter falecido em casa, ou seja, isso é território russo e os russos têm plenos poder para decidir sobre o que fazer ou não a embaixador seu que faleceu em território russo, digamos. Por isso as autoridades médicas e policiais de Moçambique podem se sentir ofendidas, mas a Rússia não viola as leis internacionais, porque está em território russo e as casas onde residem os diplomatas isso são assuntos da Rússia, tal como a Rússia pode impedir a entrada de polícias ou de membros e autoridades no território da sua embaixada e nesse caso também podem decidir não realizar autópsia ou outros testes no local da morte, mas na Rússia.

José Milhazes, historiador e especialista em política russaFoto: DW/J.Carlos

DW: As causas das mortes de altas figuras da esfera política russa costumam ser mantidas em segredo. O que motiva esse modus operandi?

JM: Não, elas não são mantidas em segredo. Uma coisa são as doenças dos dirigentes soviéticos ou russos. Agora, as causas das mortes normalmente são reveladas. Outra coisa será: serão as verdadeiras causas? Mas isso é outra conversa. Agora, sempre que um dirigente ou uma figura influente morre na Rússia, normalmente comunica-se o resultado da autópsia e as causas da morte. Aí não me lembro de terem sido escondidas. Agora, o que pode ter acontecido no caso do ditador Stalin foi que não foram reveladas as verdadeiras causas da morte dele, mas sai sempre um comunicado a dizer o que é que levou a morte desta ou aquela personalidade política.

DW: O Governo da FRELIMO parece ter bebido dos mesmos ensinamentos, optando muitas vezes pelo secretismo em circunstâncias delicadas. Nesse sentido não se pode esperar uma clarificação sobre essa morte?

JM: Não, acho que os russos poderão fazer a autópsia e se acharem que há algumas coisa estranha, poderão eles próprios investigar, caso não haja poderão eles comunicar que morreu de ataque cardíaco, e há mais não são obrigados. Claro que as autoridades moçambicanas estão habituadas ao velho método soviético. Eu recordo que até hoje não foram reveladas as causas da queda do avião que provocou a morte do Presidente Samora Machel.

DW: Dissocia a morte do embaixador de assassinatos com motivações políticas? Parece-lhe uma morte natural e inocente?

JM: Pelos elementos que tenho, e julgando que se trata de um embaixador russo em Moçambique, não vejo quais seriam os motivos para especular.

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