Membros da oposição no Ruanda desaparecem misteriosamente
Silja Fröhlich | ac
6 de agosto de 2019
Vários membros do partido da oposição "Forces Democratiques Unifiées" (FDU) foram encontrados mortos ou desapareceram de forma misteriosa no Ruanda. E ninguém sabe o que poderá ter acontecido aos críticos do governo.
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Há alguns anos que a FDU, a coligação de partidos de oposição ao Presidente Paul Kagame, se vê confrontada com casos misteriosos de desaparecimento de militantes.
O caso de Eugene Ndereyimana é um dos últimos casos conhecidos. O jovem político de 29 anos, desapareceu no dia 15 de julho, quando se preparava para viajar para um encontro do partido na cidade de Nyagatare no nordeste do país. Ele nunca chegou ao congresso do partido e não se sabe do paradeiro do jovem político, pai de duas crianças.
Investigações sem resultados
Em declarações à DW África, a presidente da FDU, Victoire Ingabire Umuhoza, afirmou que já tentou por várias vezes contactar os serviços de investigação, mas não recebeu qualquer informação.
"Quem conhece os serviços de investigação do Ruanda sabe que eles são bastante competentes. Ninguém pode simplesmente desaparecer, sem que eles venham a saber onde ele está. Isso não é possível. Eles podem me dizer que não sabem onde ele está, mas ninguém acredita. Eles sabem quem matou um membro da oposição. Eles sabem, mas não nos querem dar a informação", reclamou Victoire.
Justin Bahunga, um dos vice-presidentes da coligação, também está cético em relação a esta situação. "Talvez se trate de uma ação deliberada do Estado, que visa impedir que qualquer oposição opere no Ruanda. Nesse caso é difícil pensar que conseguiremos receber qualquer informação. Esse é o pior cenário possível", afirmou Justin Bahunga.
Oposição perseguida
Há muito que opositores do Ruanda enfrentam intimidação, violência, prisão ou a perspetiva de desaparecimento, quando expressam as suas opiniões críticas sobre o Presidente Kagame e contra seu partido no poder, a Frente Patriótica Ruandesa (RPF), afirma Sarah Jackson, vice-diretora da Amnistia Internacional para a África Oriental.
Membros da oposição no Ruanda desaparecem misteriosamente
"Na ausência de investigações confiáveis, é muito difícil saber o que aconteceu. Como Amnistia Internacional, pedimos às autoridades do Ruanda que abram essas investigações e que elas sejam credíveis, para que saibamos o que aconteceu realmente. É incrivelmente preocupante ver esses casos de desaparecimentos a crescer e o impacto que isso tem no contexto político no Ruanda", afirma com preocupação Sarah Jackson.
Os opositores ao regime de Kagame não têm facilidades mesmo além das fronteiras do Ruanda. Em 2014, Patrick Karegeya, ex-chefe dos serviços secretos do Ruanda e mais tarde um dos fundadores do Congresso Nacional de Ruanda, crítico do regime, foi estrangulado no seu quarto de hotel na África do Sul.
Em 2010, tinha dado entrevistas ao jornal ugandense "The Observer" e à BBC, nas quais classificava Kagame de "ditador que não desiste do poder". Além disso, Karegeya acusara Kagame de ordenar uma série de assassinatos políticos. Quando Kagame foi questionado sobre o possível envolvimento do governo na morte de Karegeya, disse: "O Ruanda não matou essa pessoa, mas não nego que eu gostaria que o Ruanda tivesse feito isso". Kagame também enviou uma advertência: "Qualquer sobrevivente que conspirar contra Ruanda, seja ela quem for, pagará o preço".
Alguns dos membros da FDU que foram vítimas destas perseguições são: Anselme Mutuyimana, que foi encontrado morto no meio da selva; Boniface Twagirimana, vice-presidente da FDU que está desaparecido; Jean Damascene Habarugira, encontrado morto num hospital com sinais de mutilação; e Illuminee Iragena, que continua desaparecida.
O genocídio no Ruanda
O genocídio no Ruanda, 25 anos atrás, em 1994, chocou o mundo. Na época, a comunidade internacional assistiu de braços cruzados – sobretudo a França e a ONU – ao assassinato de cerca de 800 mil pessoas.
Foto: picture-alliance/dpa
O pontapé do genocídio
No dia 6 de abril de 1994, o avião em que viajava o então Presidente de Ruanda, Juvénal Habyarimana, foi derrubado por um foguete quando se aproximava da capital Kigali. O atentado matou Habyarimana, o Presidente do Burundi e outros oito ocupantes da aeronave. No dia seguinte, começam os massacres, que duraram três meses e custaram a vida de pelo menos 800 mil ruandeses.
Foto: AP
Vítimas escolhidas a dedo
Depois do assassinato do Presidente, extremistas hutus começaram a atacar membros da minoria tutsi e hutus moderados. Os assassinos estavam bem preparados e escolhiam suas vítimas entre ativistas de direitos humanos, jornalistas e políticos. Entre as primeiras vítimas, no dia 7 de abril de 1994, estava a primeira-ministra Agathe Uwilingiyimana.
Foto: picture-alliance/dpa
Resgate de estrangeiros
Enquanto nos dias posteriores milhares de ruandeses eram mortos diariamente em Kigali e no interior, forças especiais belgas e francesas retiraram do país cerca de 3.500 estrangeiros. Paraquedistas belgas resgataram em 13 de abril os sete funcionários alemães da Deutsche Welle em Kigali, juntamente com suas famílias. Apenas 80 dos 120 empregados locais da emissora sobreviveram ao genocídio.
Foto: P.Guyot/AFP/GettyImages
Grito de socorro
Já no início de 1994, o comandante das tropas de paz da ONU, o canadense Roméo Dallaire, tinha indícios de um planejado extermínio da população tutsi. Sua mensagem à ONU, conhecida como o "fax do genocídio", enviada em 11 de janeiro, foi rejeitada. Os apelos posteriores do general durante o genocídio também foram ignorados pelo então chefe das operações de manutenção da paz, Kofi Annan.
Foto: A.Joe/AFP/GettyImages
Mídias do ódio
O filme "Hate Radio", do diretor suíço Milo Rau (foto), lembra a estação Radio Mille Collines (RTLM) que, junto ao jornal semanal "Kangura", incitava o ódio contra os tutsis. Kangura, por exemplo, publicou já em 1990 os "Dez mandamentos hutus", com alto teor racista. A Mille Collines, popular pela música pop e pela cobertura desportiva, fazia chamadas diárias pela perseguição e morte de tutsis.
Foto: IIPM/Daniel Seiffert
Refúgio no hotel
Em Kigali, Paul Rusesabagina escondeu mais de mil pessoas no Hotel des Mille Collines. Depois que o gerente belga deixou o país, Rusesabagina o sucedeu no cargo. Com muito álcool e dinheiro, ele conseguiu impedir as milícias hutus de matar os refugiados. Em muitos outros refúgios, as vítimas não conseguiram escapar de seus assassinos.
Foto: Gianluigi Guercia/AFP/GettyImages
Massacres em igrejas
Mesmo igrejas, onde muitos buscaram refúgio, não foram respeitadas. Cerca de 4 mil homens, mulheres e crianças foram mortos na igreja de Ntarama, perto de Kigali, por assassinos portando machados e facões. Hoje, a igreja é um dos muitos memoriais do massacre. Crânios e ossos humanos, além de buracos de bala nas paredes, lembram até hoje o genocídio.
Foto: epd
O papel da França
Paris manteve laços estreitos com o regime hutu. Quando os rebeldes da Frente Patriótica Ruandesa (FPR) já tinham ganhado terreno sobre os autores de genocídio, em junho, o Exército francês entrou em ação. E permitiu que soldados e milicianos responsáveis pelo genocídio fossem com armas para o Zaire, atual República Democrática do Congo, onde representam até hoje uma ameaça para o Ruanda.
Foto: P.Guyot/AFP/GettyImages
Fluxo de refugiados
Durante os massacres, milhões de ruandeses, tutsis e hutus, fugiram para os países vizinhos Tanzânia, Zaire e Uganda. Só no Zaire (hoje RDC), foram dois milhões de refugiados. Ex-membros do Exército e os autores de massacres fundaram as Forças Democráticas pela Libertação de Ruanda, que são até hoje um fator de insegurança no leste congolês.
Foto: picture-alliance/dpa
Tomada de Kigali
Diante da Igreja da Sagrada Família, em Kigali, patrulham em 4 de julho de 1994 rebeldes da RPF. Nessa época, eles já haviam libertado a maioria das regiões do país e forçado os assassinos a baterem em retirada. Ativistas de direitos humanos se queixam, no entanto, que os rebeldes também cometeram crimes pelos quais ninguém foi responsabilizado até hoje.
Foto: Alexander Joe/AFP/GettyImages
Fim do genocídio
O general Paul Kagame, líder da RPF, declarou em 18 de julho de 1994 o fim da guerra contra as forças do Governo. Os rebeldes assumiram o controlo da capital e outras grandes cidades. A princípio, empossaram um Governo provisório. Desde o ano 2000, Kagame é o Presidente do Ruanda.
Foto: Alexander Joe/AFP/GettyImages
Cicatrizes permanentes
O genocídio durou quase três meses. A maioria das vítimas foi brutalmente assassinada com facões. Vizinhos mataram vizinhos. Cadáveres e partes de corpos de bebés, crianças, adultos e idosos se amontoavam ao longo das ruas. Poucas famílias foram poupadas. Não só as cicatrizes nos corpos dos sobreviventes mantêm viva a memória do genocídio.